Um barco atravessa as constelações,
deixando um sulco de asa na superfície celeste. Viajante
clandestino, oculto o meu sonho
na mala do porão. Ouço um choro de astros
amarrados ao mastro de fogo, e sinto uma queda
de cometa no abismo do horizonte.
Desenho o seu rumo no mapa
da alma. Evito naufrágios; rodeio arquipélagos
e recifes; procuro o centro do céu, onde
se esconde a visão de um último porto, com
o seu cais de cinza e uma erupção de lava
nos bolsos do nada.
Então, acendo um cigarro na falésia
da memória. Os deuses seguem-me, apanhando
as beatas que deixo pelo caminho. Correm,
e ouço o bater dos corações num eco
de cansaço. Mas não me apanham, e
dobro a esquina do ocaso, vendo-os tossir
com o fumo da noite
De volta ao convés, reabro
o diário de bordo. E o barco continua parado
no oceano sem porto.
Nuno Júdice
in, Geometria Variável
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