"Se podemos ser trocadas, vendidas, torturadas, mortas, escravizadas, encurraladas em haréns como gado, é porque não fazemos falta nenhuma.
Mas se não fazemos falta nenhuma, porque é que deus nos colocou no mundo?
E esse deus, se existe, porque nos deixa sofrer assim?
O pior de tudo é que deus parece não Ter mulher nenhuma.
Se ele fosse casado, a deusa - sua esposa - intercederia por nós.
Através dela pediríamos a benção de uma vida de harmonia.
Mas a deusa deve existir, penso.
Deve ser tão invisível como todas nós.
O seu espaço é de certeza a cozinha celestial.
Se ela existisse teríamos a quem dirigir as nossas preces e diríamos:
Madre nossa que estais no céu, santificado seja o vosso nome.
Venha a nós o vosso reino - das mulheres, claro -, venha a nós a sua benevolência, não queremos mais violência.
Sejam ouvidos os nossos apelos, assim na terra como no céu.
A Paz nossa de cada dia nos daí hoje e perdoai as nossas ofensas - fofocas, má-lingua, bisbilhotices, vaidade, inveja - assim como nós perdoamos a tirania, traição, imoralidades, bebedeiras, insultos, dos nossos maridos, amantes, namorados, companheiros e outras relações que nem sei nomear...
Não nos deixeis cair na tentação de imitar a loucura deles - beber, maltratar, roubar, expulsar, casar e divorciar, violar, escravizar, comprar, usar, abusar e nem nos deixeis morrer nas mãos desses tiranos - mas livrai-nos do mal, Amén.
Uma mãe celestial nos dava muito jeito, sem dúvida nenhuma."
Paulina Chiziane
in, "NIKETCHE - uma história de poligamia"
Tive o prazer de conhecer a Paulina aqui em Maputo...já andava a perder a esperança com as mulheres africanas, até a conhecer...
Comprei este livro por 1560 meticais...cerca de 50 euros...mas valeu a pena!
Fizeram-lhe aqui uma homenagem, por ter sido a primeira mulher moçambicana a publicar um romance...e eu fui à cerimónia, coisa rara de acontecer por estas bandas...
Foi tão bom ouvi-la a falar sobre as mulheres, sobre os casamentos e sobre a poligamia, a visão de Paulina sobre as mulheres, e os questionamentos que faz sobre o mundo e as tradições daqui...
Falou sobre os diálogos de Rami com o espelho (ela perde a sua identidade, e volta a encontrá-la no próprio reflexo)...
Falou sobre o "Pai nosso feminino" de que fala no livro no Cap. 8...
É impressionante como ela fala, no meio de tanta tristeza, miséria, crueldade e machismo, que só quem aqui vive, pelo menos mais de um ano, sabe do que falo...é medonho!
As mulheres são literalmente tratadas como gado!
E no meio disto tudo, ela fala com tanta alegria e esperança.
E o mais triste é que elas se adaptam a isso...e vivem de acordo, em busca de uma vida melhor.
As culturas tribais são as principais responsáveis por ser assim.
São intocáveis!
Para terem uma ideia, aqui e em vários países de África por onde vivi, nas grandes cidades, a mentalidade das mulheres é ter 3 homens:
Um para casar, ter uma vida financeira boa, com bons presentes, boas roupas e bons sapatos, e uma boa casa...coisas que elas muito valorizam(elas alugam vestidos e sapatos, por vezes maiores que os pés delas, esticam o cabelo com formol nas garagens, para irem para a discoteca do Casino de Maputo para o engate...)
Outro para o sexo, que as exploram, que as dominam, sugam-lhes o dinheiro, com falsas promessas.
E finalmente, o homem por quem são apaixonadas.
E a Paulina acabou, com a seguinte frase:
"As culturas são fronteiras invisíveis que levantam as muralhas deste mundo."
Uma Mulher Africana notável, como há muito poucas!!!!
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