sábado, 2 de novembro de 2013
Eus e reencarnação
Pergunta – O fato de não nos lembrarmos de nossas vidas passadas tem uma função, não é?
Monge Genshô – Podemos pensar desta forma. Desde o momento que não há um “Eu”, pois este é uma construção, não há ninguém para carregar uma memória. Se houvesse um portador de memória, haveria a continuidade de um “Eu”.
Pergunta – Posso supor depois das suas explicações que existe reencarnação?
Monge Genshô – De quem? Se não existe um “Eu” como pode haver reencarnação? Se memórias não permanecem, reencarnação de quê? O que reencarnaria? Reencarnação é uma palavra que não serve ao Budismo. Reencarnação significa que um “Eu” carrega uma nova vida e ganha uma nova carne. Se dizemos que não há almas ou espíritos e que as memórias desaparecem com a morte, então o que há para reencarnar? Só restam impulsos, que é o que chamamos de carma, o movimento do universo. Esse movimento produz novas identidades, novos seres. É o carma que produz manifestações, não são as manifestações que carregam carmas. Essa definição cabe ao espiritismo onde um espírito carrega carma e vai ganhando novos corpos e é dessa definição que vem também a noção de missões, resgates e um progresso permanente. Prefiro falar em nova manifestação cármica, outros professores em renascimento.
No Budismo nem mesmo essa noção de progresso permanente existe, pois você pode regredir. É muito fácil destruir sua vida, você pode nascer numa condição muito boa, boa família, bom emprego, bom casamento. Mas basta você se viciar em drogas e poderá acabar perdendo tudo isso. Outro detalhe é que os universos são cíclicos e nada é permanente, nada irá durar para sempre. Há continuidade mas não de um eu.
Pergunta – Eu penso na questão da fé, que é uma questão cultural e social. Acreditar no que “a priori”, não pode ser comprovado ou investigado...
Monge Genshô – A proposta do Budismo é outra, não se trata de fé e sim de uma grande dúvida. Não tenho nenhuma solução para lhe dar e, portanto, você não tem onde se agarrar. Você está sozinho, sem anjos ou deuses pra lhe ajudar e em suas mãos está o poder de construir seu próprio caminho. O que posso te oferecer no Zen é um método de treinamento.
Pergunta – Mas a doutrina do carma, se é que pode ser chamado assim, não é uma questão de fé?
Monge Genshô – Não. Veja bem, você poderia me apontar um efeito sem causa?
Pergunta – No mundo fenomênico não.
Monge Genshô – Então você sabe que não existe causa sem efeito, essa é a maior declaração de Buda a respeito do carma. Carma significa ação. “Carma Vipaka” é “fruto da ação”. Se você encontra cacos de uma xícara no chão, irá concluir que alguém deixou cair, os cacos são frutos de uma ação. O carma não precisa de fé, ele é auto evidente, ação e consequência. A definição de fé é a firme convicção em algo que não se vê ou ouve, ou seja, acreditar em algo sem qualquer evidência. Para o Budismo isso não faz qualquer sentido. “Teste”, disse Buda, “se funcionar para você, está ótimo”.
Este diálogo do Monge Genshô com um assistente da sua palestra, desta vez deu-me um nó na cabeça! Vou aqui escrever um pouco para ver se o desato...
Pelo que compreendi, eu poderia dizer que nós somos uma linha de pensamento, não existindo uma alma ou identidade ou individualidade que reencarna.
É como as estrelas que se transformam uma nas outras, elas não têm uma individualidade, ou seja, não é possível lembrar quem fomos nas vidas passadas porque não existe vidas passadas, é uma continuidade.
Lembrar de vidas passadas poderá ser uma identificação com o pensamento de certas pessoas. Assim, do mesmo modo, podemos nos identificar com pessoas vivas, o que significa que compartilhamos de vidas passadas.
Ontem é vida passada... embora no Hinduísmo se fale de uma alma indestrutível...
Essa ideia dos impulsos que se manifestam continuamente é fantástica, e lembra muito os Memes do Richard Dawkins.
Quanto a efeitos sem causa, na verdade existem.
A Fisica estuda uma coisa chamada Flutuação Quântica do Vácuo onde se observa o surgimento de partículas sem nenhuma causa.
Do nada.
Em pouco tempo elas se anulam e voltam ao vácuo de onde vieram.
Li sobre isto, num livro sensacional, que faz uma relação entre a Fisica Moderna e o misticismo oriental, inclusive o Budismo, chamado "O Tao da Fisica" de Fritjof Capra.
Mas mesmo que não tivéssemos observado nenhum efeito sem causa, isto por si só, não provaria que não existem efeitos sem causas.
Seria como concluir que todos os cisnes são brancos só porque nenhum cisne negro foi ainda observado.
Mas, eu penso que, no diálogo do Monge Genshô, a afirmação de que estes efeitos são sem causa é questionável, mais correto seria afirmar "sem causa conhecida".
Essa foi justamente a grande polémica que separou Einstein dos quânticos no começo do século passado.
Alguns físicos acreditam que o universo não é causal.
Não significa que não se conhece a causa do efeito, mas que, em essência, a relação de causa e efeito não é absoluta.
Essa conexão que vemos entre dois eventos, quando dizemos que um é causa do outro depende da nossa percepção do tempo como sendo linear, correndo sempre do passado para o futuro na mesma cadencia.
Mas o tempo corre de formas diversas em certas condições.
E quando isso acontece, as relações de causa e efeito perdem totalmente o sentido.
O decair do átomo também é um efeito sem causa.
Isto, no caso, seria uma falácia, porque o facto da maioria dos efeitos não terem causa, não implica que não existam efeitos sem causas.
Realmente, existem pontos de vista diversos, mas do ponto de vista dos ensinamentos de Buda, não existem efeitos sem causa, mesmo que o tempo não seja linear, e como diz Dogen Zenji, seja todo ele um único ponto onde tudo está contido, mesmo que aparentemente um efeito pareça sem causa como o decair radioactivo, ou qualquer exemplo que se busque, ele teria uma causa, não poderia ser declarado sem causa alguma, mesmo que a causa fosse simultânea à manifestação.
E se Buda estivesse errado?
É perfeitamente compreensível que na sua época ele acreditasse nisso, tendo em vista que essa não possuía o conhecimento científico actual.
De qualquer modo, quando se parte para esse lado, é uma questão de crença.
Porém, mesmo com esses efeitos sem causa, creio que não interferem de modo algum no budismo pois nossa vida se passa no Macro e não no Micro, e na nossa esfera tangível os efeitos têm, sim, causa.
Apesar das especulações da física, e de todas as minhas dúvidas, elas não definem o pensamento budista e o sentido de manifestação do karma.
Mas ainda acho que daria para mexer mais nisto.
A ideia de karma depende da nossa percepção linear de tempo.
Mas essa percepção é ilusória.
Será que a teia na qual os eventos estão interligados não seria muito maior do que a linha de uma só dimensão que estamos a ver quando falamos de karma?
Será que A, causa B, que causa C, não é só a ponta do iceberg?
Mas se o tempo não é linear, é capaz de uma pessoa sofrer as consequências de um karma antes mesmo de ter feito a sua acção?
Vamos supor que o evento A causa B.
A pessoa nasceu na época do evento B e sofre o efeito.
Porém essa pessoa renasce na época do evento A e causa o evento B.
A possibilidade do tempo não ser linear não implica que é possível o efeito vir antes da causa?
E além disso, se o efeito pode vir antes da causa, aquele efeito não tem uma causa até essa acontecer, não?
Putz...misturar budismo, com teorias quânticas e partículas subatômicas...complicou...a questão do tempo linear e universos paralelos...ainda deu um nó maior na minha cabeça...
Este monge faz-me pensar...
Apesar de gostar bastante do Dharma de Buda, e de admirar o facto de o Budismo ser mais uma filosofia do que uma religião, e de entenderem e aceitarem todas as religiões, faz com que eu simpatize bastante com o Budismo...No meu caso, o Budismo Zen...
Mas, há coisas que eu não consigo entender, e por isso não me identifico e não sou budista...esta é uma delas!
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