sexta-feira, 7 de abril de 2023

TE DEUM








 A ti, ó deus, pousado como a coruja
de olhos cegos no tronco ressequido da eternidade;
a ti, que o vento de uma imprecação de profetas
loucos expulsa para a terra poeirenta
do fim, como se ainda pudesses anunciar
um recomeço de jardins e oceanos varridos
pela primeira luz; a ti, de asas envelhecidas
pelo curso das idades, e incapaz de sobrevoar
um campo de galáxias para descobrir o átomo
de um verbo inicial:

vem para dentro do tempo, e faz dele
o templo das tuas indecisões. Sobe ao velho
altar e fala aos crentes que te adoram, repetindo
devagar cada palavra que ouviste das suas
orações. Pedir-te-ão que não os imites, e quando te
aproximares deles voltar-te-ão as costas, a ti,
ó deus alquebrado. Então, dirás para
contigo, então sou um homem! E entrarás
no meio deles, para que te insultem,

a ti, ó deus, que finalmente
encontrarás o teu lugar nas tabernas do mundo,
bebendo o vinho barato dos marinheiros
e comendo o pão esfarelado da ressaca,
enquanto rezas a ti próprio – como
se ainda acreditasses em ti.


Nuno Júdice
in, Fórmulas de Uma Luz Inexplicável





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