segunda-feira, 3 de maio de 2021

O Efeito Flynn

 



O QI médio da população mundial, 
que sempre aumentou desde o pós-guerra
 até ao final dos anos 90, 
diminuiu nos últimos vinte anos. 
É a inversão do efeito Flynn.


Parece que o nível de inteligência, medido pelos testes, diminui nos países mais desenvolvidos. 
Pode haver muitas causas para este fenómeno. 
Um deles pode ser o empobrecimento da linguagem.
Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as subtilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos.

O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo.
A simplificação com o tratamento por tu, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos de "golpes mortais" na precisão e variedade de expressão.

Apenas um exemplo: eliminar a palavra "menina, senhorita/mademoiselle" (agora obsoleta) não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.
Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento. Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.
Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível.

Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece.
A história está cheia de exemplos e muitos livros (George Orwell - "1984"; Ray Bradbury - "Fahrenheit 451") contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras.
Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. 
E não há pensamento sem palavras. 

  • Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? 
  • Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro? 
  • Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e a sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?

Caros pais e professores: 
Façamos com que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam e escrevam. 
Ensinemos e pratiquemos o idioma nas suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade.
Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem dos seus "defeitos", abolir géneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana. 
Não há liberdade sem necessidade. 
Não há beleza sem o pensamento da beleza.


Christophe Clavé




As línguas podem passar por períodos de decadência — mas na escrita… Quando o Império Romano desapareceu, os níveis de alfabetização desceram. No entanto, as línguas em si, na oralidade, não se transformaram em subprodutos linguísticos — acabaram por dar origem às nossas línguas, que simplificaram partes do latim, mas complexificaram outras (os artigos, por exemplo).

Ora, mesmo na escrita não vivemos hoje num período de decadência: a alfabetização é superior a qualquer época passada. Ainda não estamos bem? Pois claro que não. Preocupa-me a falta de leitura de muitos jovens, que não permite ganhar capacidades de escrita adequadas para um mundo em que vivemos pela escrita. Mas de uma preocupação que todos podemos partilhar até conclusões catastróficas sobre a evolução da língua, o estado da gramática, do vocabulário, da violência e de tudo o mais — vai, claro, uma grande distância…

Temos de ser muito exigentes. A língua exige uso e estudo, principalmente na escrita. É por isso que proponho que se leia mais sobre a língua, para lá de impressões de café.

Por exemplo, este artigo Different languages, similar encoding efficiency: Comparable information rates across the human communicative niche mostra como as línguas tendem a transmitir informação com a mesma eficiência, afinada ao longo dos milénios pelas capacidades cerebrais e auditivas dos seres humanos. É um artigo difícil? Com certeza que sim… Nada que assuste quem tanto grita a favor da exigência. É uma das pistas que apontam para uma certa constância das línguas humanas no que toca à complexidade e às capacidades cerebrais necessárias para as falar.

Proponho ainda um livro de que já falei anteriormente, mas que é um bom ponto de partida para percebermos como as línguas não se desfazem no tempo: The Unfolding of Language, de Guy Deutscher. É um livro exigente, como certamente Clavé e os seus leitores gostam. É também um livro muito interessante e muito informado sobre as línguas. Já agora, como estamos a falar de um texto francês, deixo também outra sugestão de leitura: Le Français dans tous les sens, de Henriette Walter. Sobre a nossa própria língua, temos o recente (e já muito recomendado por aqui) Assim Nasceu Uma Língua, de Fernando Venâncio. Talvez sirvam, todos eles, como antídoto para o vício do catastrofismo linguístico.

São exemplos de textos inteligentes e exigentes, que nos entusiasmam para saber mais sobre as línguas e sobre a linguagem humana.


Marco Neves







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