segunda-feira, 24 de maio de 2021

Hiroshima Meu amor





“O tempo virá em que não saberemos 
que nome dar ao que nos unirá. 
O nome apagar-se-á 
a pouco e pouco 
da nossa memória.”


Hiroshima. Nevers. 
O que une estes dois locais? A destruição? 
Que destruição poderá Nevers conter que se iguale a uma cidade dizimada por uma bomba atómica?
Que horrores terão sido vividos nas suas ruas? 
De quantas mortes desnecessárias terá sido palco? Nevers. Uma aparentemente doce e bucólica terra francesa, a terra que viu morrer o amor.

Uma mulher, uma actriz, está em Hiroshima no pós-guerra a rodar um filme sobre a paz. 
Que outro tipo de filme se poderia fazer em Hiroshima, questiona. O passado é, em Hiroshima, um fantasma que a persegue. Na vida que regressou ao normal, na cidade plenamente reconstruída, onde a catástrofe não é mais do que uma memória longínqua que se afugenta, há uma ameaça eminente de que o que Hiroshima viveu seja esquecido. 

Hiroshima tem de ser lembrada sempre, como o têm de ser todas as grandes tragédias. Mas a vida teima em cobrir os acontecimentos desagradáveis com um véu apaziguador. Até que não restem mais do que sombras. Até que comecemos a duvidar que o que aconteceu aconteceu mesmo.

Um amor em Hiroshima. Um homem casado, como ela, que nos seus braços sonha com um grande amor. Um homem que é mais do que aquele homem japonês, que é um arquétipo do amante proibido, uma recordação viva do amor vivido em Nevers. Em Hiroshima, a mulher percebe que ela própria tem vindo a esquecer, que a dor dilacerante que parecia capaz de a matar acabou por sossegar e, com o avançar dos dias, a vida continuou, apesar da imagem de destruição absoluta. Experimentou o maior dos horrores e agora vive, com uma aparência de normalidade.

O que une Hiroshima e Nevers? 
A destruição. 
A destruição de que pensamos não conseguir emergir. 
Mas também o esquecimento, a traição de uma vida que o continua a ser, a insustentável leveza do ser de que Kundera falaria.

“Hiroshima Meu Amor”, o guião que valeu a Marguerite Duras a nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Original, foi também a primeira longa-metragem de Alain Resnais, protagonizada por Emmanuelle Riva. O filme tem o mérito de, mantendo-se fiel à visão de Duras, a ter dotado de imagens icónicas cuja beleza nada fica a dever às palavras escritas.


   





"Este homem japonês é um homem moderno, esclarecido quanto ao essencial.
Nunca se sentirá profundamente deslocado em qualquer país do mundo.
Coincide com a sua idade, tanto física como moralmente.
Não fez "batota" com a vida.
Não teve de a fazer: é um homem que sempre se interessou pela sua existência e sempre o bastante para não "arrastar" atrás de si um mal de adolescência que tantas vezes faz dos homens de quarenta anos falsos adolescentes ainda à procura do que poderiam fazer de forma a parecerem seguros de si.
Não é verdadeiramente um sedutor, mas também não é descuidado.
Não é dos que andam atrás das mulheres.
É casado com uma mulher que ama e tem dois filhos.
No entanto, gosta de mulheres.
Mas, nunca fez uma carreira de "conquistador".
Pensa que esse género de carreira é uma carreira de "substituição" desprezível, e, ainda mais, suspeita. 
Pensa que quem nunca conheceu o amor por uma só mulher passou ao lado do amor, e mesmo da virilidade.
É por não acreditar na virtude dos amores do acaso que vive com esta sinceridade, com esta violência, um amor de acaso com a francesa."


"A francesa sabe que não se morre de amor.
Durante a sua vida teve uma esplêndida ocasião para morrer de amor.
Ela não morreu em Nevers.
Depois, e até hoje, em Hiroshima, onde encontra este japonês, arrasta consigo, dentro de si, a "melancolia" de quem viu adiada a única oportunidade de decidir o seu próprio destino.
Não é o facto de lhe terem rapado o cabelo por ter amado o inimigo e de a terem desonrado que marca a sua vida, mas essa frustração de não ter morrido de amor no dia 2 de Agosto de 1944, quando assassinaram o seu amor alemão no cais do Loire.
Isto não é contraditório com a sua atitude, em Hiroshima, com o japonês.
Pelo contrário, está em relação directa com a sua atitude com o japonês.
O que ela conta ao japonês é essa oportunidade que, ao tê-la perdido, a definiu.
Ela transporta-se literalmente para fora de si própria e entrega a este japonês, em Hiroshima, o que tem de mais precioso no mundo, a sua própria expressão actual, a sua sobrevivência à morte do seu amor, em Nevers."



Marguerite Duras
in, Hiroshima Meu Amor 



   

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