quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

A Pedreira





1.
Como nascer?
Buscarei a luz que corre como a água
sobre as pedras dos montes, dizendo: está seco,
está seco,
está seco o leito do rio,
de imediato tropeçarei,
de imediato, como um menino,
contra uma corda tensa,
tropeçarei contra o umbral,
uma água irá ferir meu coração,
tirar-me-á a paz.

Procurar a fonte?
Ou andar, andar sempre,
seguir o curso da água,
nunca se opor à onda?

E opor-se é já confessar?

Talvez nasça primeiro o pensamento,
o grande esforço
(como quando tentamos
abrir a porta contra o vendaval ou quando queremos
amarrar uma barca
a uma frágil estaca, contra a corrente).

2.
Devo sempre pensar eu no todo
até ao fim, sempre, sempre?

Não posso eu pensar
só em mim, no meu bem-estar?

Não posso dizer:
sou um caso raro?

É necessário sempre recordar
que não sou mais que um ser
contingente e transitório?

3.
Se a verdade estiver em mim, deve fulgir.
Não a posso esconder, ao escondê-la
ocultaria a minha pessoa.

4.
(Pensando num caminho de madeira para a travessia )
Penso num caminho de madeira
em que dou os meus passos.
Será esse caminho o meu coração vibrante de emoções
como ele feito de junturas?
Será o meu pensamento um caminho para a travessia ?
(Penso propriamente no que
busca o meu coração,
e não sei se estou
mais repleto de emoções ou de conhecimento.)

Tudo já acontece neste caminho.
Embora o meu caminho seja multo diferente.
Oscilo de outro modo.
Sinto o vento
como outro vento que me fere.

Força e debilidade
gritam-me,
a minha força é o contraste, é um fruto
da minha debilidade, o mundo
entende-o de outro modo.

Por cima da água, veloz, voando,
este caminho aferra-se tenazmente às margens.

Este eixo é uma imagem
de quem o ultrapassa.
Molha-se em cada onda.
E vibra sempre que os elementos
se entrechocam, treme.

Nela o homem esquece
o peso das horas, suspensas no alto
e correndo para baixo.

5.
E, no entanto, estou de pé. Visto-me
com o perfil das ondas
que passam e me deixam sempre aqui.

É outro o meu movimento.
Além brilha a minha imagem, a minha figura fechada
no seu parêntesis transparente.
Aqui está a minha verdade, rubrico-a
com a minha vida, o meu sangue.

6.
Espera. Tem paciência.
Eu te convoco de todos os leitos dos rios,
das nascentes da luz,
das raízes das árvores
e das planícies ao sol.

E tudo existe em mim.
Em mim o espanto, em mim a espera.

Quando o meu peso dual
encontrar a minha profundidade
transparente, ninguém
poderá dizer que simplifico.



KAROL WOJTYLA
in, A PEDREIRA E OUTROS POEMAS





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