terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A Magia do Baobá





O baobá, também chamado de embondeiro, ou imbondeiro, talvez seja a árvore em torno da qual mais existam lendas, em todo o mundo. Árvore de idade incerta, posto que a sua madeira não possui anéis de crescimento, sua imponência, sua força, a fantasia que a envolve desafiam a imaginação humana. Cada um vê nessa árvore um diferente mistério. Uma magia peculiar.

Com espécies nativas da África, de Madagascar e do Senegal, foi um baobá nascido em solo brasileiro (Natal, Rio Grande do Norte) que inspirou Saint Exupéry ao escrever “O pequeno príncipe” e no desenho das aguarelas. Neste livro, o baobá é visto como um iminente perigo ao minúsculo asteroide do protagonista, e razão pela qual ele necessita, urgentemente, de um carneiro que possa comer os baobás assim que brotarem do chão.

Há uma outra história de que gosto muito, narrada por Mia Couto no livro “Cada homem é uma raça”. Concebida pelo escritor à sombra de embondeiro, ou, quem sabe, apenas à sombra de sua lembrança, trata-se do conto “O embondeiro que sonhava pássaros”.

É a história de um passarinheiro negro que morava num embondeiro e que visitava, com recorrência, um bairro de brancos, despertando o encantamento das crianças e a desconfiança dos adultos.
“O homem puxava de uma muska (Muska – nome que, em chissena, se dá à gaita-de-beiços.) e harmonicava sonâmbulas melodias. O mundo inteiro se fabulava. Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos. Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos – aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar.”
E assim o passarinheiro ganhou fama e passou a ser objeto de comentários de todo o bairro, despertando diferentes reações em cada um.

Um preto ganhar fama não era algo aceitável, posto que nem mesmo a convivência era ali tolerada. Assim, os moradores do bairro trataram de denegrir a sua imagem. De desumanizá-lo, de sorte a poderem melhor discriminá-lo. Quiçá prendê-lo. Ou matá-lo.

“Mas logo se aprontavam a diminuir-lhe os méritos: o tipo dormia nas árvores, em plena passarada. Eles se igualam aos bichos silvestres, concluíam.”
Diante do encantamento das crianças, especialmente de um menino chamado Tiago, o passarinheiro lhes transmitia lendas acerca da grande árvore:

“(…) aquela era uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo.“

“Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por via das chamas. Sem ninguém pôr fogo.”

Mia Couto se vale, no conto, de sua poesia ímpar e das crenças africanas acerca do embondeiro. Ele discorre sobre a alma preconceituosa e medrosa dos homens, sobre a fantasia das crianças, e ainda sobre as desigualdades de um mundo em que a cor de um homem pode servir de fulcro para a sua condenação cabal.

Assim, o embondeiro é, tanto no conto quanto na vida, uma fonte de magia a cada um que de perto observar a sua imagem, trazendo-a ao coração. Ele nos mostra a grandeza da Natureza que nos cerca e do quanto a nossa mente ainda necessita expandir para bem compreende-la e integrar-se a ela.

E, talvez, nas palavras de Mia Couto, quem sabe em breve tempo a humanidade já consiga assimilar o que, do embondeiro, o menino Tiago viu em sonho:

“Dentro, o menino desatara um sonho: seus cabelos se figuravam pequenitas folhas, pernas e braços se madeiravam. Os dedos, lenhosos, minhocavam a terra. O menino transitava de reino: arvorejado, em estado de consentida impossibilidade. E do sonâmbulo embondeiro subiam as mãos do passarinheiro. Tocavam as flores, as corolas se envolucravam: nasciam espantosos pássaros e soltavam-se, petalados, sobre a crista das chamas.”

Talvez ainda possamos enxergar os sonhos do embondeiro.
Afinal, afirma Mia, que o embondeiro sonha pássaros.
Sonhemos também!



Nara Rúbia Ribeiro





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