segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Astrologia, a poesia esquecida





Vivemos numa era encantadora – mas desencantada. Encantadora pelo mundo de possibilidades à nossa frente e à nossa volta: graças aos avanços tecnológicos, industriais, científicos, médicos, materiais, computacionais, comunicacionais, etc, dos últimos séculos, temos o mundo material praticamente dominado e vergado à nossa inteligência e vontade. Prolongámos os nossos sentidos e estendemos a esperança média de vida.

Temos em regra melhores condições de vida e saúde, melhores abrigos, mais e melhores alimentos, aprendemos a manipular o fogo, a electricidade, os materiais físicos, os elementos da tabela periódica e até a psicologia humana. Mas não sabemos viver.

Dominamos o planeta e a terra, os ares, os mares, o espaço sideral, os cumes e as calotas polares. Mas não parecemos ter grande respeito, reverência ou sequer noção da sacralidade da vida ao relacionarmo-nos com ela – comportamo-nos como conquistadores, “donos”, ou piratas que saqueiam, violam, abusam, roubam e colonizam… a própria casa. Sem noção, parece, do delicado equilíbrio, interdependência, e unidade essencial de toda a vida.

Temos cremes e cosméticos para cuidar da aparência, do aspeto, da pele – mas não temos o mesmo hábito, genericamente falando, de cuidar também do interior. Lidamos mal com o envelhecimento porque estamos demasiado identificados com o lado exterior, material, da vida: e como não sabemos viver, não vivemos a favor do tempo, também não sabemos envelhecer.

É o drama resultante da ausência de vida interior – porque o exterior, evidentemente, está condenado à corrupção, à degradação, e ao colapso.

É como diz o outro: temos doutoramentos mas não cumprimentamos o vizinho. Partilhamos a casa (o Planeta) e o destino (coletivo da humanidade), mas erguemos fronteiras artificiais, autoproclamamo-nos donos de pedaços do planeta, mantemos os estrangeiros fora dos nossos quintais, separamo-nos por títulos, cor de pele, credo, geografia, estatuto sócio-económico (é só uma questão do critério escolhido para basear uma atitude fundamental).

Competimos, preocupamo-nos basicamente connosco próprios e com os “nossos”. Queremos “ser alguém”, dedicamos vidas inteiras à persecução dessa coisa ilusória chamada “felicidade” (sucesso, reconhecimento, amor, validação, significância, poder, autoproteção). E assim tentamos lidar com a nossa ansiedade existencial básica – e o nosso profundo vazio interior.

Não fazemos ideia do que andamos a fazer com as nossas vidas, além de “conseguir”, “obter”, “conquistar”, “atingir”, “provar”, “chegar”, “parecer”, fazendo, forçando, empurrando, impondo, lutando, aguentando, evitando a dor, buscando o prazer a todo o custo e as compensações da falta de prazer autêntico – às voltas e às voltas, com objetivos exteriores e mais objetivos, que nem quando atingidos parecem trazer preenchimento, paz, sabedoria, liberdade ou realização. E essas, sendo qualidades do Espírito, são, afinal as essenciais – só não se obtêm com coisas exteriores; e é com elas que estamos, lamentavelmente, programados.

Ensinamos às crianças na escola os nomes dos rios e dos reis, mas não competências humanas básicas, que não fazem parte do “programa” – é natural, as escolas, sendo reflexo e sustento da sociedade, são fábricas de “cidadãos” produtivos, obedientes, dóceis, consumidores, e imbecis. Preparam as pessoas para a indústria, mas não para a vida.

É natural que esteja em crise, não só a educação, mas toda a sociedade. Estamos infelizes, solitários, e assustados. É claro! Estamos desconetados. Desenraizados. Desencantados. Desligados.

Perdemos o senso de reverência, atenção, escuta e admiração do mistério da vida, da alma do mundo – e a meio do frenesim e ruído do nosso envolvimento com o mundo material, concreto e exterior, perdemos também a sensibilidade, a disponibilidade, o vagar para nos comovermos e encantarmos com a voz no silêncio.






A poesia não se compreende com a mentalidade de um engenheiro. O subtil não se deixa apanhar pela mentalidade de invasor. Não há fórmulas matemáticas para o essencial do espírito: nem para o amor, nem para o sentido da vida, nem para o heroísmo. Essas são empreitadas do espírito humano, e não objetivos do ego; e é essa a grande doença do nosso tempo. Não a depressão, não a violência, não o alcoolismo, não a psicopatia social, nem a injustiça, a desigualdade, nem as doenças mentais, emocionais e psíquicas; mas o esquecimento. A vida desalmada. Aquelas, são apenas manifestações e sintomas do nosso mal-estar colectivo.

Ora, a Astrologia é uma linguagem poética. Observa o grande cosmos e a perfeição da inter-relação entre todos os seus componentes, vivos e moventes. Faz a sua tradução em termos simbólicos que ajudam o Homem a reconhecer o Universo dentro e fora de si, e a encontrar nele o seu lugar. Mas uma linguagem que só faz sentido dentro de uma visão encantada, mística, mágica, da vida, em que “o que está em cima (céu) é como o que está em baixo (terra), e o que está fora (circunstância) é como o que está dentro (psique, alma)”.

De onde vem “cosmético”? Vem de kosmos que significa, simultaneamente, “beleza” e “ordem” – então a Astrologia é o estudo da beleza e da ordem no Universo, um Universo do qual não somos separados, do qual estamos inconscientemente separados há tempo demais, cheio de simbolismo e poesia, subtil invisível e essencial como tudo o que é espírito, metade da vida é para engenheiros e outra metade para poetas.

Mas acima de tudo, é chegado o tempo de reencantar as nossas mentes e vidas e de nos descobrirmos poemas.

“O essencial é invisível aos olhos”: só se vê bem com o coração.
E tudo o que o coração vê é poesia.



NUNO MICHAELS





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