sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A Litania da Cinza


Per Aspera Ad Astra
de Nicholas Roemmelt





Escuta, mãe (consegues ouvir-me na alquimia
da tinta?):
Não me esperes para além da poesia.
Ganharei coragem…
Não resumas a tua vida a um acumular constante
de infernos no corpo,
a este fel repetido, arremessado à sede como lança
capaz de matar o enlevo dos dias.

Mãe, as nossas vidas são pés de roseira…
Sinto falta dos almoços felizes de domingo,
da tua voz prostrada em fado a beijar-me
os ouvidos,
dos sorrisos mãe, que outrora, um ao outro
devolvíamos.
Perdoa-me, querida mãe.
Atravesso um deserto longe dos teus olhos,
mas no silêncio, mãe, no silêncio, ainda habito
contigo.

Quis o destino que o amor e a morte
se fundissem em poesia.


JOSÉ ALBERTO POSTIGA
in, A LITANIA DA CINZA




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