sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Poema I





A carga do desejo
e os corpos molestados…,
se o amor proibido esquece a condição
que os reprimia e avança sem fronteiras
até deixar que o laço se produza,
até que o sangue ferva
no cerne do prazer,
e cada vez a dor seja maior
quando os gritos transpiram o suor
dos loucos movimentos do delírio,
quando o franger dos ossos
quase que rasga acutilante a carne,
quando o amor se faz anunciar
mas tarde em sobrevir
Porém ele acontece. E sob os corpos
doloridos. Exaustos,
vai-se apagando a carga do desejo.


António Salvado
in, Odes





Music for the Heart





A recent publication indicates 
Yoga-Music at bedtime 
enhances the hearts variability
 in beat to beat distances. 


The heart is not only pumping, but pulsing with fractal fluctuations. The more flexible it is, the healthier you are. The pace will increase while breathing in and slow down during exhalation. The breath is giving a feedback to the nervous centers in the most archaic parts of the brainstem, the elongated spinal cord in the neck. It is responsible for the basic functions controlled by the unconscious nervous system. The variability of the heart can be entrained by coherent breathing techniques to a coherent beat-to-beat wave function or even a circular Poincaré-Plot. This state is called cardiac coherence and entrains the brain in its quite long refraction time of the pacemaker cells inside the “Gate to Consciousness” (Thalamus), which is why breathing techniques are used as a basic tool in different traditions of meditation. At the alpha-theta border of the brainwaves, lucid stated have been reported.

However, Heart-Rate-Variability (HRV) has multiple layers of specific fractal wave patterns that may give us answers on the activity of our “fight-or-flight” or the “rest-and-digest” part of the autonomic nervous system (ANS). A recent Position Paper of the European Society for Cardiology (ESC) has concluded, mathematical advances including analyzing fractality and entropy has not yet entered the clinical studies in this field, and calls for more research into this promising technique. It is important to know, the arrangement of the heartbeats have a huge feedback impact on our brain and psyche.

The more you entrain your heart to a coherent breath and feelings of joy, love and gratitude, the more your brain will let go of anxieties and sorrows.



Fig.1. Upper graph: coherent heartbeats during breathing exercise; Lower graph: narrow variability in patient with cardiac disease, right part is where we talk about him still smoking (own Data)



Anyway, we know sound is defined as a quantum field.
It has been inconclusive, if music would have an influence on the Heart-Rate-Variability, but Dr. Naresh Sen recognized it was not documented which music was used in previous studies. He conducted a study to differentiate between Pop-Music, Silence and Yoga-Music before bedtime in 149 healthy individuals and presented the results at the ESC Congress 2018. The results indicate an advantage of Yoga-Music over Silence.
Pop-Music was rather arousing for the autonomic nervous system.
Sleep hygiene is very important on the long run, because the secretion of melatonin during sleep is responsible for healing and repair mechanisms. Even the old Greek based their medical treatment on “incubation”, healing sleep in a dormitory as a prescription. Since Pythagoras (around 600 BC) they also discussed and used healing sounds and harmonic frequencies.

Science may have not always agreed, but Indians have long believed in the power of various therapies other than medicines as a mode of treatment for ailments. This is a small study, and more research is needed on the cardiovascular effects of music interventions offered by a trained music therapist. But listening to soothing music before bedtime is a cheap and easy to implement therapy that cannot cause harm.
- Dr. Naresh Sen



Dr. Johanna Deinert 





quinta-feira, 29 de novembro de 2018

EGO





Sempre que você estiver 
conversando com alguém, 
verifique se você está sentindo necessidade 
de defender seu ponto de vista. 
Verifique a vontade de tornar a sua opinião 
mais importante do que a opinião do outro. 
Se essa vontade de “estar certo” aparecer em você, 
saiba que é o EGO.


O ego tem necessidade de estar certo. Para o ego, estar errado é a morte. Para satisfazer sua necessidade de estar certo, o ego se comunica com outros egos através da discussão ou da validação. Na discussão, o ego vê o seu ponto de vista sendo atacado, por isso ele reage e contra-ataca.

É interessante perceber os recursos primitivos que ele utiliza na discussão, como aumentar o volume da voz, modificar a entonação da voz para torná-la mais dramática, fazer gestos ou posturas ameaçadoras, entre outros apelos emocionais. Já na validação, o ego encontra pessoas com pontos de vista semelhantes aos seus, e assim se sente “entre amigos”. Durante a validação, os egos “amigos” se inflam através do ataque às pessoas “que não conhecem a verdade”, ou seja, que têm opiniões contrárias às suas. Mas perceba que esses “amigos” só são “amigos” do ego enquanto compartilham opiniões semelhantes. Quando mudam de assunto e as opiniões se tornam conflitantes, a discussão começa novamente.

Enquanto a humanidade continuar vivendo no estágio atual, que é o relacionamento entre egos, não haverá comunicação verdadeira.

Enquanto houver necessidade de se defender e atacar, não haverá espaço para ouvir o outro, não haverá espaço para compaixão, que é reconhecer a si mesmo no outro.

Quando você descobre sua verdadeira natureza além desse ego frágil e carente, não há mais necessidade de se defender, não há mais necessidade de atacar, não há mais necessidade de estar certo. É claro que você pode expor seu ponto de vista com firmeza. Você pode continuar concordando ou discordando, normalmente.

Mas você pode se libertar do vício de estar sempre certo, e você pode perder o medo de estar errado. Se você busca a verdade em si mesmo, então deve reconhecer que pode não estar certo todas as vezes. Para sua verdadeira natureza, estar certo ou errado não faz a menor diferença. Estar certo não vai torná-lo melhor do que ninguém, e estar errado não vai torná-lo menos digno.


OSHO





Projecto de Bodas






Hoje apetece que uma rosa seja 
o coração exterior do dia 
e a tua adolescência de cereja 
no meu bico de Isolda cotovia. 

Hoje apetece a intuição dum cais 
para a lucidez de não chegar a tempo 
e ficarmos violetas nupciais 
com a lua a celebrar o casamento. 

Apetece uma casa cor-de-rosa 
com um galo vermelho no telhado 
e os degraus duma seda vagarosa 
que nunca chegue à varanda do noivado. 

Hoje apetece que o cigarro saiba 
a ter fumado uma cidade toda. 
Ser o anel onde o teu dedo caiba 
e faltarmos os dois à nossa boda. 

Hoje apetece um interior de esponja 
E como estátua a que moldar o vento. 
Deitar as sortes e, se sair monja, 
Navegar ao acaso o meu convento. 

Hoje apetece o mundo pelo modo 
Como vai despenhar-se um trapezista. 
Abrir mais uma flor no nosso lodo: 
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista. 

Hoje apetece que a cor dum automóvel 
Seja o Egipto de novo em movimento; 
E que no espaço duma gota imóvel 
Caiba a possível capital do vento. 

Hoje apetece ter nascido loiro 
Como apetece ter havido Atenas; 
E tu nas curvas rápidas de um toiro. 
E eu quase intangível como as renas. 

Hoje apetece que venhas no jornal 
Como um anúncio. Sem fotografia. 
E inventar-te uma lenda de cristal 
Para reflectir a minha biografia. 


Natália Correia
in, 'O Sol nas Noites e o Luar nos Dias'






terça-feira, 27 de novembro de 2018

SÚPLICA





Agora que o silêncio é um mar sem ondas, 
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto. 
Só soubemos sofrer, enquanto 
O nosso amor 
Durou. 
Mas o tempo passou, 
Há calmaria... 
Não perturbes a paz que me foi dada. 
Ouvir de novo a tua voz seria 
Matar a sede com água salgada.


MIGUEL TORGA
in, CÂMARA ARDENTE 






Tiago Nacarato e Salvador Sobral - Tempo

Apreciar a Nossa Própria Companhia





A única maneira de justificar os nossos dias é amando e trabalhando com o melhor que existe dentro de nós.
Devemos usar o coração do coração, e ver o mundo com olhos por onde as lágrimas - sejam elas de alegria ou tristeza - estejam sempre a jorrar.
Eu conheço poetas que nunca se mostram por completo, porque têm medo de que os reconheçam, e acabem isolados; eles não gostam disso, porque não conseguem apreciar a sua própria companhia. Paradoxalmente, essa solidão é algo que assusta e atrai os homens.
Eu, por exemplo, adoro estar só.
Quando estou cercado de gente, e mesmo assim consigo reconhecer a minha própria solidão, sou capaz de amar todos os que estão à minha volta com muito mais desprendimento. Mas, à medida que essas pessoas exigem que eu abandone a minha solidão interior - para que elas mesmas não se sintam sozinhas - então a magia desse amor desaparece.



Khalil Gibran
in, 'Carta a Mary Haskell, 20 de Agosto de 1920'






segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Recado





desprende-se do teu olhar o magnífico abandono dos animais adormecidos
recordo tuas mãos gretadas pelos sóis oblíquos destes dias
do corpo esquecido jorram espessas resinas
retenho ainda os mais íntimos desejos de me confundir com a paisagem
ou de viver precariamente no outro lado do seu silêncio enrubescido

uma sombra pernoita nos interstícios das unhas
um desmaio, e da língua escorre uma madrugada de galos estáticos
a memória embaraça-me este caminhar de cão abandonado
reclino-me para cima de teu corpo ausente, isolo-me
na poeira, devagar, o sono vem como um ferimento às pálpebras
o mundo era feito de estiletes de luz, mas já te afastavas
devolvendo-me à vigília minuciosa dos meus gestos

ouviu-se então um grito, ou uma lágrima
falava-te daqui, onde nenhum corpo tem sentido ou se define no tempo
crosta de terra sem esperança, arquipélago de insónia, rectângulo sem sonho
treme-me a voz ao pensar em teu amargo nome
em mim envelheceram muitos países, e todos estes anos de fúria de viver

no entanto, fugirei de casa sempre que for preciso
sem arrependimento, atravessarei o tempo medonho dos objectos que tocaste
e possuirei de novo o fulgor dos teus frescos dezassete anos

(quase noite, amo)


Al Berto





Fiona Apple - I Know

Como Surgiu o Universo





O funcionamento do mundo foi por alguns atribuído a um Criador espantosamente metediço, mas incorpóreo, a guiar activamente cada electrão, quark e fotão até aos respectivos destinos. As minhas entranhas revolvem-se perante esta visão extravagante do funcionamento do mundo e a minha cabeça segue o mesmo caminho das entranhas.

...

Deixe-me considerar teologia e filosofia separadamente.
Acho que a teologia se limita a fingir uma explicação ao decretar que existe um deus que criou tudo, e algumas pessoas ficam satisfeitas com essa explicação. Mas é totalmente vazia porque, em primeiro lugar, não existe qualquer prova da existência de um deus; e, em segundo lugar, como pode um deus criar coisas, como pode um deus criar o Universo. Essa perspectiva é demasiado fácil. Os teólogos apresentam respostas fáceis, enquanto os cientistas precisam de muito trabalho para compreender e explicar. Nós, cientistas, estamos a chegar gradualmente a um ponto em que poderemos dar uma resposta verdadeira àquilo que os teólogos fingem compreender.
Mas a filosofia é outra coisa… Está algures entre a teologia e a ciência. A diferença entre filósofos e cientistas é que os filósofos são pessimistas, ao passo que os cientistas são optimistas.
Os filósofos dizem: 
“Nunca compreenderás, está para lá da compreensão humana.”
Enquanto os cientistas dizem: 
“Espera só um pouco, havemos de lá chegar.”

...

A ciência e a religião são totalmente incompatíveis.
Basicamente, a religião diz: 
“O teu cérebro é demasiado insignificante para compreender, nunca compreenderás. Há apenas a possibilidade de poderes perceber depois de morreres.” 
Eu prefiro o conhecimento deste lado do túmulo.


Peter Atkins
in, Como Surgiu o Universo





sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Os Filhos





           
Vossos filhos não são vossos filhos.           
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.           
Vêm através de vós, mas não de vós.           
E embora vivam convosco, não vos pertencem.           
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,           
Porque eles têm seus próprios pensamentos.           
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;           
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,           
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.           
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,           
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.           
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.           
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força          
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.           
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:           
Pois assim como ele ama a flecha que voa,           
Ama também o arco que permanece estável. 


Khalil Gibran
in, O Profeta




O Vício da Dependência Emocional





E é então que surge aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta a todos os problemas do ego e parece satisfazer todas as suas necessidades. Pelo menos assim parece, ao princípio. Todas as outras coisas a partir das quais você obtinha a sua sensação de identidade tornam-se agora relativamente insignificantes. Você tem agora um único ponto fulcral que as substitui, que dá sentido à vida e através do qual você define a sua identidade: a pessoa por quem está "apaixonado". Aparentemente, você deixa de ser um fragmento num Universo que não quer saber de si. O seu mundo tem agora um centro: a pessoa amada.

O facto é que o centro está fora de si e, por conseguinte, você continua a ter uma sensação de identidade com origem no exterior, o que ao princípio parece não ter importância. O que importa é que os sentimentos subjacentes ao estado não integral de medo, de carência e de insatisfação pessoal, tão características do estado egoico, deixam de existir. Será? Na verdade, esses sentimentos desaparecerão ou continuarão a existir sob a superfície de uma aparência de felicidade?

Chegará uma altura em que o seu parceiro se comportará de uma maneira que deixa de satisfazer as suas necessidades, ou antes, as do seu ego. Os sentimentos de medo, sofrimento e carência, que são parte intrínseca da consciência egoica, mas que foram encobertos pelo "relacionamento amoroso", vêm de novo à superfície. Tal como qualquer outra dependência, você sentir-se-á bem enquanto a droga estiver disponível, mas chegará invariavelmente uma altura em que a droga deixará de ter efeito em si. Quando esses sentimentos dolorosos reaparecem, você sente-os com uma intensidade ainda maior e, pior ainda, passa a encarar o seu parceiro como a causa desses sentimentos. Significa isto que você os projeta para o exterior e ataca o outro com violência feroz que faz parte da sua dor. Este ataque pode despertar a do próprio parceiro que poderá contra-atacar. Neste ponto, o ego continua a ter a esperança inconsciente de que o seu ataque ou a sua manipulação serão castigo suficiente para levar o parceiro a mudar de comportamento, e assim usá-lo novamente para encobrir a sua dor.

Qualquer dependência tem origem numa recusa inconsciente de você enfrentar e ultrapassar a sua própria dor. Qualquer dependência começa e acaba com sofrimento. Seja qual for a substância de que fica dependente - álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou uma pessoa - você está a usar alguma coisa ou alguém para encobrir a sua dor. É por isso que, passada a euforia inicial, há tanta infelicidade e tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Não são eles que provocam sofrimento nem infelicidade. O que eles fazem é fazer ressaltar o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de si. Qualquer dependência faz isso. Qualquer dependência, passado algum tempo, deixa de ter o efeito de acalmar o seu sofrimento, e então você sente o sofrimento mais intensamente do que nunca.

É por essa razão que muitas pessoas estão sempre a fugir do momento presente e a procurar algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que encontrariam, se concentrassem a atenção no Agora, seria a sua própria dor, e é disso que elas têm medo. Se ao menos soubessem como é fácil de aceder, no Agora, ao poder da presença que desfaz o passado e o seu sofrimento, da realidade que desfaz a ilusão.



Eckhart Tolle




quarta-feira, 21 de novembro de 2018

The Flower of Life





The Flower of Life is a geometrical figure that is found all over the world.
According to Nassim Haramein's unified physics theories, the fundamental geometry of the fabric of space-time is an infinite tetrahedral array with spheres around each tetrahedron forming an infinite flower of life holofractographic lattice structure.

Is it simply a coincidence that ancient cultures from all over the world all just happened to encode the same geometric structure of the fabric of universe into their architecture, monuments and documents as was later deduced by a unified field theorist using the scientific method informed by observations made by using advanced modern technology in the late 20th century?
Highly doubtful...

The next question is, how did they know?!





Fiona Apple - Across The Universe

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Devagar No Centro do Fogo





é claro que sei dizer palavras calmas
e amar devagar os que chegam a meu lado
e recordam o meu nome de todas as maneiras
com que ao redor da vida o foram construindo

é claro que sei inventar cantigas breves
das que à meia-noite perdem as notas mais vibrantes
quando fogem precipitadamente dos nossos bolsos

é claro que sei voltar a casa e abrir a porta
e fingir que tudo está perfeito sobre a mesa
e os objectos guardam os lugares de sempre
e eu continuo na moldura com um riso de quinze anos
tropeçando no teu ar sério quase a sair do retrato

é claro que sei passar os dedos devagar pelo teu corpo
nas noites em que chegas e dizes já não chove
como se colocasses no meu colo uma prenda de natal
e pudesses apagar a tempestade
no brevíssimo instante em que a vida se resume
aos nossos olhos tentando
acreditar que é cedo

é claro que sei esperar por ti
sabendo desde sempre que não vens e mesmo assim
escolho sem sobressalto a música perfeita
de te acolher no sono com o enevoado rumor
de todos os encontros improváveis

é claro que sei as palavras mesmo que as não diga
que misturas ao longe com os afiados gumes
com que tentas a custo perdoar-te
as horas roubadas a todos os seus legítimos donos

é claro que sei fechar as janelas às armadilhas
que as noites constroem dentro dos teus medos
e donde não consegues regressar
e com sorte encontrar numa cómoda
qualquer coisa tua que esqueceste
na pressa da saída e pensar
que foi por mim que ela apareceu
em tão estranho lugar

- mas quando entre os ruídos da noite
a tua ausência é a única divisão da casa
que razoavelmente partilhamos
tudo isso serve desculpa de muito pouco


Alice Vieira
in, Dois Corpos Tombando na Água





A Falta de um Sagrado Masculino





O século XXI está atravessado por um inadiável debate sobre géneros. A construção social sobre o sentido de ser “mulher” e “homem” ganhou importantes novas matizes, representadas, por exemplo, na maior visibilidade das pautas transexuais, em militância pelo reconhecimento de direitos civis básicos, ou mesmo na polémica teoria queer. De maneira geral, o feminismo tem inegavelmente sido um movimento responsável por alimentar importantes discussões sobre o que é, afinal, feminino e masculino, não raro descritos como polos opostos na nossa fantasia de papeis sociais.

Também inegavelmente, as mulheres têm avançado na conquista de novas experiências para si e na criação de novos sentidos do que é ser mulher, abrindo pioneiramente novos panoramas para a sociedade, que de repente vê suas antigas formas de organização contestadas. É apenas ponta do iceberg aprofundar em como nós nos relacionamos afetiva e sexualmente e como as relações de poder implicadas nisso se estendem desde a microfísica da vida doméstica para compor o capitalismo em grande escala.

Velhos Mitos
Verdade seja dita: os homens parecem acompanhar muito mal o ritmo dessa reinvenção (ou revolução?). É preciso mais empenho masculino para que o homem não ocupe apenas um lugar reacionário, de reativo defensor de um velho papel social que já agoniza diante de novas demandas. Estamos diante de um tempo único, onde as mudanças em curso geram um vácuo em que o ego masculino se encontra fragilizado. Ele, com muita dificuldade, poderia se estruturar em algumas das imagens clássicas que tomava como edifício: o provedor, o protetor, o cavaleiro, o conquistador. Todas essas imagens verticalizam o homem sobre a mulher. Ora, as mulheres gradualmente tomam consciência que podem prover a si mesmas, proteger a si mesmas, ser amazonas de si mesmas e conquistar suas próprias guerras.

Poderíamos especificar ainda mais as imagens do masculino: o malandro, o encantador e descompromissado moleque, o Don Juan, o insaciável viril, o homem poderoso, o “retrossexual” másculo, grosseiro, porém elegante e inclusive o sensível homem contemporâneo, além de tantos outros. Todos esses não são meros estereótipos: são imagens inconscientes e nossos modelos de desenvolvimento.

As velhas referências de masculino em sua relação com o feminino soam, agora, um tanto impotentes. Um novo patamar de relacionamento é exigido e muitos homens estão desbaratados. Não à toa, alguns ainda se revoltam quando encontram mulheres questionando seus lugares comuns, seus santuários da masculinidade. Ter aquilo que era sagrado atacado causa reatividade: tanto o deboche como a agressividade que vemos na reação contra a mulher são escalas de um mesmo desespero violento, o desespero da identidade ameaçada. Na verdade, o que está acontecendo é que as mulheres têm descoberto múltiplos novos sentidos para um sagrado feminino. Os homens estão em falta com um sagrado masculino — ou seja, com núcleos de referências que possibilitem novas formas de estar no mundo e de se relacionar consigo mesmo e com seus pares.

Estamos em falta com uma nova mitologia do masculino. Quando viramos reprodutores anacrônicos de comportamento, perdemos conexão com nossa base arquetípica — ou seja, aquela nossa dimensão instintiva e criativa que, por ser comum a toda humanidade, também é capaz de sempre atualizar e inovar minha existência e minha posição no coletivo ao qual pertenço.

Mas por que tratar isso como sagrado?
Porque a experiência arquetípica do sagrado serve de pano de fundo e ritualiza aquilo a que damos valor, as coisas que nos importam na vida pessoal e em sociedade. Seja esse “sagrado” novos deuses, ideais ou uma meta: sem modelo de sagrado — basicamente, de criação de sentidos para a vida —, tudo tende a se tornar desdenhosamente insignificante, fatos que não se concatenam e não se enriquecem como experiências, profanamente alienados.

Nesse caso, isso significa que nossa capacidade de atualizar narrativas sobre o que é ser homem tem estado defasada e alienada. Sem novos mitos que versem sobre nós, nosso corpo de experiências fica pobremente organizado, conservando vícios e velharias.


Novos Mitos
Para produzir novas narrativas sobre o que é ser homem, primeiramente é necessário que os homens se conectem com suas próprias necessidades. Por muito tempo, a emoção foi atribuída como algo marcantemente feminino, de modo que sentir não seria próprio ao homem. Logo, o homem ocidental, como género e papel social, tornou-se alienado de sentir.

Aprofundemos a implicação disso: onde não há emoção e a conexão que ela gera, restam apenas relações de poder. Jung já havia sugerido que a sombra do amor é o poder: onde um está potente, o outro mingua. O homem precisa ser honesto com a história da socialização de seu género: fomos educados pelo e para o poder. Guerra, conquista, colonização, defender a família. Pragmatismo, objetividade, insensibilidade. A neurose coletiva do género homem tem um pé firme na psicopatia. Mulher e filhos são, para essa construção, propriedades, posses do poder. Admitir essa embaraçosa e truculenta realidade, que pode estar mais ou menos enraizada nos detalhes de nossa subjetividade de homem, é um primeiro passo para que nosso mundo interior — e nossas relações — não se torne erigido numa lógica de dominação.

O preço de manter um mundo interior cultivado pela lógica do poder é alto para nossa própria alma: custa a própria sensibilidade. A consequência, no entanto, é também social: desejo de dominar, competição, violência, paranoia, repressão, fascismo.

Portanto, é preciso resgatar alguns valores banidos da dimensão do masculino. A sensibilidade já foi citada. Também a escuta e capacidade de acolhimento daquilo que consideramos fraco, em nós mesmos e nos outros. Mais horizontalidade e menos competição com a diferença. Um novo mito para o homem tem de passar por uma canalização mais sensível de sua energia excessivamente heroica, hiper estimulada pelo ocidente. O poder de ação do herói é importante, mas ele não raro se converte em rolo compressor. É importante, além disso, que o homem se descole da identificação excessiva com o herói. Assim como é extremamente limitado identificarmos o feminino apenas como mãe, esposa ou amante, é limitado para o homem se identificar com o guerreiro.

Em vez de bárbaros, podemos ser bardos. Não tão Apolo, mais dionisíacos. Menos protagonistas a todo momento, mais generosos e coletivos. Menos deboche, mais receptividade. Menos amantes performáticos, mais empáticos. Menos pornografia, mais realidade. Menos fala, mais escuta. Quando nos empenhamos em desconstruir o velho, o novo brota organicamente.


Fratria
Homens precisam se reunir com homens para falar de suas próprias emoções e perceber que seus processos são semelhantes e não precisam ser vividos solitariamente. A solidão, quando não é uma escolha do próprio indivíduo, envenena e debilita. Tem nos faltado a experiência de fratria, irmandade. No fundo, nosso modelo de fratria ainda parece ser o de Caim e Abel: inveja, competição e extermínio do próximo estão enraizados na cultura. Falta aos homens relações significativas, onde as dores possam ser abordadas. Em tempos de relações líquidas, superficiais, nos falta trabalhar o pus da ferida.

A importância de fazer esse trabalho de desconstrução fraternalmente e prioritariamente entre homens é importante por alguns fatores (e possivelmente por outros muitos, não enumerados aqui):

As mulheres já estão sobrecarregadas pelos temas de suas próprias desconstruções.
Podemos sobrecarregá-las com o papel de professoras, como se elas devessem ensinar nosso caminho de desconstrução. A convivência íntima e significativa com mulheres pode e deve ser um importante catalisador, mas por experiência de vida elas só têm como saber o que os homens lhe causam ou causaram. Fundamentalmente, não sabem o que é ser homem. Além disso, elas não são nossa mãe: não é obrigação de nenhuma mulher nos ensinar o caminho de nossa própria realização enquanto homens.
Homens passam por experiências em comum e o modo de homens socializarem exclusivamente uns com os outros é único, diferente de quando há mulheres presentes. É nesse âmbito que se encontra a matéria prima do trabalho de uma nova mitologia. O amor masculino — de homens para homens — tem culturalmente se baseado em se vangloriar dos signos da masculinidade. Carinho, intimidade e demonstrações de afeto costumam ficar de fora. Mudar a qualidade dessa comunicação para um contato de maior exposição e intimidade aprofunda a fratria.
Evita que incorramos inconscientemente nos vícios presentes nas relações com as mulheres. Como, por exemplo, o comportamento farisaico de exibir, em redes sociais, quão “desconstruído” se é, não raro a fim de arrecadar aplausos femininos. O homem foi condicionado a dominar e a sedução lhe é um recurso. Uma aceitação pública e lisonjeira é um prémio que agrada o ego, mas transformações na lógica interior ocorrem invisivelmente. É importante considerar se exposições públicas desse tipo, como no Facebook, não alimentam mais um espetáculo histérico do que uma mudança genuína, ética.
Homens precisam se reunir com homens em locais onde já se reúnem, uma vez que mesmo a mesa de bar produz e ecoa reflexão e comportamento. Mas é principalmente importante que os homens também aprendam a se reunir com a finalidade específica de falar sobre o universo masculino. A cultura de falarmos sobre questões e problemas específicos do masculino ainda precisa ser criada. Por isso, é também necessários fazê-lo em espaços seguros, onde homens possam se expor de modo que o ego, naturalmente vulnerável pelo processo de desconstrução, possa ser acolhido e reconstruído. Para esse trabalho, homens precisam ritualizar uns com os outros seus processos de transformação — como uma morte e renascimento, mesmo. Coletivos, grupos de discussão, grupos terapêuticos, rodas de debate, mesmo entre amigos: tudo isso pode servir.

Como os homens agem em sua privacidade, como agem na companhia uns dos outros, como agem com suas famílias e como agem com as mulheres: tudo isso é pauta, todo detalhe é importante. Por enquanto, a inconsciência do masculino o tem tornado sinónimo de alienação, relações de poder e subjugação. Sem nos aprofundarmos eticamente nesses diversos cenários de nossa vida, nossos vícios culturais vão colonizar nossa subjetividade. Os tomaremos como naturais, mas em algum momento eles provavelmente trarão sofrimento para nós mesmos e nossas pessoas queridas.

A fim de sermos mais inteiros e de nos relacionarmos genuinamente, o modelo passado não pode nos bastar. Que possa nos vir o novo.



Pedro Chaves




domingo, 18 de novembro de 2018

Amai-vos...





Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.


Kahlil Gibran







PADRÕES FAMILIARES





Existem situações em nossas vidas que, por mais que tentemos, não conseguimos entender porque acontecem — muitas vezes de forma repetitiva. Seja no relacionamento, no trabalho, na família ou em qualquer outro setor da vida, podemos sentir que agimos de uma maneira que não nos satisfaz, que não representa a nossa verdade, que nos parece incompreensível, mas não conseguimos fazer de maneira diferente.

Esses problemas, que não conseguimos resolver e geralmente nos impedem de viver e expressar nossa essência e individualidade, têm suas raízes em situações mal resolvidas com nossos pais, avós e outros ancestrais, e que acabamos trazendo connosco, num grande emaranhado dentro do chamado Sistema Energético Familiar.

O indivíduo é fruto de sua história e do meio em que estabeleceu suas relações, estando sistemicamente atrelado à elas. Nos sistemas familiares, sofremos influências de questões vivenciadas por gerações anteriores e a elas ficamos atreladas pelas mais diversas razões, tanto por identificação positiva — como gesto de lealdade às figuras importantes de nossa vida, e também como forma de resgate e re-aproximação àqueles que um dia foram significantes em nossas vidas — quanto por identificação negativa — quando problemas passados ficaram “mal resolvidos” (ex: medo da solidão, injustiças, traumas, abusos etc.).

Tais influências, apesar de encobertas, não se dissolvem simplesmente. Ao contrário, elas se perpetuam e aumentam com o tempo, até que sejam devidamente acessadas e “expressadas”, pois de alguma maneira esses conteúdos psíquicos — de intensa valência emocional — mantêm-se “neuroticamente vivificados” e precisam ser colocados para fora pelas vítimas, para que a “ordem familiar” seja recuperada — é o chamado “acerto de contas”.

Padrões familiares são esquemas multigeracionais, ditados por “crenças nucleares arcaicas”. Essas crenças provêm da história de nossa vida pregressa, desde os nossos antepassados, e nelas estão contidas todo o sistema de funcionamento de nossos valores e princípios, funcionando como “vetores de vida”, influenciando e designando sentido e valor às nossas escolhas e atitudes na vida. Eles cumprem um importante papel em termos de estabilidade e segurança e por esta razão estão solidamente encrustrados e “almagamados” em nossa estrutura constitucional de personalidade. Por pior que tenham sido as experiências anteriores, elas nos determinam e nos situam.

Subordinados ao nosso sistema de crenças, esses padrões familiares nos conferem  o que mais precisamos quando crianças: afeto, atenção, carinho, sentir-se importante, desejável e querido. Isso porque esses padrões nos legitimam em nossas necessidades primordiais: garantem nossa identidade — o “quem eu sou” — e a pertinência ao núcleo familiar de origem, o que fornece a sensação de “pertencimento”. Por essa razão, ou seja, por garantir e assegurar necessidades atávicas tão essenciais, são tão difíceis de “descolarem” do nosso ser, pois sem elas nos sentiríamos ameaçados e em perigo, como se fôssemos “árvores voando sem estarem enraizadas”.

Explicando melhor, os sistemas de crenças configuram o universo intrapsíquico de cada um e justificam porque atuamos de determinada maneira, exatamente porque “carregam” nossos medos ancestrais, nossas antigas ansiedades e fraquezas. As crenças irrompem então como “gatilhos” sempre que deparamos com situações difíceis, com novidades ou mudanças, com adversidades ou ameaças.

Fazendo isso elas nos protegem de nossas mais profundas vulnerabilidades: a busca contínua de garantia de afeto (sentir-se amado e querido), o medo de abandono e rejeição, a necessidade de se sentir competente (“eu posso”), a necessidade de “inclusão familiar”, entre outras, independentemente de quais foram as razões externas que nos afetaram e das respostas que adotamos — sejam cognitivas (pensamentos), emocionais ou comportamentais — frente aos acontecimentos da vida.

Cada um lida da forma que pode com as mágoas, ressentimentos e frustrações, lançando mão de mecanismos de defesa eficientes para se proteger e adotando padrões de comportamentos os mais variáveis possíveis: 

  1. “evitativo” ou de “esquiva” (ex.: fuga de situações que relembrem acontecimentos dolorosos do passado),
  2. “supercompensação” (ex.: passamos a vida a provar que somos o oposto daquilo que acreditamos estar “condenados” a ser)
  3. “reafirmação” (ex.: quando confirmamos nossa baixa autoestima através de autosabotagens e do cultivo de uma sensação de nulidade como forma de autopunição e penalização contra nós mesmos, e também, contra os supostos “causadores” de nossos sofrimentos, como se o fracasso pessoal “vingasse” nossa sensação de injustiça, rejeição e abuso, como bem diz Bert Hellinger: “honramos quem mais nos causou sofrimento através do sacrifício de nossa própria felicidade”).


Ficamos assim destinados a cumprir as metas e os propósitos do inconsciente — com muito pouca possibilidade de escape —, pois enquanto ele não se sentir redimido, não cessará de investir sua imensa força na busca do atendimento de suas necessidades, como se estivéssemos condenados a uma “profecia”…

No caso da repetição de padrões por identificação positiva — com figuras e modelos importantes da nossa vida — nós copiamos e “modelamos” os comportamentos dos objetos de nossa identificação e acabamos por fazer coisas que não somos capazes de compreender, ou sequer de parar de fazer…

As relações familiares não se configuram de um modo caótico e arbitrário, mesmo quando são experimentadas dessa forma. Fala-se de uma “hierarquia pela origem” porque essas relações se submetem a determinadas ordens. Isso é indiscutível, mas a questão é saber como se originam essas ordens e se podem ser reconhecidas.

Estamos acostumados a desconfiar de ordens culturalmente preestabelecidas e a reivindicar nossa autonomia e emancipação. Quando vemos — e não só em constelações familiares — o que acontece nas relações humanas, deparamos com algo desafiador, a saber, que nelas atuam forças ordenadoras, cravadas em nosso ser mais profundo, como uma marca presente no fundo de nosso inconsciente — o “inprinting”. Essas forças estão apenas encobertas, ou seja, elas não desaparecem e ficam latentes devido à nossa evolução, que possui contornos individualistas e que privilegia a razão esclarecida. Elas funcionam, portanto, como ordens “vivas” que estão a serviço da nossa sobrevivência (evolutivas), do nosso crescimento e do progresso de nossos relacionamentos. E como tudo no universo, essas forças agem ordenadamente, seguindo ritmos constantes. Basta observar a natureza e o organismo vivo: assim também é nas relações. E quando fatos passados desestabilizam estas “ordens”, instaura-se o caos, com consequências e comprometimentos sistêmicos que chegam a ultrapassar gerações se não forem devidamente “curados”.

As ordens relacionais do amor, por exemplo, contribuem para o sucesso dos relacionamentos. Elas são, geralmente, imediatamente compreensíveis e fundam uma base confiável para as relações entre pais e filhos, homem e mulher, e dentro do clã familiar. Sendo assim, é como se houvesse um código subliminar de conduta predestinado e ditado por um mandamento familiar agindo como um imperativo que subordina nossas ações, tudo com a finalidade clara de cumprir e atender necessidades que precisam ser atendidas e garantidas. Por serem totalmente inacessíveis —inconscientes —, não entendemos porque fazemos o que fazemos, mas ainda assim continuamos fazendo. Como bem diz a frase de Lao-Tse: 
“A alma não tem segredo que o comportamento não revele.”

Entretanto, os costumes mudaram muito nos últimos tempos, e, com eles, os valores. Tais valores estão inseridos no sistema de crenças que carregamos desde a mais tenra idade, constituindo e forjando nossa personalidade, e sobre o qual temos pouca ou nenhuma capacidade de interferência, a menos que recorramos à ajuda de um profissional especializado e capacitado em “quebrar velhas crenças” e ressignificar valores através da Reestruturação.

Cognitiva, técnica da Terapia Cognitiva que, através do processo de conscientização, vai gradualmente “desmontando a força esmagadora” dos imperativos inconscientes — nossos conteúdos emocionais reprimidos — que são carregados de intensa carga de energia, submetendo nosso arbítrio aos seus desejos, esmagando nossa soberania pessoal.

A conscientização não desfaz valores e crenças, mas inverte a relação “dominante-dominado”, ou seja, se antes nossos conteúdos psíquicos passados nos dominavam, eles passam a ser dominados por nós, o que nos confere autonomia. É importante salientar que a terapia não “apaga” o que vivemos, muito menos o nos constitui como “ser”, mas possibilita acesso, entendimento e reconhecimento do grande valor que temos por ser o que somos e por chegar até onde chegamos.

O processo terapêutico nos liberta do engano e da “cegueira” sobre quem somos e sobre quem queremos nos tornar. Ele remove as “amarras invisíveis” que nos automatizam enquanto estávamos na condição passiva. É como aprender a “travar uma batalha”  contra “esquemas desadaptativos passados” que insistem em perpetuar a todo custo suas vontades e caprichos, ameaçando nossa estima e nos condenando às repetições dos mesmos padrões compulsivos comportamentais.  Parafraseando o axioma Bíblico: “Somente a verdade nos liberta”.

Mais especificamente, “Constelação Sistémica” é uma abordagem terapêutica através da qual torna-se possível identificar e solucionar problemas e conflitos de pessoas, empresas e organizações. Vem da compreensão Sistémica Fenomenológica, que preconiza que todo indivíduo é integrante de um sistema, e, como tal, sofre influências de outros membros do sistema.

Fenomenologia significa, de modo geral, perceber e descrever a realidade tal como ela se manifesta enquanto processo contínuo. Num sentido filosófico mais elaborado, a fenomenologia se refere a uma forma de experiência em que a realidade — através de sua forma de manifestação — se dá a conhecer em sua essência, seu sentido e seu ser mais profundo. A percepção fenomenológica é o nosso último recurso quando queremos olhar para fenómenos da alma que se ocultam por trás da superfície de suas aparências. Quem busca ajuda precisa de um conselho ou de uma terapia para encarar o que ele não pode saber — para entendê-lo em sua razão mais profunda.

Mas voltando à Constelação Sistémica, essa abordagem terapêutica visa buscar a verdade contida nas relações, mas seria uma grande incompreensão tomar essa verdade como uma concordância entre a realidade objetiva e o conhecimento — ou como expressão dela em linguagem. A verdade nas constelações é antes comparável à verdade de uma peça teatral. Ela se faz presente, de forma condensada, na imagem e na linguagem, permitindo que venha à luz a realidade oculta.

As constelações não são uma reprodução da realidade de um relacionamento. Elas desvelam uma realidade — no sentido do conceito grego de “verdade” (“a-létheia”). Esta é também a essência da arte. E, como muitas formas de terapia ou de aconselhamento, as constelações dão muitas vezes um passo além disso. Elas ajudam a assumir a realidade, tal como ela se apresenta e atua, e a preenchê-la com amor.



KARINA HADDAD MUSSA







Muitas de nossas escolhas e decisões que tomamos na vida são influenciadas diretamente pela nossa família, mesmo que inconscientemente. Às vezes, estamos tão acostumados e identificados com os hábitos e as tradições de nossas famílias que nem percebemos quando repetimos os mesmos padrões, principalmente quando formamos a nossa própria família.
E estar preso a estes padrões familiares tem um potencial limitador em nossa busca pela felicidade e plenitude. Não conseguimos ter uma consciência mais elevada sobre os nossos pensamentos, sentimentos e ações. Entendemos, inconscientemente, que aquele padrão é o certo e que não podemos ser diferente dele.
E estes padrões podem ser de diferentes naturezas como o papel de um primogénito, a carreira profissional a seguir, a forma de se relacionar com familiares, o modelo de um casamento, a maneira de educar um filho, entre outros.

Quando conseguimos expandir a nossa consciência e perceber a influência destes padrões nas nossas vidas, vem um inimigo muito forte para não nos permitir mudar: o medo. 
Quando pensamos em quebrar algum destes padrões, podem surgir inúmeros sentimentos com relação a família, tais como de que não a honramos, não somos dignos do amor dela, não pertencemos a ela, de que o jeito da família é o certo, etc. E estes sentimentos geram um medo muito grande, que nos prende a estes padrões, afinal nosso ego tenta preservar e proteger o que já deu certo no passado, mesmo sendo contra a nossa essência, contra a nossa alma.

Para sairmos desta armadilha, um bom caminho é observar quais são estes sentimentos e crenças que geram o medo da mudança e aceita-los. Olhar para dentro e questionar se eles têm fundamento ou se são apenas crenças sem utilidade para nossas vidas. Neste último caso, uma vez que tomamos plena consciência sobre isto, nós liberamos este medo. A meditação é uma ótima ferramenta para conseguirmos nos libertar de padrões familiares limitantes!



André Fukunaga







Cada família tem 
suas regras, seus segredos, 
suas formas de interagir, 
suas disfunções 
e suas próprias maneiras 
de lidar com os problemas. 
Maneiras estas que podem ser 
positivas ou negativas 
para um ou mais membros desse sistema.


Todavia, por estarem seus membros inseridos no sistema, ao longo dos anos vai ficando impossível sentir e observar como ele realmente funciona e que males essa forma de funcionar pode estar trazendo aos seus membros como indivíduos e ao próprio sistema familiar como um todo.

Temos uma tendência intrínseca à repetição de padrões familiares apreendidos desde a infância, e que são passados de geração a geração, de formas explícitas e implícitas, conscientes e inconscientes. Por isso, comportamentos que odiávamos nos nossos pais que, inclusive nos fizeram sofrer, percebemos repetidos nas nossas próprias ações para com a nossa nova família. Esse tipo de repetição causa espanto e muita dor. 

O que é preciso para não repetir padrões que causaram-nos e continuam causando tanta dor? 
Como ser curado de traumas familiares que se impregnaram na nossa personalidade? 
Estas e outras perguntas tem sido feitas de forma angustiada, e para cada uma delas há vários caminhos a percorrer.

Trazemos para a nossa nova família padrões e formas de funcionar das duas famílias de origem. O que é preciso fazer é negociar e renegociar novas regras para uma nova família, para que uma nova história seja escrita sobre a terra, além de tratar as patologias que causam tantos dissabores a seus membros.

A afetividade, a comuniçação clara e a percepção dos erros cometidos dentro da interação familiar são fatores por demais importantes para que uma familia alcance seu equilíbrio. Isto parece óbvio e claro. Todavia, nem sempre os cônjuges percebem de maneira clara os reais motivos das crises. Na sua maioria acusam o outro e o responsabilizam por todos, ou pela maioria dos erros presentes na relação conjugal.

Cada um tem razão, o outro é sempre o culpado, o outro não muda, eu não preciso mudar, ou, se ele(a) mudar, ai sim, vou me motivar a mudar também.

Ou mesmo, um dos cônjuges assume alguns erros básicos mas, na sua visão, não são suficientes para detonar uma crise conjugal ou familiar. Os erros do outro, estes sim, são relevantes e têm levado a família à ruina. Posso chamar isso de falsa percepção, ou percepção distorcida, além da incapacidade pessoal de se colocar no lugar do outro e tentar enxergar a relação sob a ótica dele(a).

Não existe a visão certa ou errada. Existem visões e percepções, e estas dependem do ângulo de quem olha, da sua história, dos seus medos, dos seus traumas, das suas expectativas.

Muitas vezes, a criança é o melhor indicador da situação afetiva da família.
A forma simples e realista com a qual enxerga o dinamismo familiar deve ser considerado.
Assim como é extremamente importante observar suas reações, suas patologias, seus sintomas, que nada mais são que pontas de icebergs num imenso mar cheio de montanhas soterradas.
É preciso ouvir as crianças e permitir que elas, sem medo, ajudem as famílias e a elas próprias a se libertarem de padrões doentios, sendo livres para construirem novos relacionamentos.



Jacqueline Kauffman






Herança Emocional Dos Nossos Antepassados


A herança emocional é tão decisiva quanto intransigente e impositora. Estamos enganados quando pensamos que a nossa história começou quando emitimos o nosso primeiro choro. Pensar dessa forma é um erro, porque assim como somos o fruto da união do óvulo e do esperma, também somos um produto dos desejos, fantasias, medos e toda uma constelação de emoções e percepções que se misturaram para dar origem a uma nova vida.

Atualmente falamos muito sobre o conceito de “história familiar”. Quando uma pessoa nasce, ela começa a escrever uma história com suas ações. Se observarmos as histórias de cada membro de uma família, encontraremos semelhanças essenciais e objetivos comuns. Parece que cada indivíduo é um capítulo de uma história maior, que está sendo escrita ao longo de diferentes gerações.

Esta situação foi muito bem retratada no livro “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, que mostra como o mesmo medo é repetido através de diferentes gerações até que se torna realidade e termina com toda uma linhagem. O que herdamos das gerações anteriores contem também os pesadelos, os traumas e as experiências mal resolvidas.


A herança de nossos antepassados que atravessa gerações:

Esse processo de transmissão entre as gerações é algo inconsciente. Normalmente são situações ocultas ou confusas que causam vergonha ou medo. Os descendentes de alguém que sofreu um trauma não tratado suportam o peso dessa falta de resolução. Eles sentem ou pressentem que existe “algo estranho” que gravita ao seu redor como um peso, mas que não conseguem definir o que é.

Por exemplo, uma avó que foi abusada sexualmente transmite os efeitos do seu trauma, mas não o seu conteúdo. Talvez até mesmo seus filhos, netos e bisnetos sintam uma certa intolerância em relação à sexualidade, ou uma desconfiança visceral das pessoas do sexo oposto, ou uma sensação de desesperança que não conseguem explicar.

Essa herança emocional também pode se manifestar como uma doença. O psicanalista francês Françoise Dolto, disse, “o que é calado na primeira geração, a segunda carrega no corpo”.


Assim como existe um “inconsciente coletivo“, também existe um “inconsciente familiar”.

Nesse inconsciente estão guardadas todas as experiências silenciadas, que estão escondidas porque são um tabu: suicídios, abortos, doenças mentais, homicídios, perdas, abusos, etc. O trauma tende a se repetir na próxima geração, até encontrar uma maneira de tornar-se consciente e ser resolvido.

Esses desconfortos físicos ou emocionais que parecem não ter explicação podem ser “uma chamada” para que tomemos consciência desses segredos silenciados ou daquelas verdades escondidas, que provavelmente não estão na nossa própria vida, mas na vida de algum dos nossos antepassados.


O caminho para a compreensão da herança emocional

É natural que diante de experiências traumáticas as pessoas reajam tentando esquecer. Talvez a lembrança seja muito dolorosa e elas acreditam que não serão capazes de suportá-la e transcendê-la. Ou talvez a situação comprometa a sua dignidade, como no caso de abuso sexual, em que apesar de ser uma vítima, a pessoa se sente constrangida e envergonhada. Ou simplesmente querem evitar o julgamento dos outros. Por isso, o fato é enterrado e a melhor solução é não falar sobre assunto.

Este tipo de esquecimento é muito superficial. Na verdade o tema não está esquecido, a lembrança é reprimida. Tudo que reprimimos se manifesta de uma outra forma. É mais seguro quando volta através da repetição.

Isto significa que uma família que tenha vivenciado o suicídio de um dos seus membros provavelmente vai experimentá-lo novamente com outra pessoa de uma nova geração. Se a situação não foi abordada e resolvida, ficará flutuando como um fantasma que voltará a se manifestar mais cedo ou mais tarde. O mesmo se aplica a todos os tipos de trauma.

Cada um de nós tem muito a aprender com os seus antepassados. A herança que recebemos é muito mais ampla do que supomos nela poderemos encontrar a causa de muitos de nossos sofrimentos e desgraças.


  • Qual a tua herança positiva e negativa de teus antepassados? 
  • O que fazer com o herdado devemos perpetuar, repetir, salvar, negar, encobrir as feridas destes eventos transformados em segredos, ou entender, aprender e transcender?


Todas as informações que pudermos coletar sobre os nossos antepassados serão o melhor legado que podemos ter e deixar para nossos descendentes. Saber de onde viemos, quem são essas pessoas que não conhecemos, mas que estão na raiz de quem somos, é um caminho fascinante que só nos trará benefícios. Isto nos ajudará a dar um passo importante para chegar a uma compreensão mais profunda de qual é o nosso verdadeiro papel no mundo.


Edith Cassal





sábado, 17 de novembro de 2018

Divina Música!





Filha da Alma e do Amor.
Cálice da amargura
e do Amor.
Sonho do coração humano,
fruto da tristeza.
Flor da alegria, fragrância
e desabrochar dos sentimentos.
Linguagem dos amantes,
confidenciadora de segredos.
Mãe das lágrimas do amor oculto.
Inspiradora de poetas, de compositores
e dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
fortalecedora das almas.
Oceano de perdão e mar de ternura.
Ó música.
Em tuas profundezas
depositamos nossos corações e almas.
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
e a ouvir com os corações.



Khalil Gibran