quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama





Dalai Lama (1935) é um Monge Budista e líder espiritual tibetano.
Tenzin Gyatso, originalmente Lhamo Dhondrub, é o 14° Dalai Lama.
É alegre e curioso. Demonstra querer saber tudo como se, aos 82 anos, ainda fosse uma criança a descobrir o mundo. Inquire seus circundantes a todo momento. Como se todas as pessoas lhe interessassem.
O Dalai coloca-se como apenas um velho monge que deseja paz e felicidade a todas as pessoas. Não se arvora nenhum caráter divino. Tanto que assume seus defeitos em público: leves irritações e uma obsessão por relógios que o acompanha desde criança, quando queria ser engenheiro e montava e desmontava qualquer máquina que encontrasse no Potala, centro religioso e político localizado na capital do Tibete, Lhasa.
Dalai Lama é mundialmente reconhecido como a entidade máxima da escola do budismos tibetano. 
O primeiro Dalai Lama remota ao século XXIV.
O Dalai Lama é reconhecido como uma manifestação de Avalokiteshvara ou Chenrezig, o Bodhisattva da Compaixão e padroeiro do Tibete.
Os Bodhisattva são seres iluminados que adiaram a sua entrada no outro mundo e escolhem renascer para servir a humanidade e ajudar na paz do mundo.

Para os adeptos do budismo em suas mais diversas ramificações, ele é a Sua Santidade.
Corresponderia à figura do Papa na Igreja Católica. 
A grande diferença é que, quando um Papa morre, seu substituto é eleito. Quando o Dalai morre, a cúpula do budismo sai pelo mundo em busca da sua reencarnação num bebé que tenha nascido, no máximo, alguns anos depois da morte do seu antecessor.
Identificado por meio de uma série de longos testes nos quais precisa reconhecer objetos pessoais do último Dalai Lama no meio de bugigangas comuns, o futuro Dalai passa a morar num mosteiro onde, desde criança, é educado para a função que vai assumir aos 18 anos. Ao entrar no templo, muda de nome. 
Tenzin Gyatso, por exemplo, nasceu Lhamo Thondup.

Muitos perguntam se o Dalai Lama é a reencarnação de Buda.
A questão está mal formulada.
É que há, segundo o budismo, centenas de budas espalhados pelo mundo. 
Siddhartha Gautama, ou Buda Shakyamuni, talvez o mais famoso deles, imortalizado em livro pelo escritor alemão Hermann Hesse, foi o quarto Buda. 

O Buda, portanto, não é uma entidade única nem um ser sobre-humano.
Considera-se Buda (a palavra significa “O Desperto”) o indivíduo que tenha “acordado do sono da ignorância”, para usar a terminologia budista, depois de muito trabalho mental e espiritual. A “iluminação” pode acontecer com qualquer um e é justamente esse o cerne da doutrina budista.

Quanto ao Dalai Lama, nome que significa “Oceano de Sabedoria”, acredita-se que ele e os seus 13 antecessores são reencarnações de um desses budas, Avalokiteshvara, conhecido como o Buda da Compaixão. O título de Dalai Lama foi concedido pela primeira vez em 1578, pelo príncipe mongol Altan Jan, à terceira reencarnação do Buda da Compaixão. O agraciado foi o abade Gedun Drub, um difusor do budismo que recebeu o título postumamente, junto com seus antecessores, o primeiro e o segundo Dalai Lama.

Enquanto estava no governo do Tibete, residia no Palácio de Potala ao longo do inverno e na morada de Norbulingka durante o verão, na capital deste país, Lhasa. 
Mas isso só foi permitido ao mestre até 1959, quando os chineses do regime comunista invadiram o Tibete. Desde então o Dalai Lama vive no exílio, na Índia, na localidade de Dharamsala, onde vive numa pequena cabana e de onde exerce seu governo. 

Este monge é doutor em filosofia Gorgon, ganhou o Prémio Nobel da Paz de 1989 e detém pelo menos cem títulos honoris causa. Não é por acaso que ele é tão respeitado no mundo todo, pois hoje ele é uma rara presença espiritual em busca do diálogo, da paz e da compaixão.

Na história do Tibete, religião e política se tornaram uma coisa só, o que resultou num Estado Teocrático, ou seja, um país governado por um líder religioso, representante da divindade no plano terreno.
Este governante é um Monge e um Lama – que significa guru, mestre, aquele que orienta seus aprendizes. Este orientador espiritual é aceite por todas as escolas budistas, principalmente pela escola Gelug.

A palavra Dalai significa ‘oceano’ em mongol, e muitas vezes referem-se a este líder como ‘Oceano de Sabedoria’, especialmente a partir do terceiro Dalai Lama, Altan Khan, que foi designado dessa forma pelo governo da Mongólia, título transmitido agora para todos os seus sucessores. Estes mestres são considerados a manifestação física de Avalokiteshvara, o ‘Bodhisattva da Compaixão’ – entidade de alta sabedoria que tem como objetivo tornar as pessoas melhores, auxiliar em seu aprimoramento. Na língua tibetana este ser é conhecido como Chenrezig. Já a expressão tibetana para Dalai Lama é Gyawa Rinpoche, ‘grande protetor’, ou Yeshe Norbu, a ‘grande jóia’, a única autoridade religiosa que pode, além do papa, ser nomeado como Sua Santidade. Quando cada um destes mestres morre, os monges realizam uma pesquisa exaustiva para descobrir a identidade com a qual ele renasceu.
Recebeu o Prémio Nobel da Paz de 1989, em reconhecimento à sua campanha pacifista para acabar com a dominação chinesa no Tibete.

Dalai Lama (1935) nasceu na aldeia de Takster, na provincia de Amdo, situada no nordeste do Tibet, em 6 de julho de 1935. 
Filho de uma família de agricultores recebeu o nome de Lhamo Dhondrub. Aos 2 anos de idade, foi reconhecido pelos monges tibetanos como a reencarnação do 13º Dalai Lama, Thubten Gyatso, a autoridade máxima do budismo tibetano.
Os Dalai Lama, por sua vez, são considerados reencarnações do príncipe Cherezig, o Avalokitesvara, o portador do lótus branco, que representa a compaixão.

Dalai Lama Tenzin Gyatso é considerado a 14ª reencarnação do príncipe Cherezig.
Aos 4 anos de idade foi separado de sua família, e levado para o Palácio de Potala, situado na montanha Hongsham, na capital Lhasa. Foi empossado como o líder espiritual do Tibete. Passa, então, a se chamar Jamphel Ngawang Lobsang Yeshe Tenzin Gyatso.

Começou sua rigorosa preparação, aos seis anos de idade, que inclui entre outros estudos, aulas de filosofia budista, arte e cultura tibetana, gramática, inglês, astrologia, geografia, história, ciências, medicina, matemática, poesia, música e teatro. Aos 24 anos, fez o seu exame final no Templo de Jokhang, em Lhasa, durante o o Festival Anual de Orações Monlam. Foi aprovado com honras e recebeu o grau de Geshe Lharampa (título máximo, equivalente a um Doutorado em Filosofia). Em complemento a esses temas budistas, estudou inglês, ciências, geografia e matemática.

Em 1950, após a invasão do Tibete, pela China, o partido comunista chinês, passa a controlar a província de Kham. Dalai Lama, com apenas 15 anos, assume o poder político do país. 
Em 1954, foi a Beijing para tentativas de paz com Mao Tsetung e outros lideres chineses, como Chou En-Lai e Deng Xiaoping.
Em 1956, durante visita à India para participar das festividades do aniversário de 2500 anos de Buda, esteve presente numa série de reuniões com Nehru, o Primeiro Ministro Indiano, sobre a situação do Tibet que se deteriorava rapidamente.
Seus esforços para alcançar uma solução pacífica para o problema sino-tibetano foram frustrados pelas atrocidades da política chinesa, no leste do Tibet, dando origem a um levante popular. Esse movimento de resistência espalhou-se por outras partes do País, e em 10 de Março de 1959, Lhasa, a capital do Tibet, explodiu num grande levante.
As manifestações da resistência tibetana exigiam que a China deixasse o Tibet, reafirmando a sua independência.
Quando a situação se tornou insustentável, pediu-se ao Dalai Lama que saísse do país para continuar no exílio a luta pela libertação. Sua Santidade seguiu para a Índia, que lhe concedeu asilo político, acompanhado de outros oitenta mil refugiados tibetanos. Hoje há mais de 120.000 tibetanos a viver como refugiados na Índia, Nepal, Butão e no Ocidente. 

Desde 1960, Sua Santidade reside em Dharamsala, uma pequena cidade no norte da Índia, apropriadamente conhecida como "Pequena Lhasa", por sediar a sede do governo tibetano no exílio.
Desde a invasão chinesa, Sua Santidade apresentou vários recursos às Nações Unidas sobre a questão tibetana. A Assembleia Geral adotou três resoluções sobre o Tibet, em 1959, 1961 e 1965. 

Em 1951, o 14º Dalai Lama, e integrantes de seu governo, assinam o "Acordo de Dezessete Pontos", com o qual a China pretendia adotar medidas para a libertação do Tibete.
Em 1954, o Dalai Lama vai a Pequim, realizar acordos com Mao Tsé-Tung, Presidente do Governo Popular da China, mas a tentativa de buscar soluções pacíficas para a libertação do Tibete, foram frustradas.

Em 1959, após o fracasso de uma rebelião nacionalista contra o governo chinês, Dalai Lama, junto com um grupo de líderes tibetanos e com seus seguidores, a convite do governo indiano, exila-se na Índia e aí instala o governo do Tibete.
Com o estabelecimento do Governo Tibetano no Exílio, Sua Santidade percebeu que a tarefa mais imediata e urgente era lutar pela preservação da cultura tibetana.
Fundou 53 assentamentos agrícolas de larga escala para acolher os refugiados; idealizou um sistema educacional tibetano autónomo (existem hoje mais de 80 escolas tibetanas na Índia e Nepal) para oferecer às crianças refugiadas tibetanas pleno conhecimento de sua língua, história, religião e cultura.
Em 1959 criou o Instituto Tibetano de Artes Dramáticas; o Instituto Central de Altos Estudos Tibetanos transformou-se numa universidade para os tibetanos na Índia. Sua Santidade inaugurou vários institutos culturais com o propósito de preservar as artes e ciências tibetanas, e ajudou a restabelecer mais de 200 mosteiros para preservar a vasta obra de ensinamentos do budismo, a essência do espírito tibetano.

Pelo lado da política, em 1963 Sua Santidade apresentou o esboço de uma constituição democrática para o Tibet, baseada nos princípios budistas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A nova constituição democrática promulgada como resultado desta reforma foi denominada "Carta dos Tibetanos no Exílio". Essa carta defende a liberdade de expressão, crença, reunião e movimento. Oferece também detalhadas linhas de acção para o funcionamento do governo tibetano no que diz respeito aos que vivem no exílio.

Em 1992, Sua Santidade publicou linhas diretrizes para a constituição de um futuro Tibet livre.
Anunciou que a primeira e imediata tarefa do Tibet libertado será estabelecer um governo interino com a principal responsabilidade de eleger uma Assembleia Constituinte, para criar e implantar uma constituição democrática tibetana. Nesse dia, Sua Santidade transferirá toda a sua autoridade política e histórica para o Presidente interino, passando a viver como um cidadão comum. Ele também afirmou esperar que o Tibet, incluindo as suas tradicionais três províncias (U-Tsang, Amdo e Kham), seja federativo e democrático.

Em maio de 1990, as reformas propostas por Sua Santidade deram ensejo à realização de uma administração verdadeiramente democrática para a comunidade tibetana no exílio. O Gabinete tibetano (Kashag), que até então sempre fora indicado por Sua Santidade, foi dissolvido, juntamente com a Décima Assembléia de Deputados do Povo Tibetano (o Parlamento tibetano no exílio). Nesse mesmo ano, tibetanos exilados no subcontinente indiano e em mais de 33 outros países elegeram 46 membros da ampliada 11ª Assembleia Tibetana, numa votação direta. A Assembléia, por sua vez, elegeu os novos membros do Gabinete.
Em setembro de 2001, um passo ainda maior para a democratização foi dado quando o eleitorado tibetano elegeu diretamente o Kalon Tripa, ministério-mor do Gabinete, que por sua vez indicou o seu próprio Gabinete, a ser aprovado pela Assembleia Tibetana. Na longa história do Tibet, essa foi a primeira vez que o povo elegeu seus líderes políticos.
De tradição teocrática, os tibetanos misturam o poder temporal e o espiritual.
Várias propostas de paz já foram levadas ao governo chinês, entre elas, transformar o Tibete em santuário, onde todos poderiam viver em harmonia.

Em 1967 o Dalai Lama iniciou uma série de viagens por diversos países, levando sua crença e a esperança de encontrar a paz entre os povos. Esteve com o Papa Paulo VI em 1973 e com João Paulo II em diversos momentos. Foi aos Estados Unidos, Inglaterra, França, Suíça, Áustria, Brasil, entre outros, onde fez palestras para um grande número de admiradores.

Em setembro de 1987, Sua Santidade propôs o Plano de Paz de Cinco Pontos para o Tibet, como um primeiro passo na direção de uma solução pacífica para a situação que rapidamente se deteriorava no país. Em sua visão, o Tibet se tornaria um santuário, uma zona de paz no coração da Ásia, em que todos os seres sencientes poderiam viver em harmonia, com o delicado equilíbrio ambiental preservado. A China, até ao momento, não respondeu positivamente às várias propostas de paz criadas por Sua Santidade.





O Plano de Cinco Pontos:

No seu discurso aos membros do Congresso Americano em Washington, D.C., realizado em 21 de Setembro de 1987, Sua Santidade propôs o seguinte plano de paz, composto por cinco pontos básicos:


  1. Transformação de todo o Tibet numa zona de paz.
  2. Cessação da política chinesa de transferência de população, que ameaça a própria existência dos tibetanos como povo.
  3. Respeito pelos direitos humanos fundamentais dos tibetanos, bem como de suas liberdades democráticas.
  4. Restauração e protecção do ambiente natural tibetano, e o abandono do uso do território tibetano, pela China, para produção de armas nucleares e como depósito de lixo nuclear.
  5. Início de negociações sérias sobre o futuro status do Tibet e das relações entre os povos chinês e tibetano.


Discursou no Parlamento Europeu de Estrasburgo, na França, em 15 de Junho de 1988, e Sua Santidade detalhou minuciosamente o último dos Cinco Pontos desse plano de paz. Ele propôs o estabelecimento de conversações entre chineses e tibetanos para a criação de um governo autónomo das três províncias tibetanas, "em associação com a República Popular da China".
O governo chinês continuaria sendo responsável pela política exterior e defesa do Tibet.

Para Sua Santidade, essa proposta era "o modo mais realista para se restabelecer uma identidade independente do Tibet e restituir os direitos fundamentais do povo tibetano, conciliando ao mesmo tempo os próprios interesses da China." Enfatizou por outro lado que "qualquer que seja o resultado das negociações com os chineses, o povo tibetano por si mesmo deve ser a autoridade decisória máxima."

Posteriormente, no entanto, em 2 de Setembro de 1991 (Dia da Democracia Tibetana), o Governo do Tibet no exílio declarou que a Proposta de Estrasburgo não estava mais em vigor: "Sua Santidade, o Dalai Lama, deixou bem claro, em sua declaração de 10 de Março, que em razão da atitude fechada e negativa da atual liderança chinesa, percebeu que seu compromisso pessoal com as ideias expressas na proposta de Estrasburgo tornou-se sem efeito, e que se não houver novas iniciativas por parte dos Chineses ele se considerará livre de qualquer obrigação com relação a essa proposta. Entretanto, continua firmemente comprometido no caminho da não violência e em encontrar uma solução para a questão tibetana através de negociações e entendimentos. Sob as atuais circunstâncias, Sua Santidade, o Dalai Lama, não se sente mais obrigado ou limitado a manter a Proposta de Estraburgo como uma base para encontrar uma solução pacífica para o problema tibetano."


Dalai Lama

Incansável estudioso, abriu caminhos para a união da ciência com a espiritualidade.
Em 1987 ele discutiu durante uma semana, ao lado de cinco cientistas do Ocidente, questões que envolvem uma aproximação dos princípios budistas e os das ciências do conhecimento.
Desde então meios científicos têm aberto espaços de debates e pesquisas sobre a práxis espiritual, o que cria perspectivas de novos horizontes nas duas esferas. O mestre incentiva a convivência entre as diferenças e a articulação de todos em benefício do avanço da humanidade.

Escreveu vários livros, entre eles “A Arte da Felicidade”, “A Arte da Felicidade no Trabalho”, “Bondade, Amor e Compaixão”, “O Livro da Sabedoria” e “Minha Terra e Meu Povo”. Seus ensinamentos abrangem desde a esfera espiritual, o meio ambiente, o campo científico, a paz, os direitos humanos, o treinamento da mente, entre outros.
Ele é reconhecido e respeitado internacionalmente.

Em 1989 recebeu o Prémio Nobel da Paz. Recebeu também o título de Doutor Honoris Causa, conferido pela Universidade de Seattle, em Washington, em reconhecimento por seu trabalho difundindo a filosofia budista e por seus esforços em busca dos direitos humanos e da paz mundial.

Em 2011 Dalai Lama anunciou que deixaria o comando político dos tibetanos. 
O sufrágio ocorreu na Índia, onde o Parlamento se reúne no exílio desde 1959.
Embora não tenha nenhum efeito prático, já que o Tibete não é reconhecido como nação independente, a eleição constitui uma mudança de costumes.


Para o Dalai, tudo é muito simples. Estar no mundo é fácil, viver é descomplicado. Segundo ele, ninguém precisa sair em peregrinação ou praticar mendicância para se tornar um ser humano melhor. Em sua filosofia, que tem muito menos a ver com religião do que com um manual de condutas éticas para viver e deixar viver, de modo a que cada um possa se inserir harmonicamente no meio dos outros, a verdadeira transformação espiritual do indivíduo está nas pequenas e fundamentais atitudes do dia-a-dia, independente do credo, do estilo de vida, das preferências sexuais ou políticas que se possa ter.

O Dalai apresenta o mundo como uma rede de ações em constante interferência recíproca. Assim, o que um sujeito faz ou deixa de fazer alteraria indelevelmente o meio em que está inserido. A vida funcionaria como um jogo de dominó em que se derruba uma pedra e milhares de outras vão caindo, sucessivamente, durante horas a fio, até formar um enorme desenho do qual muitas vezes nenhum dos participantes tinha ideia no início. Para o Dalai, nada – nem ninguém – está isolado. Uns sempre precisam de outros para realizar a própria felicidade.

O Dalai deixa muito claro em seus discursos que cada um deve seguir a fé que escolher. Ou até mesmo nenhuma, caso lhe pareça mais conveniente. A devoção das pessoas, ao contrário da esmagadora maioria dos líderes religiosos, é o que menos interessa ao Dalai, segundo ele mesmo diz. Quem já assistiu a uma de suas palestras sabe que o eixo básico do seu discurso é a universalidade dos conceitos. Para ele, há alguns valores, como a ética, que são constitutivos do ser humano em qualquer cultura ou tempo e que deveriam ser cultuados por todos.





A ausência quase completa de proselitismo religioso e a lógica evidente de sua argumentação, que não requer uma fé específica para ser compreendida e aceita, faz com que até o mais empedernido dos ocidentais tenha condições de incorporar os ensinamentos do Dalai em seu quotidiano. 
Mas que ensinamentos são esses? 
E como eles podem ser úteis para a sua vida diária? 
Deixo aqui alguns dos principais pontos do pensamento do Dalai Lama:

Para o Dalai, rezar é importante, mas não basta. 
É preciso arregaçar as mangas, deixar de lado a preguiça e o eterno álibi da falta de tempo e agir sobre as situações. Não há necessidade de atos heróicos nem de uma grande alteração de rotina. Afinal, segundo o Dalai, o mundo depende mais dos pequenos do que dos grandes atos para ser transformado. Para ele, colocar a mão na massa faz toda a diferença. É como cruzar uma ponte numa noite gelada e ver uma criança passando frio. Você pode se encher de pena e rezar para que a Providência faça chegar a ela um agasalho. Pode também seguir seu caminho indignado porque o Estado não faz nada. Mas você pode, por outro lado, fazer alguma coisa a respeito. Um gesto, uma ação. Que opção tem mais chances de diminuir o sofrimento imediato daquela criança?

Para o Dalai, amor requer desapego. 
Isso soa torto para mentes ocidentais, acostumadas a pensar o contrário: amor e apego como sinónimos. A intensidade do apego, segundo ele, é a mesma da raiva quando se perde a pessoa. Portanto, o apego está relacionado à posse e ao desamor. No limite, apegar-se é hipotecar o amor que se sente.
Afinal, que diabo de amor é esse que se transforma em ódio quando não se pode mais ter o ser amado ao lado?
tantos casais que, depois de se separarem, se dedicaram a infernizar a vida um do outro. Ou a procurarem desesperados uma reconciliação ou a tentar impingir ao outro o sofrimento que a perda lhe causou. Ou, ainda, os dois trancafiando a sua própria felicidade naquele falecido projeto de vida em comum. Isso, para o Dalai, é apego e não amor. Afinal, impedir que o ser amado seja feliz, em nome da sua própria infelicidade, é um ato de rancor e ódio e não de amor.
O apego estreitaria a visão de felicidade, descartando novas possibilidades de viver momentos de alegria, influenciaria negativamente a compaixão e seria prejudicial à própria auto-estima. Para o Dalai, a baixa auto-estima nada mais é que o apego excessivo a si mesmo. Portanto, uma consequência do excesso de amor-próprio, de vaidade. Isso faria com que nos exigíssemos a perfeição em todos os momentos e que jamais estivéssemos satisfeitos com as nossas conquistas.

Para o Dalai, não existem verdades absolutas. 
Um dos princípios do budismo é o Caminho do Meio.
A imagem que se faz é a de uma corda de viola. Se ela ficar muito solta, não produzirá som algum. Mas se você esticá-la demais, ela arrebentará ao primeiro toque. Pela óptica desse conceito, antagonismos aparentemente insuperáveis poderiam ser resolvidos se ambas as partes cedessem um pouco.
O segredo do equilíbrio seria nunca se deixar seduzir pelos extremos.

Quanto ao Karma:
No senso comum, a palavra Karma está sempre associada a um castigo imutável, a uma situação ruim e invencível. Para o Dalai, o Karma nada mais é do que uma lei eterna de causa e efeito que cada um de nós pode modificar todo dia. Na sua visão, não somos seres impotentes diante da vida. Nem há sinas inelutáveis. Portanto, aceitar esse ou aquele revés como um Karma e se conformar com ele seria apenas um ato de preguiça.

Em relação à Compaixão:
O dicionário apresenta a pena e a dó como sinónimos do termo compaixão. Para o Dalai, esses conceitos têm uma subtil e ao mesmo tempo profunda diferença. A representação da compaixão seria horizontal. A da pena e da dó seria vertical.
Eis o que essa metáfora geométrica quer dizer: ter pena, segundo o Dalai, é olhar alguém como um ser inferior, que precisa de caridade. É, em resumo, o sujeito se sentir melhor e mais digno do que o seu interlocutor. Já a compaixão enxergaria o sofrimento de forma solidária. A postura aí seria encarar aquele que sofre como um ser em igualdade de condições que precisa de ajuda naquele determinado momento.
Ter compaixão, para o Dalai, é lembrar que a dor do outro poderia ser sua. E é mostrar a capacidade de reconhecer o sofrimento do próximo e ajudá-lo a superar o momento difícil. A compaixão estaria intimamente ligada à ação. Na visão do Dalai, somente condoer-se está muito longe de ser uma atitude suficiente.

Nada é mais precioso que a vida. 
Não só a humana, mas a de todos os seres que habitam o planeta. O Dalai recomenda dieta vegetariana para evitar que se tire o direito à vida dos animais, já que para o budismo eles também têm alma e as pessoas podem reencarnar como animais, até mesmo como ostras e camarões.
Segundo ele, no entanto, é possível se preocupar com a natureza sem precisar adotar atitudes que a maioria das pessoas considera indigestas, como se alimentar exclusivamente de vegetais ou colocar o peito na frente do arpão de um baleeiro no meio do oceano. Bastaria ter sempre a preocupação de se relacionar eticamente com os demais seres do planeta.
A preservação do ambiente, além de demonstração de respeito à vida, inclusive a das futuras gerações de humanos, seria uma forma de o sujeito melhorar a sua própria existência. O budismo tibetano, tanto quanto várias outras doutrinas, é antropocêntrico e vê o homem como um ser superior. A diferença da doutrina do Dalai em relação às outras está no significado do conceito de superioridade. Para ele, isso não quer dizer que a natureza esteja a serviço do homem e nem que possa ser subjugada. Como os únicos seres inteligentes, nós teríamos a responsabilidade de agir como guardiões da vida na Terra.

No que diz respeito à Ética e Religião:
Segundo o Dalai, não é preciso ter religião para ter ética. Ou seja, a retidão do comportamento humano não dependeria de leis divinas. Para ele, espiritualidade e religião não são sinónimos. O Dalai é um grande defensor de ações sociais ecuménicas. Ele acredita que a ética transita em qualquer fé e é a viga central na construção de um mundo mais feliz. Ter fé é importante, ele reconhece. Mas a ética seria mais do que suficiente. Isso inclui ateus e agnósticos nesse projeto de mundo mais solidário e integrado de que fala o Dalai.
Mas, para ele, o que é a ética? Aqui, ele concorda com o dicionário. Trata-se de um conjunto de valores morais e princípios de conduta que devem ajustar as relações entre os diversos membros da sociedade. Nada mais é, no fim das contas, do que a velha premissa de não fazer a ninguém o que não se deseja para si mesmo. A sutileza trazida pelo Dalai é a consciência de que o não prejudicar os outros começa nos pequenos atos. Algo que pode não soar como prejudicial a você, como marcar um encontro e simplesmente não aparecer, pode atrapalhar a vida da outra pessoa que desmarcou um outro compromisso por sua causa.

Felicidade:
O objetivo da vida humana, segundo o Dalai, é a felicidade, a preservação da alegria. Para ele, ser feliz não é um estado grandioso e eterno. Ao contrário, é uma soma de pequenos momentos luminosos que o sujeito vai colecionando ao longo da vida.
Um dos caminhos mais curtos para a infelicidade, na opinião do Dalai, é colocar a própria satisfação nas mãos de algo ou de alguém. Ou então empurrá-la para o futuro. O sujeito que diz que só será feliz quando se formar em medicina ou quando se casar com uma determinada pessoa está, segundo o Dalai, jogando fora uma série de oportunidades presentes de felicidade. A satisfação estaria dentro de cada um. Não estaria fora, em elementos externos que seriam meros instrumentos ou partes coadjuvantes.
Segundo o Dalai, os principais ingredientes da felicidade são o sorriso e o bom humor. Tentar olhar todos os aspectos de uma situação e destacar os bons – e não os maus, como costumamos fazer – é a grande receita da satisfação pessoal. Para ele, é preciso saborear cada mordida no pão quentinho de manhã. E se o chefe estiver nervoso, é preciso que o sujeito se sinta feliz por não estar.

Humildade:
Associados com frequência no Brasil, humildade e pobreza não têm nenhuma relação entre si na visão do Dalai Lama. Descrever como humildes aqueles que passam fome ou vivem debaixo da ponte, para ele, não faz sentido. Humildade nada tem a ver com a presença ou a ausência de posses materiais. Trata-se, segundo o Dalai, de uma forma de comportamento das mais veneráveis. Ser humilde seria enxergar todos os circundantes como seres iguais – o garoto que pede um trocado no semáforo ou o presidente da República. É difícil pensar dessa forma quando a sociedade relaciona humildade com inferioridade, submissão e pobreza. Mas é fácil ser humilde em uma sociedade que associa essa condição à simplicidade, à clareza, à elegância. A humildade, segundo o Dalai, deixa o homem mais confiante. Só quem tem plena consciência do seu valor não precisa demonstrar, às vezes de forma grosseira, o seu poder ou a sua erudição.

Imparcialidade:
Para o Dalai, a verdade é relativa. Perceber que não há axiomas inquestionáveis e tentar enxergar as situações sob todos os ângulos antes de tomar uma atitude é fundamental. Mas isso, segundo o Dalai, leva tempo e requer alguns exercícios. A mente humana teria a tendência de elevar as próprias ideias à condição de verdades inexoráveis. Diante de uma situação de discórdia, diz o Dalai, o sujeito se enche de argumentos que o levam a tomar determinadas atitudes a partir do seu ponto de vista unilateral, desconsiderando a trajetória dos outros envolvidos.

Impermanência:
A única certeza que um ser humano pode ter, segundo o Dalai, é a de que vive o momento presente e de que pode morrer a qualquer momento. Por mais catastrófica que essa ideia possa parecer, para o Dalai ela é uma verdade incontestável e um motivo de alegria. Significa que, se as coisas boas podem ficar ruins de um momento para o outro, as coisas ruins também podem ficar boas de repente. Para ele, essa certeza também serve para que preparemos o que ele chama de “boa morte” – a tentativa de manter um saldo positivo na própria existência. Ou de, pelo menos, zerar a contabilidade entre as atitudes boas e más de que inevitavelmente se compõe uma vida.
Para o Dalai, a incerteza do que pode acontecer no próximo momento – o sujeito pode perder a vida ou o emprego, a mulher ou a fortuna a qualquer momento – ajuda-o a sofrer menos com os revezes da vida. E a se apegar menos às coisas e às pessoas que ama, dependendo menos delas para ser feliz. Por outro lado, a noção da própria impermanência faria com que o workaholic que passa 16 horas por dia no escritório revisse suas prioridades ao perceber que o seu cargo não vai durar para sempre. E que o marido que há mais de ano não reserva tempo para namorar a esposa percebesse que ela não vai ficar do seu lado para sempre. E que o sujeito que há décadas tem um pedido de desculpas entalado na garganta finalmente verbalizasse o seu arrependimento, porque nem ele e nem o seu antigo desafeto vão durar para sempre.

Interdependência:
As pessoas morrem de fome no Nordeste. Você sente pena, se lamenta pelo povo castigado mas vê aquela realidade como algo distante do seu dia-a-dia. A coisa não funciona bem assim, segundo o Dalai. Afinal, tudo no mundo estaria relacionado. Uma atitude banal que se toma aqui pode iniciar uma cadeia que vai refletir do outro lado do Atlântico daqui a anos. (Se você lembrou aquela metáfora clássica da teoria do caos que dizia que o bater de asas de uma borboleta em Hong Kong pode causar um tornado no Texas, bingo.)
Para o Dalai, o conceito da interdependência está bastante ligado ao da relatividade. Para ele, as circunstâncias podem mudar a aplicação de um conceito. Por isso não seria possível ter conceitos isolados ou eternamente válidos. Para quase todas as religiões, por exemplo, a reprodução é uma das principais funções do ser humano. Mas hoje, em um mundo com mais de seis bilhões de pessoas, onde há problemas globais de alimentação e espaço, o óbvio para famílias de qualquer classe social é realizar essa função numa escala menor do que acontecia há algumas gerações. O dogma religioso, portanto, para o Dalai, precisa ser relativizado. Provavelmente daqui a algum tempo, se boa parte da população mundial tiver envelhecido e morrido, a reprodução voltará a ter sua importância original. (Isso, aliás, já acontece em alguns países europeus, que estimulam financeiramente os casais a terem filhos.)

Paciência e Pressa:
A paciência é a maior defesa que um sujeito pode desenvolver, diz o Dalai. Ela serve para que tudo seja colocado no seu devido lugar antes de se tirar conclusões ou fazer julgamentos. Às vezes é preciso ficar em silêncio, recuar antes de voltar à cena e dar um passo adiante. Paciência, no entanto, para o Dalai, não é omissão. É a determinação do tempo ideal para cada coisa. É o sujeito saber tratar do seu inimigo interior antes de lidar com as adversidades externas. Trata-se de um conceito difícil de entender pois a cultura ocidental cultua a pressa. É fato que as pessoas vivem cada vez em maior velocidade, comem cada vez mais rápido. É como se estivéssemos todos, você e eu inclusive, em busca de algo que nunca vem. Fazer o maior número de coisas no menor espaço de tempo virou sinónimo de eficiência. Sujeitos entre nós que se mostrem tranquilos e pacientes são considerados omissos e passivos.
Para o Dalai, no entanto, paciência é compreender que as melhorias gradativas são as verdadeiras e que as mudanças rápidas não passam de fachada.

Raiva:
Talvez o ponto mais difícil de aprender na doutrina do Dalai seja lidar com a raiva. Ele a divide em dois tipos: a raiva proveniente do apego e aquela proveniente da compaixão. O primeiro tipo distorce a visão dos fatos e prejudica a capacidade de julgamento. Se o sujeito se sente ofendido por alguém, tem a vontade de prejudicar quem ele julga lhe ter feito mal. Só que, pelas regras do carma e da interdependência, a vingança só vai aumentar o seu saldo negativo. Em outras palavras: prejudicar quem teoricamente lhe fez mal vai trazer uma satisfação imediata e ilusória e nenhum lucro futuro. Afinal, o julgamento ocorreu sob a intensidade da raiva. O perigo aí, segundo o Dalai, é criar uma bola de neve de ações e reações ruins. O correto seria o sujeito sublimar a sua raiva por meio da dedicação a coisas que façam bem a ele e aos outros. Para o Dalai, não vale a pena trocar horas de sono ou de prazer brincando com os filhos para arquitetar uma vingança que só adicionará mais sofrimento àquela situação.
Isso não quer dizer que se deva ficar passivo diante das injustiças. A raiva motivada pela compaixão, pela solidariedade ao ser vilipendiado, segundo o Dalai, deve ser usada para gerar uma ação que busque justiça de uma forma imparcial, serena e que ande sempre pelo caminho do meio.

Serenidade:
A serenidade caminha ao lado da imparcialidade e não da apatia, diz o Dalai. Ter serenidade é pensar antes de agir. Algo que, num estágio mais avançado, nada mais é do que a meditação. A sabedoria, segundo o Dalai, está em não colocar a imaginação no meio do processo de análise e em saber esperar sem ansiedade. Na prática, um sujeito sereno criaria sempre um espaço de tempo entre a ação e a reação. Tempo para analisar a situação com parcimónia, pensar nas consequências da sua reação e encontrar formas de resolver o problema e não de piorá-lo.

Sofrimento:
Situações que causam sofrimento jamais faltarão nem para a mais contente das criaturas. E se o sofrimento é um fato, é preciso aprender a lidar com ele. Não apenas lamentar a sua existência e se acomodar com a dor. Para o Dalai, é sempre possível minimizar o sofrimento ou extrair dele algo de positivo. Para tanto, é preciso tratar as causas do sofrimento e não, apenas, os sintomas. Ao identificar as causas, diz o Dalai, a imparcialidade e a serenidade são fundamentais para que não haja erro no julgamento. É que, segundo ele, é sempre possível que parte do sofrimento seja criado pelo próprio ser que sofre, independente dos fatores externos. Ele diz que há duas reações ao sofrimento: entregar-se à dor ou descobrir a si mesmo na tragédia.
É que os momentos difíceis, por piores que sejam, desenhariam uma grande oportunidade para o sujeito avançar no último e talvez mais essencial dos pontos do pensamento do Dalai Lama, combustível para a efetivação de todos os outros: o autoconhecimento.



Conhecer-se melhor, mais fundo, com mais detalhes, sem máscaras nem retoques é a primeira e a última coisa que um ser humano em busca de ser mais feliz e de fazer mais gente feliz deve realizar.
Não é tarefa fácil nem rápida. 




Fontes: Livro "Dalai Lama, Autobiografia Espiritual"
               Revista Super Interessante







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