quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Exactidão





Levam as frases sentido 
que uma cadência lhes dá: 
sentido do não-vivido 
a que fica reduzido 
o que, escolhido, não há. 

Do imo do poder ser, 
onde o não-sido se arrasta, 
ouvi cadências crescer: 
vaga música de ter, 
na vida, quanto não basta - 

quanto um sentido se entenda, 
que nem verdade ou mentira. 
(Que o que dele se aprenda 
é como cobarde venda 
para que a luz nos não fira. 

Luz sem luz, brilho da treva 
que tudo no fundo é; 
e a certeza que se eleva 
do fundo da própria treva, 
de exacta que seja, é.) 

Levam justiça consigo 
as palavras que dissermos. 
Por quanto sentido antigo, 
nelas ficou por castigo 
o futuro que tivermos. 

Levam as frases sentido 
que uma cadência lhes dá. 
É justo, injusto - o escolhido? 
Como quereis que, vivido, 
ele não seja o que será? 



Jorge de Sena
in, "Post-Scriptum"




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