quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Pearl Sydenstricker Buck


Pearl Sydenstricker Buck
26 de junho de 1892, Hillsboro (EUA) -  6 de março de 1973 (80 anos), Danby (EUA)


Prémio Pulitzer de Ficção de 1932
Nobel de Literatura de 1938



Ao empreendermos um estudo sobre alguns dos aspectos mais relevantes da vida e da obra de PSB, podemos constatar que a autora nasceu e viveu num período bastante fértil em mudanças na história dos Estados Unidos da América e na China, bem como nas relações internacionais estabelecidas entre estes dois países.

PSB desenvolveu-se e cresceu numa época efervescente em acontecimentos políticos e económicos que determinaram a passagem atribulada da China imperial para a China republicana, através da convulsão de tumultos populares, revoluções e conflitos entre forças Nacionalistas, Comunistas e senhores da guerra. Esses eventos contribuíram para criar nela o repúdio contra toda e qualquer forma de violência e guerra, e de hegemonia de um povo sobre outro.

Em vez de criar uma aversão idêntica a esses sentimentos xenófobos de que foi vítima, PSB desenvolveu uma compreensão e uma empatia muito profundas para com todas as raças, acabando por pautar a sua vida, obra e intervenções públicas com ideais de defesa dos direitos dos orientais em geral, e dos chineses em particular, dos African Americans, das mulheres e das crianças mestiças.
O período passado em Shanghai em 1909 e o auxílio prestado na “Door of Hope” fizeram-na conhecer de perto o sofrimento infligido às mulheres através da exploração sexual. Esta experiência moldou o seu carácter de forma determinante, contribuindo para a formação de uma orientação feminista, que mais tarde veio a manifestar nos Estados Unidos, através das suas intervenções públicas e literárias.






Nos períodos em que permaneceu nos Estados Unidos, PSB sentiu-se uma estranha no seu país de origem, resultado de uma aculturação oriental, que fez dela uma pessoa não só bilingue mas também “bicultural”, o que lhe conferiu características “híbridas” muito próprias, transformando-a numa americana na aparência mas chinesa na alma. Anos mais tarde, já casada e regressada à China, acompanhou o marido na sua actividade como economista agrícola e verificou que, ao contrário do que seria de esperar, John Buck pouco conseguiu, na prática, ensinar os camponeses e transmitir-lhes novos conhecimentos tecnológicos, visto que o sistema desenvolvido ao longo de inúmeras gerações e de milhares de anos de experiência chinesa conseguia ultrapassar em produção as modernas soluções
americanas.

PSB viu assim repetir-se o que já constatara com a acção missionária do pai: a grande e milenar China não necessitava da ajuda, nem da intervenção nem da imposição de métodos e filosofias estrangeiras, alheias à sua cultura e aos seus costumes. Por tudo o que testemunhou e conheceu sobre a ingerência de
potências ocidentais na China, PSB sentiu que a hegemonia e o controlo dos destinos do seu país de adopção não poderiam durar muito tempo.

Com a mudança para Nanquim em 1920, seguiu-se um período de grande realização pessoal, vivendo em pleno a sua actividade como professora de inglês e de literatura americana na universidade local. No entanto, os tumultos e as guerras entre diferentes facções chinesas lançaram a sua existência no caos, correndo perigo de vida em diversas ocasiões. Essas experiências traumáticas contribuíram
de forma crucial para a formação da sua personalidade como pessoa e como escritora. Deram-lhe um conhecimento em primeira mão de todo o tipo de experiências e de situações vividas, que se tornaram a fonte de inspiração para os seus romances.





Em 1930 publicou o seu primeiro livro e no ano seguinte o best seller, The Good Earth, com o qual ganhou o prémio Pulitzer e que contribuiu de forma decisiva para se tornar na primeira mulher americana a ganhar o prémio Nobel da Literatura em 1938. Recebeu com surpresa e humildade o prémio, mas não se livrou das críticas provocantes e maliciosas dos seus pares masculinos e dos
críticos literários que, ressentidos, tudo fizeram para menosprezar e abafar a importância da sua obra. Essas críticas deveram-se ao simples facto de ter sido uma mulher a receber o prémio com escassos oito anos de carreira literária e que escrevia sobre temas orientais.

A sua popularidade e o número de exemplares vendidos das suas obras granjearam-lhe fama e notoriedade, que lhe permitiram ser ouvida e ter um grande papel interventivo em inúmeras matérias de cariz político e social, desde a defesa dos direitos dos African Americans, durante e após a Segunda Guerra Mundial, até à luta pela revogação da lei que impedia a imigração dos chineses.

A sua forte convicção na necessidade de promoção de contactos interculturais entre a Ásia e os Estados Unidos levou-a a fundar, em 1941, a East and West Association. Não é de surpreender que a acção política que PSB empreendeu, no que respeita à defesa dos direitos humanos e à promoção das relações entre a América e a Ásia, tenha conduzido o director do FBI, J. Edgar Hoover, a ordenar
a abertura de um ficheiro do Bureau. Iniciado em 1937, e atingindo cerca de trezentas páginas, o ficheiro serviu para documentar todas as actividades desta mulher que se evidenciou nas suas intervenções com atitudes potencialmente subversivas.






Preocupada com o destino sombrio das crianças asiáticas e Amerasian e com problemas de adopção, PSB fundou a Welcome House. Outro aspecto que a perturbou foi a necessidade de despertar a atenção dos americanos para as crianças com deficiência. Publicou a obra The Child Who Never Grew, baseada na história da sua própria filha deficiente, que alcançou um enorme impacto no
contributo para mudar o modo como a sociedade americana encarava as doenças
mentais.

PSB combateu, não apenas pelos direitos inalienáveis das crianças, sobretudo as menos favorecidas, tais como as deficientes e as Amerasian, mas também pela igualdade de direitos das mulheres, apelando inúmeras vezes durante os anos 30 e 40 pela criação de uma Equal Rights Amendment para as mulheres, numa altura em que a oposição a essa lei incluía a maioria dos grupos de mulheres
organizados.

A sua contribuição no combate à discriminação e ao racismo levaram-na a escrever um livro em parceria com Eslanda Robeson, American Argument, um diálogo sobre o racismo americano, tornando-a pioneira numa luta e numa época em que os intelectuais brancos ainda não tinham despertado para as injustiças cometidas por uma sociedade preconceituosa.

Tendo em conta a vida e obra de PSB, podemos afirmar tratar-se de uma personalidade multifacetada e polémica. Vítima constante de hostilidade política, foi atacada pela direita conservadora devido à sua luta no Civil Rights Movement, e pela esquerda pelas suas convicções anti-Comunistas, sendo criticada também pelas suas posições em prol dos direitos das mulheres.

Todo o seu percurso de vida foi determinante para moldar a sua personalidade e determinar as suas
atitudes. As obras de ficção que escreveu sobre a China e sobre o Oriente contribuíram de forma significativa para “abrir os olhos” e alargar os horizontes e as consciências dos americanos arrogantes e demasiado voltados para si próprios.

Gerações de leitores em todo o mundo descobriram, maravilhados, histórias sobre as populações de camponeses do mítico “Império do Meio” que contribuíram, de forma quase subliminar, para a mudança comportamental e de pensamento do povo americano, apontando caminhos para alterar a forma como os povos se relacionam e se aceitam, apesar das diferenças.

Após ter sido banida por Mao Tse Tung durante cerca de 30 anos, a obra de PSB está a ser descoberta pela China e a granjear elogios do meio académico chinês, que vê nela retratada a sua herança
cultural mais genuína.







Toda a sua produção literária é um ciclo que se inicia e termina de acordo com os parâmetros da cultura e pensamento chineses. Viveu duas realidades diametralmente opostas, numa existência devotada ao serviço dos outros e consagrada em alargar os horizontes da sociedade americana, sobre as injustiças sociais, raciais e sexuais, através da sua escrita e dos seus actos.

Teve também uma importância determinante na forma como os Estados Unidos da América passaram a encarar a China e as relações entre os povos.
A sua fé nas capacidades do ser humano era inabalável.
Tomara que houvesse mais pessoas a pensar desta forma:

"I feel no need for any other faith than my faith in human beings. Like Confucius
of old, I am so absorbed in the wonder of earth and the life upon it that I cannot
think of heaven and the angels... If there is no other life, then this one has been
enough to make it worth being born, myself a human being." PSB




Paulo Fernando Mascarenhas Franco





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