segunda-feira, 8 de abril de 2019

O Desespero Humano






Soren Kierkegaard, 
o primeiro filósofo existencialista, 
dinamarquês, 
que escreveu textos críticos sobre religião organizada, 
cristandade, moralidade, ética, psicologia, e filosofia da religião. 
Foi considerado o grande filósofo do séc. XIX.


Kierkegaard dizia que ansiedade/medo/angústia, dependendo do contexto, é o medo desenfreado. Usava o exemplo de um homem parado na beira de um edifício alto ou de um penhasco. A partir desta altura, ele podia ver todas as possibilidades da vida. Ele iria refletir sobre o que poderia acontecer se ele apenas se atirasse no poder de escolher. Enquanto ele fica lá, ele está na encruzilhada da vida, incapaz de tomar uma decisão e viver dentro dos seus limites. O simples facto de que alguém tenha a possibilidade e a liberdade de fazer e escolher algo, mesmo as mais terríveis das possibilidades, desencadeia imensos sentimentos de medo. E a isto ele chamou de "tonturas de liberdade".

No livro ”O Desespero Humano”, o meu livro preferido dele e que reli agora, ele fala do Eu Humano como uma composição de vários aspectos que devem ser levados ao equilíbrio consciente: o finito, o infinito, a consciência do "relacionamento dos dois para si mesmo" e uma consciência do "poder que postulava" o eu.

Os finitos (limitações como a morte, ou incapacidades do corpo) e o infinito (as capacidades que nos libertam de limitações, como a imaginação) sempre existem num estado de tensão. Essa tensão entre os dois aspectos do "eu" deve ser mantida em equilíbrio. Quando o eu está fora de equilíbrio, ou seja, tem a compreensão errada de quem é porque concebe muito de si mesmo em termos de suas próprias circunstâncias limitantes (e, portanto, não consegue reconhecer a sua própria liberdade para determinar o que deve ser), ou concebe muito de si mesmo em termos do que gostaria de ser (ignorando as suas próprias circunstâncias), essa pessoa está em desespero. Ele diz que alguém pode estar desesperado mesmo que se sinta perfeitamente feliz, ele diz que a forma mais comum de desespero é não ser quem tu és. O desespero não é apenas uma emoção. Num sentido mais profundo é a perda de si mesmo, ou seja, ele descreve o estado de desespero quando alguém tem a concepção errada de si mesmo.

No livro ele diz assim:
“Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente são, também se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio duma eventualidade exterior ou receio de si próprio; tal como os médicos dizem de uma doença, o homem traz em estado latente uma enfermidade, da qual, num relâmpago, raramente um medo inexplicável lhe revela a presença interna.”

O indivíduo só se pode libertar do desespero acreditando em si próprio, isso coloca as qualidades infinitas, e finitas do indivíduo em equilíbrio, e ele pode reconhecer o que sempre esteve lá: um eu verdadeiro, isto é, o indivíduo reconhece-se, e pára de idolatrar ídolos que eram usados como substitutos de si próprio.
Tudo está dentro de nós!
Não precisamos de procurar fora.

Ele tem uma frase que diz assim:
"Quando em torno de um tudo se tornou silencioso, solene como uma noite clara e estrelada, quando a alma vem a estar sozinha no mundo inteiro, então atrás de você aparece, não um ser humano extraordinário, mas o próprio poder eterno, os céus se abrem, então o eu escolhe a si mesmo ou, mais corretamente, se recebe. Dessa forma a personalidade recebe o elogio da cavalaria que o enobrece pela eternidade. O cavaleiro da fé é o único homem feliz, o herdeiro do finito, enquanto o cavaleiro da resignação é um estranho e um alienígena" 

No prefácio do livro ele diz assim:
“O papel principal do saber filosófico é “ousarmos ser nós próprios, ousarmos ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, isolado na imensidade do seu esforço e da sua responsabilidade.”

Ou seja, ele não visaria “satisfazer uma humana curiosidade”, mas sim ser capaz de mostrar o único caminho para a verdadeira edificação humana. Esse caminho é único simplesmente porque tudo o que possa visar essa edificação ou a verdadeira salvação só podem percorrer também o mesmo caminho.
Mas, vem logo à tona as questões:

  • A que exatamente visa esse caminho?
  • Do que ele pretende salvar-nos?
  • É realmente necessária essa salvação?


O caminho de salvação sobre o qual fala Kierkegaard visa a descoberta do que cada um deve fazer de seu ‘si próprio’; esse caminho pretende salvar-nos de uma doença chamada desespero, que, segundo o autor, acomete a todos, sem exceção; e, sim, essa salvação é necessária.

Segundo ele, o desespero é “a doença e não o remédio;” “morrer para o mundo é o remédio.” Ou seja: todos nós somos desesperados e o único remédio para isso é morrer para o mundo. Kierkegaard interpreta que, enquanto desesperados, nós morremos aos poucos. Se nós morrermos de uma só vez, isso nos libertaria para sermos nós mesmos.
Vivemos no desespero justamente na medida em que buscamos aplacar esse desespero voltando-nos para fora, para o mundo que incessantemente traz novidades. Ao seguir esse movimento “para fora”, nós apenas aprofundamos cada vez mais o mesmo desespero.

A única via de saída desse movimento é, então, morrer para o mundo.
Mas, podemos perguntar: em que consiste exatamente essa morte?
Nas palavras de Kierkegaard: Visto que na linguagem humana a morte é o fim de tudo, enquanto há vida há esperança.
Isto é: a morte, na linguagem dele, consiste justamente numa espécie de desfazer-se das tentações ordinárias, que nos tiram de nós mesmos. Morrer, nesse sentido, seria parar essas tentações. Isto porque enquanto estamos presos a essas requisições, elas podem mesmo parecer necessárias, constitutivas do nosso ser, quando, realmente, não o são.

Vem ao caso a pergunta:
Como distinguir entre as requisições ordinárias e as que realmente se mostram como necessárias na vivência em comunidade?
Kierkegaard é claro ao fazer essa distinção: tudo aquilo que corrobora com o desespero é ordinário.
Ele aqui, parece apontar para uma certa experiência: para aqueles que não a viveram, tudo é uma doença mortal, para quem passa por essa experiência “nada é uma doença mortal”. Isto é resumido na seguinte passagem: “o homem natural pode enumerar à vontade tudo o que é horrível – e tudo esgotar,(...) o homem natural treme do que não é horrível.

Kierkegaard faz, então, a sua definição do homem:
“O homem é espírito. Mas o que é espírito? É o eu. Mas, nesse caso, o eu? O eu é uma relação, que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas consigo própria. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele consiste no orientar-se dessa relação para a própria interioridade. O eu não é a relação em si, mas sim o seu voltar-se sobre si própria, o conhecimento que ela tem de si própria depois de estabelecida. O homem é a síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese. Uma síntese é a relação de dois termos. Sob este ponto-de-vista, o eu não existe ainda.”

Isto é, Kierkegaard compreende que nós somos um voltar-se para dentro. Esse, por sua vez, não é nada mais do que um terceiro elemento, que reúne os outros dois - finito e infinito, temporal e eterno, liberdade e necessidade. A esse voltar-se, ele dá o nome de eu. Esse ´eu´, contudo, ainda não existe, ou seja, ele é o elemento transcendente que nos constitui. Ele não se dá simplesmente como algo já existente ou já constituído, mas, sempre, como algo, a vir a ser constituído. Segundo Kierkegaard, “daí provém que haja duas formas do verdadeiro desespero”: a vontade desesperada de sermos nós próprios e a vontade de não sermos nós próprios.

A respeito da nossa constituição transcendente, que não somos nada em específico, mas sim um movimento de vir a ser a partir do infinito e do finito, do eterno e do temporal, o problema é que, para chegar a essa verdade, é necessário levarmos à morte tudo aquilo que insiste em dizer que nós somos um algo “em específico”.
É por isso que Kierkegaard assume como sendo o caminho próprio da salvação o aforismo socrático “Conhece-te a ti mesmo”.
Esse conhecer é tanto o caminho da salvação quanto propriamente o elemento transcendente constitutivo de todos nós. Sendo constitutivo da essência humana, a transcendência acontece sempre, mas, no entanto, poucos são aqueles que conseguem estar sempre despertos para essa essência, devendo a filosofia, segundo Kierkegaard, sempre nos lembrar disso, como o único remédio para a doença, que pode levar à morte, chamada desespero.

Kierkegaard foi o primeiro que de uma maneira explicita colocou as questões existencialistas como principal foco do exame filosófico da vida humana. Todo o seu pensamento é desenvolvido a partir do seu íntimo, onde encontra os elementos considerados por ele como importantes para a sua filosofia. O resultado do seu pensamento foi uma novidade para a época, porque estava muito mais de acordo com as suas experiências do que com outras teorias anteriores ao seu tempo.

Segundo Kierkegaard, o homem tem que renunciar a si mesmo para superar as limitações que a realidade lhe impõe e assim aceder ao transcendente e à verdadeira individualidade. Neste sentido, realçou o existir concreto de um homem que anseia pela transcendência focando, consequentemente, os sentimentos de angústia e desespero inerentes a tal condição.

Ele partiu da ideia de que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e vivê-la de maneira íntegra, sincera e apaixonada, mesmo com os inúmeros obstáculos que podem surgir.
E assim surgiu o existencialismo!

O existencialismo rejeita a ideia de alma imutável, dando ao indivíduo o papel de construtor da sua própria realidade. Toda a sua energia se transformou em inspiração para a produção literária que aborda temas diversos da existência humana.

Kierkegaard, tal como Fernando Pessoa, escreveu sempre com pseudónimos.
Todas as suas obras foram publicadas com pseudónimos como: Victor Eremita, Johannes de Silentio, Climacus, entre outros, possivelmente para se proteger do conflito que tinha com o bispo da Igreja Luterana.



Arriscar-se é viver

Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão para o outro é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor o seu eu verdadeiro.
Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor as suas ideias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.
Viver é arriscar-se a morrer...
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar.

Mas... é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada...

Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar a evitar o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver...
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas;
Abrem mão da sua liberdade.
Só a pessoa que se arrisca é livre...

Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.
Não se arriscar é perder a vida...


Soren Kierkegaard






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