quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Um Nobel para os “sons” do espaço





Einstein acertou outra vez.
Foi há mais de 100 anos que Albert Einstein nos apontou o caminho das ondas gravitacionais pela primeira vez - mas foi preciso chegar a 2015 para alguém as detectar pela primeira vez.
O trio de físicos que há décadas andava atrás delas viu agora o seu esforço reconhecido ao mais alto nível, com um Nobel da Física.
Carlos Fiolhais, espanta-se com uma das proezas mais notáveis da física contemporânea.



A observação das ondas gravitacionais na Terra 
é uma das proezas mais notáveis 
da física contemporânea.




As ideias físicas de Einstein apresentadas no início do século XX diferem muito daquelas que Newton tinha proposto no século XVII.

Para Newton, o espaço e o tempo eram universais e eternos. Nesses vastos e imperturbáveis cenários manifestavam-se as forças de atracção gravitacional, descritas por uma fórmula simples. Sobre a natureza dessa força, Newton declarou que “não fazia hipóteses”.

Mas Einstein, na sua teoria da relatividade geral de 1915, fez uma hipótese: a força da gravidade era a deformação do espaço e do tempo, os dois interrelacionados, causada pela presença de massa e energia. A observação astronómica revelou que, no domínio das grandes massas, Einstein estava certo em vez de Newton: a primeira e também a mais famosa dessas observações foi realizada por duas equipas britânicas durante um eclipse solar em 1919 na ilha do Príncipe, então colónia portuguesa, e em Sobral, no norte do Brasil.


Einstein não parou as suas investigações sobre a força da gravidade depois de ter chegado às equações da relatividade geral.
Num artigo de 1916 conjecturou que existiam ondas gravitacionais, semelhantes às ondas electromagnéticas (ou radiação ou luz), conhecidas desde meados do século XIX. Uma oscilação de uma massa deveria abanar a geometria do espaço e do tempo propagando-se a grandes distâncias, tal como uma oscilação de uma carga espalha luz em redor. Para o efeito ser apreciável era preciso que a massa em vibração fosse muito maior do que a do Sol. De início, Einstein não acreditou totalmente na realidade das suas ondas gravitacionais, pois receou tratar-se de um artifício matemático. Faleceu em 1955 sem ter a certeza da existência das ondas que tinha previsto.

As ondas gravitacionais manifestaram-se indirectamente com a descoberta, em 1974, de um sistema binário formado por estrelas pesadas, chamadas estrelas de neutrões, pelos americanos Russel Hulse e Joseph Taylor Jr., que ganharam o Nobel da Física de 1993. Uma parte da energia escapava das estrelas provavelmente sob a forma de ondas gravitacionais. Mas, faltando uma observação directa, foram propostas engenhosas experiências.

Verificou-se que as ondas gravitacionais eram mesmo reais precisamente cem anos após a ideia de Einstein. A 11 de Fevereiro de 2016, os media de todo o mundo anunciavam a extraordinária descoberta, fazendo eco de um artigo da equipa da experiência LIGO, com cerca de mil autores, que relatava a recolha das ondas em duas instalações gémeas no noroeste e no sul dos Estados Unidos, separadas por mais de 3000 quilómetros. Era precisa uma observação simultânea nos dois lados já que, como os sinais eram extremamente ténues, tinham se ser excluídas perturbações com uma origem terrestre e não extraterrestre. Cada instalação possui "antenas", em forma de L, com braços de quatro quilómetros, onde se pode medir através de um feixe laser o afastamento entre pares de espelhos. Ora esses espelhos abanaram um bocadinho durante uma fracção de segundo, no dia 14 de Setembro de 2015. Ou melhor, o espaço entre eles oscilou.
O sinal, que já foi comparado a um chilrear, foi o mesmo nos dois sítios: só um match perfeito permitiria concluir que a emissão era remota. Simulações computacionais indicaram que as ondas em causa eram devidas à fusão de dois buracos negros, cada um deles com cerca de 30 vezes a massa do Sol, à distância de mais de mil milhões de anos-luz de nós. Buracos negros, descritos pela teoria da relatividade geral, são as estrelas mais pesadas que se conhecem. A observação das ondas gravitacionais na Terra, revelando um acordo bastante bom entre teoria e experiência, é uma das proezas mais notáveis da física contemporânea.

A Academia Sueca acaba de distinguir (3/10/2017) com o Nobel da Física os responsáveis maiores por essa observação pioneira, que já foi repetida por mais três vezes (uma das quais há poucos dias, com a participação de um observatório em Itália).
O prémio foi para os americanos Brian Weiss, Barry Barish e Kip Thorne (o físico que ajudou no filme Interstellar). 

Até agora só víamos o céu através de luz, visível ou invisível. 
Mas agora passámos a recolher as vibrações do próprio espaço. 
Se antes só tínhamos olhos para o céu, passámos a ter também "ouvidos”.



Carlos Fiolhais






Por que as ondas gravitacionais são importantes?


O trabalho do grupo de pesquisadores do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (Ligo) representou o início de uma nova era para a astronomia. Alguns compararam a comprovação da teoria com o momento em que Galileu observou os planetas com um telescópio.

"A descoberta deles abalou o mundo", disse Goran Hansson, chefe da Real Academia Sueca de Ciências.

As ondas gravitacionais são pequenas ondulações provocadas no tecido do espaço-tempo quando um corpo com massa é acelerado. Elas podem ser comparadas às ondas que se formam na água após o arremesso de uma pedra.

O deslocamento de um corpo com massa se dá após acontecimentos muito violentos, como uma colisão de galáxias e a fusão de dois buracos negros. 
Einstein havia previsto que os objetos que se movem no Universo produzem ondulações que se propagam no espaço-tempo, distorcendo-o.

Até a descoberta dos cientistas americanos, não havia evidência concreta da existência das ondas gravitacionais, que distorcem o espaço-tempo e se propagam à velocidade da luz.

A equipe de astrofísicos usou dois novos e potentes detectores de 1,1 bilhão de dólares para medir uma onda gravitacional formada pela fusão de dois buracos negros numa galáxia distante 1,3 bilhão de anos-luz da Terra. Um dos detectores está localizado em Livingston, no estado da Luisiana, e o outro em Hanford, Washington. O feito ocorreu em 14 de setembro de 2015.

Esta foi a última grande previsão da Teoria da Relatividade que ainda não havia sido comprovada.


Marco na astronomia

A comprovação da existência das ondas gravitacionais encerra a busca por provas de uma parte importante da teoria de Einstein, a única que ainda não havia sido provada.

A certeza de que as ondas gravitacionais de fato existem altera a compreensão que os cientistas têm do Universo, principalmente de conceitos fundamentais, como espaço, tempo e gravidade.
Se as ondas gravitacionais podem ser detectadas, isso permite ampliar os conhecimentos sobre estrelas, galáxias e buracos negros distantes, com base nas ondas por eles produzidas.


Segundo a teoria de Einstein, todos os corpos em movimento emitem essas ondas que, como uma pedrinha que afeta a água quando toca nela, produz perturbações no espaço.
A Teoria da Relatividade de Einstein é um pilar da física moderna que transformou nosso entendimento do espaço, do tempo e da gravidade. E por meio delas entendemos muitas coisas: da expansão do Universo até o movimento dos planetas e a existências dos buracos negros.


Essas ondas gravitacionais são basicamente feixes de energia que distorcem o tecido do espaço-tempo, o conjunto de quatro dimensões formado por tempo e espaço tridimensional.
Assim, qualquer massa em movimento produz ondulações nesse tecido. Até nós mesmos.

E Einstein previu que o Universo estava inundado por essas ondas. 
Esse efeito, no entanto, é muito fraco, e apenas grandes massas, movendo-se sob fortes acelerações, podem produzir essas ondulações em um grau razoável.
Assim, quanto maior essa massa, maior é o movimento e maior são as ondas.
Nessa categoria entram explosões de estrelas gigantes, a colisão de estrelas mortas superdensas e a junção de buraco negros.
Todos esses eventos devem irradiar energia gravitacional na velocidade da luz.

Os pesquisadores trabalhavam há anos para detectar as minúsculas distorções causadas quando as ondas gravitacionais passam pela Terra.
Os detectores nos Estados Unidos – localizados no Ligo – e na Itália (conhecido como Virgo) são ambos formados por dois túneis idênticos em forma de L, de 3 km de largura.




Neles, um feixe de laser é gerado e dividido em dois – uma metade é disparada num túnel, e a outra entra pela segunda passagem.
Espelhos ao final dos dois túneis rebatem os feixes para lá e para cá muitas vezes, antes que se recombinem. Se uma onda passa pelo túnel, ela vai distorcer levemente seu entorno, mudando a longitude dos túneis em uma quantidade diminuta (apenas uma fração da largura de um átomo).
E a forma como as ondas se movem pelo espaço significa que um túnel se estira e outro se encolhe, o que fará com que um raio laser viaje uma distância levemente maior, enquanto o outro fará uma viagem mais curta.
Como resultado, os raios divididos se recombinam de uma maneira diferente: as ondas de luz interferem entre si, em vez de se cancelarem.
Essa observação direta abre uma nova janela para o cosmos, uma janela que não seria possível sem Einstein.

Os objetos também emitem essas perturbações que acabaram de ser detectadas, mas a partir de agora os físicos poderão olhar os objetos com as ondas eletromagnéticas e escutá-los com as gravitacionais.

"Agora, o que se tem são sentidos diferentes e complementares para estudar as mesmas fontes. E com isso podemos extrair muito mais informações", disse à BBC Alicia Sintes, do departamento de física do Instituto de Estudos Espaciais da Catalunha, na Espanha, que participou do projeto.
"Não estamos a falar de expandir um pouco mais o espectro eletromagnético, mas de um espectro totalmente novo."

A especialista afirma as ondas eletromagnéticas dão informações sobre o Universo quando ele tinha 300 mil anos de idade.
"Já com as ondas gravitacionais, pode-se ver as (ondas) que foram emitidas quando o Universo tinha apenas um segundo de idade."
É isso que será possível estudar a partir de agora.

Outro impacto diz respeito aos buracos negros:
o nosso conhecimento sobre a existência deles é, na verdade, bastante indireto.
A influência gravitacional nos buracos negros é tão grande que nem a luz escapa de sua força. Mas não podemos ver isso em telescópios, só pela luz da matéria sendo partida ou acelerada à medida que chega muito perto de um buraco negro.
Já as ondas gravitacionais são um sinal que vem desses objetos e carrega informações sobre eles. Nesse sentido, pode-se até dizer que a recente descoberta significa a primeira detecção direta dos buracos negros.


Qual o efeito causado por essas ondas na Terra?
Quando as ondas gravitacionais passam pela Terra, o tempo-espaço que o nosso planeta ocupa deve alternar-se entre  esticar-se e  comprimir-se ( expandir-se e comprimir-se).
Pense num par de meias: quando você as puxa repetidas vezes, elas se alongam e ficam mais estreitas.
Os interferêmetros do Ligo, aparelhos usados para medir ângulos e distâncias aproveitando a interferência de ondas eletromagnéticas, procuraram esse estiramento e compressão por mais de uma década.
A expectativa era a de que ele detectaria distúrbios menores do que uma fração da largura de um próton, a partícula que compõe o núcleo de todos os átomos.

Qual pode ser o impacto dessa descoberta?
É fácil especular que as maiores revelações virão de áreas cujas dúvidas nem sequer foram levantadas. Sempre foi esse o caso quando novas técnicas de observação são descobertas.
Mas considere agora só a Teoria da Gravidade. 
Por mais brilhante que Einstein fosse, sabemos que as suas ideias estão incompletas.

A teoria da Relatividade descreve o Universo muito bem em escalas amplas. 
Mas, para domínios menores, temos de recorrer a outras teorias.
Assim, não há uma quantificação da Teoria da Gravidade. 
Para chegarmos lá, temos de investigar lugares com gravidade extrema: os buracos negros.
É lá que rotas para explicações mais complexas podem ser encontradas, nos desvios que as ondas gravitacionais mostraram.


Jonathan Amos




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