quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Globalização





Com a Globalização, há sempre quem ganhe e quem perca. 
Até um certo ponto, o próprio conceito de globalização assenta no favorecimento dos sectores mais competitivos, ao mesmo tempo que afasta as pessoas dos sectores menos competitivos — ou seja, a globalização tende sempre a oferecer mais oportunidades aos cidadãos mais competitivos e a aumentar a competição para os cidadãos menos competitivos. Mas os ganhos de uns superam as perdas de outros, e com as medidas certas a nível nacional todos podem progredir. Por isso, quando existe um progresso geral, talvez possamos dizer que toda a gente é beneficiada mas, per se, a globalização só é directamente vantajosa para os mais competitivos. O progresso está exactamente na transferência de recursos dos sectores menos competitivos para os mais competitivos. Sempre foi assim, simplesmente isso ocorre agora de maneira mais rápida e mais óbvia.

Hoje conseguimos olhar para o efeito da globalização na economia com um grau de detalhe muito maior. Antes, havia a tendência para aglomerar os sectores, e a competição media-se pelos bens que cruzavam fronteiras. Portanto, analisava-se os ganhos e as perdas pelo prisma de todo o processo de produção de um determinado bem material. Agora, dado que a globalização permite a fragmentação dos processos de produção, é possível analisar as várias etapas dos processos de produção. Mais recentemente, começámos mesmo a observar esses efeitos a nível do indivíduo, porque passou a ser possível competir individualmente na economia global. Tanto podemos perder o emprego para um qualquer departamento informático na Índia, como podemos beneficiar deste contexto.

A “terceira onda da globalização”.
Os avanços na tecnologia das comunicações e no processamento de informação, as tecnologias de disrupção digital, estão a fazer com que seja mais fácil às pessoas prestarem os seus serviços remotamente. Por exemplo, empresas americanas contratam programadores que vivem no Paquistão ou na Ucrânia, e que fazem o seu trabalho de lá. Isso é uma tendência cada vez mais generalizada, mesmo dentro dos países, à medida que as empresas vão mudando a maneira como trabalham. As hierarquias vão-se reduzindo e o trabalho organiza-se em projectos independentes. Tudo isso faz com que seja mais fácil a participação de pessoas que não estão fisicamente no local de trabalho. O passo seguinte é um trabalhador de uma empresa da Baixa de Lisboa não estar nos subúrbios de Lisboa, mas no Quénia. O trabalho remoto e o teletrabalho estão a internacionalizar-se e essa “terceira onda” da globalização, que se aplica aos serviços e não só à produção (que irá continuar a desenvolver-se, como até aqui), é a face mais visível da mudança de paradigma, e irá manifestar-se, por exemplo, numa competição salarial directa com estrangeiros.

A economia está a mudar a um ritmo mais acelerado.
A tecnologia cada vez mais desenvolvida, nomeadamente a digital, faz com que os produtos percam a relevância e até a utilidade de ano para ano — as modas e as tecnologias evoluem muito rapidamente. A noção de que é preciso manter os postos de trabalho como forma de proteger os trabalhadores é uma falácia, não funciona assim. A alternativa, que é onde se baseia o conceito de flexicurity, é um modelo assente numa espécie de contrato social, pelo qual quando se perde o emprego — seja devido à globalização, à automação, à idade ou a mudanças climáticas, o que seja — o Estado e a sociedade têm a obrigação de ajudar o trabalhador a ajustar-se à nova realidade. Pode não funcionar para toda a gente, mas é um modelo que pelo menos dá uma oportunidade aos menos favorecidos: todos estão na mesma “equipa”, vencedores e vencidos. Isto é a maneira de nos focarmos nos trabalhadores, em vez de nos postos de trabalho. A maneira antiga, as tentativas de protecção da indústria têxtil ou do calçado, acabou. Pode adiar os problemas por uns meses ou um ano, mas já não funciona.

Vai ocorrer uma revolta social contra a tecnologia, vejo isso a acontecer nos próximos três a cinco anos. 
Da mesma forma que apontamos o dedo à China ou ao islão ou aos imigrantes, creio que vamos começar a ver as pessoas a culparem a tecnologia. Um bom exemplo é a Uber e as reacções que tem provocado. Hoje em dia, a maior parte das pessoas olha para estas questões como histórias interessantes e isoladas, mas daqui a pouco tempo será mais óbvio que tudo isto está relacionado, que a tecnologia está a mudar o mundo, e que nós como sociedade temos de abrandar e assumir o controlo.

Há muitos caminhos possíveis para o longo prazo, nomeadamente no que se refere aos impostos e ao desenvolvimento da tecnologia. Se a tecnologia evoluir como os caminhos-de-ferro, em que há uma rede detida apenas por uma empresa, então vamos ter um problema, porque essa empresa terá tanto poder que mesmo o poder político não terá legitimidade para lhe exigir um imposto de 90%. Mas também pode evoluir para um sistema como o dos carros, em que cada pessoa é proprietária do seu, descentralizando assim essa realidade económica. Ainda não é certo como se vai processar esta evolução, mas no entretanto é nosso dever fazermos com que todo esse poder não se concentre na mão de umas poucas empresas, principalmente estrangeiras. Não sou totalmente contra o investimento estrangeiro, mas se a Google e a Amazon fizerem tudo para toda a gente do mundo, isso será um problema para a Europa e para a Ásia e para todos os outros continentes.


Creio que um bom ponto de partida são os sistemas que temos actualmente no Canadá e na Europa.
As pessoas vão ter de mudar de emprego mais vezes, mas esse elemento-base de mudar de emprego e procurar um novo trabalho não é nada de revolucionário, são apenas as mudanças sociais a acontecerem mais rapidamente. A UE deveria intervir mais em termos de educação e formação, e não em estradas e aeroportos desnecessários. Reagir à globalização com uma estratégia baseada nas infra-estruturas é próprio de uma lógica centrada na produção e na construção. Mas esta globalização afecta também os outros sectores, e isso torna as coisas muito diferentes. É por isso que defendo uma reforma das políticas regionais, das quais um exemplo seria as políticas agrícolas. Creio ser um erro esperar que a UE resolva os problemas de cada país, porque 99% dos problemas são nacionais. Primeiro é preciso pôr a nossa casa em ordem. Não quer dizer que não haja possibilidade de medidas supranacionais, como políticas agrícolas comuns, mas todo esse dinheiro tem de ser canalizado para outras prioridades.

A curto prazo, a tecnologia e a globalização de que falo vai ser muito disruptiva para os países desenvolvidos e uma boa oportunidade para os países em desenvolvimento, em especial para as pessoas dos países de rendimento médio que têm talentos e competências que são reconhecidas a nível internacional. Mas se formos mais longe e com maior dimensão, estas alterações significam que vamos passar menos tempo dos nossos dias a falar com pessoas que estão ao pé de nós e mais tempo a falar com computadores e pessoas que estão mais longe. E acho que isso vai mudar a estrutura da sociedade. As comunidades são baseadas em trocas frequentes entre as pessoas. E já o vemos. Por exemplo, as crianças já passam mais tempo nos ecrãs do que a falar uns com os outros. E isso já está a mudar a natureza. Daí que a longo prazo seja importante evitar a desumanização de falar demasiado com os computadores.

Não tenho a certeza que haverá um cenário no qual o computador assume o comando.
O que acontece é que existem bases de dados nas quais os assuntos e os resultados são claros e depois prevêem um modelo estatístico muito grande para que isso possa funcionar. Com tradução de linguagem, tradução de carateres óticos, reconhecimento de fotografia, mas os computadores não podem tomar uma decisão mais generalizada, não têm discernimento. Por isso não me preocupo com os computadores assumirem o comando. Acho que a mudança explosiva está nos empregos no setor dos serviços, porque há muitas pessoas que são essencialmente trabalhadores de linhas de montagem para produção. Ou seja, reúnem um determinado conhecimento, inserem-no numa base de dados, acrescentam-no e depois partilham a informação. É como uma linha de montagem numa fábrica mas com conhecimento. E os computadores conseguem fazer parte desse trabalho e estão a ficar melhores. Penso que todas essas pessoas serão substituídas e que o ritmo duplica a cada dois anos. É um crescimento explosivo. Nas fábricas, aquilo que começou há 20 anos vai continuar nos próximos 20 e tudo acabará por ser automático.

O que me preocupa é que a perda de trabalho aconteça mais depressa que a substituição e se isso acontecer teremos nos próximos três a cinco anos uma sublevação contra a tecnologia. Esta nova tecnologia, digital, é no essencial processamento, armazenamento e transmissão de informação e está a duplicar a este ritmo explosivo. Muita desta tecnologia está a ser usada para substituir trabalhadores e esse modelo de negócio, chamado Robotic Process Automation (RPA), é de substituição de trabalhadores. Por isso a perda de empregos é uma certeza. A substituição de empregos não o é. Mas há umas poucas coisas que vêm com isso. A primeira é o maremoto digital. As mesmas leis estão a criar quantidades de informação e essa informação requer tanto robôs como pessoas. Algumas das aplicações mais avançadas do RPA têm a ver com o facto de, por exemplo, na banca, a maioria das pessoas estar online. E esse serviço não seria possível só com pessoas. A segunda coisa é que está a tornar o “repatriamento” dos empregos dos setores dos serviços viável. Em vez de serem deslocalizados para a Índia, fazem-se a nível local, parte com pessoas, parte com Inteligência Artificial (IA). É por causa de a IA os tornar tão bons que são competitivos em relação à Índia. O terceiro aspeto é o que eu gosto de chamar criação da própria procura. Muitas dessas aplicações de IA, como as sugestões da Amazon ou da Netflix, são grátis. Mas acabarão por criar uma procura que teremos de vir a pagar e apesar de serem feitas por computador, há alguns empregos associados a estas. Estes três aspetos destroem empregos, mas também os criam.

Acho que os bancos centrais poderão criar criptomoedas, com regras claras, conhecimento do responsável último. Isso deverá acontecer. Quase de certeza que nos vamos tornar uma sociedade sem dinheiro físico.



Richard Baldwin
in, “The Great Convergence: Information technology and the New Globalisation”






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