quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Arte de Amar


“A concentração é bem mais difícil de praticar em nossa cultura, em que tudo parece agir contra a capacidade de concentrar-se.
O passo mais importante no aprendizado da concentração é aprender a ficar só consigo mesmo, sem ler, sem ouvir rádio, sem fumar, sem beber.
Na verdade, ser capaz de concentrar-se significa ser capaz de ficar só consigo mesmo — e esta capacidade é precisamente uma condição da capacidade de amar.
Se me ligo a outra pessoa porque não posso suster-me por meus próprios pés, ele ou ela podem ser um salva-vidas, mas a relação não é a de amor.

Paradoxalmente, a capacidade de ficar só é a condição da capacidade de amar. 

Quem quer que tente ficar só consigo mesmo descobrirá quão difícil isso é.
Começará a sentir-se inquieto, nervoso, ou mesmo a experimentar considerável ansiedade.
Estará disposto a racionalizar sua má vontade em continuar com essa prática pensando que ela não tem valor, é simplesmente tola, toma muito tempo, e assim por diante.
Observará também que lhe vêm à mente todas as espécies de pensamento, que tomam conta dele.
Ver-se-á a pensar em seus planos para o resto do dia, ou numa dificuldade no trabalho que tem a fazer, ou aonde ir à noite, ou em qualquer número de coisas que lhe encherão a mente — em lugar de permitir que ela se esvazie.
Seria útil praticar uns poucos e muito simples exercícios como, por exemplo, sentar-se em posição repousada (nem espreguiçada, nem rígida), fechar os olhos e tentar ver em frente deles uma tela branca, tentar remover todos os pensamentos e imagens que interferem, tentar acompanhar a própria respiração; não pensar a respeito dela, nem forçá-la, mas simplesmente acompanhá-la — e, ao fazê-lo, senti-la; tentar, além do mais, ter o senso do seu “Eu”; eu = mim mesmo, como o centro de minhas forças, como o criador de meu mundo.
Dever-se- ia, pelo menos, fazer esse exercício de concentração todas as manhãs durante vinte minutos (se possível, mais) e todas as noites antes de deitar-se. ”.

~ Erich Fromm 
in, “A Arte de Amar”, pg 84


“A solidão é a doença do nosso tempo“, 
disse recentemente Thich Nhat Hanh. 

Para uns, o evitar de estar sozinho pode-se manifestar ao ligar a tv para que ela "fale" sozinha e “dar a impressão de ter alguém em casa”, para outros na necessidade de programar um encontro no fim-de-semana para evitar que se fique sozinho em casa no sábado ou domingo, ou ainda qualquer evento desportivo ou cultural “porque se não ficaria em casa sem fazer nada”, para outros ainda talvez se manifeste a ir constantemente ver o telemóvel para evitar o silêncio ou o vazio (Louis C.K. fala disto), ou mesmo procurar numa relação conjugal o preenchimento do desconforto de estar sozinho.
Há várias maneiras de sentir e evitar, das menores às maiores, e talvez a mais moderna de todas seja estar ocupado.

"estamos ocupados e ficamos ocupados o dia todo para nos conectarmos, mas isso não ajuda, não reduz a quantidade de solidão em nós”, 
diz Thich Nhat Hanh.

Neste texto o psicólogo, sociólogo e filósofo alemão Erich Seligmann Fromm (1900-1980) também parece estar a falar de algo parecido com a meditação.
Além de falar em “concentração“, também fala a respeito de “muito simples exercícios como, por exemplo, sentar-se em posição repousada (nem espreguiçada, nem rígida), fechar os olhos e tentar ver em frente deles uma tela branca, tentar remover todos os pensamentos e imagens que interferem, tentar acompanhar a própria respiração“.

A concentração pode ser um aliado na meditação, já que a mente do homem ocidental parece estar cada vez mais errática e dispersa, mas não há um real medicamento para este evitar da solidão, a não ser enfrentá-la, ficar a sós naturalmente.
Com tudo o que aparece.

Fromm fala em “ficar só sem ler, sem ouvir rádio, sem fumar, sem beber”, e podemos juntar “sem TV, sem Internet, sem telemóvel, sem cão, sem gato” etc...

Isso caso, quisermos ser capazes de amar.

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