sexta-feira, 16 de setembro de 2022

O gosto humilde da tristeza


Engin Akyurt






 Quando perderes o gosto humilde da tristeza, 
Quando, nas horas melancólicas do dia, 
Não ouvires mais os lábios da sombra 
Murmurarem ao teu ouvido 
As palavras de voluptuosa beleza 
Ou de casta sabedoria; 

Quando a tua tristeza não for mais que amargura, 
Quando perderes todo estímulo e toda crença,
- A fé no bem e na virtude, 
A confiança nos teus amigos e na tua amante, 
Quando o próprio dia se te mudar em noite escura 
De desconsolação e malquerença; 

Quando, na agonia de tudo o que passa 
Ante os olhos imóveis do infinito, 
Na dor de ver murcharem as rosas, 
E como as rosas tudo o que é belo e frágil, 
Não sentires em teu ânimo aflito 
Crescer a ânsia de vida como uma divina graça; 

Quando tiveres inveja, quando o ciúme 
Crestar os últimos lírios de tua alma desvirginada; 
Quando em teus olhos áridos 
Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas 
Em que se amorteceu o pecaminoso lume 
De tua inquieta mocidade: 

Então, sorri pela última vez, tristemente, 
A tudo o que outrora 
Amaste. Sorri tristemente... 
Sorri mansamente... em um sorriso pálido... pálido 
Como o beijo religioso que puseste 
Na fronte morta de tua mãe... sobre a tua fronte morta...


Manuel Bandeira




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