Terei eu também de aceitar o estigma com que esses demónios me
marcaram, de que todo aquele que arrancar a máscara da esfinge terá de
cometer um crime contra a própria natureza?
...
Difícil é esgrimir contigo usando estas palavras que os mortais fabricam
para comunicarem. Porque tu decifraste o enigma da esfinge e por isso és
conhecido como sábio. Mas queres o conselho dum pobre homem que só tem
o dom da vidência quando os deuses se lembram dele, escuta: se quiseres que
as tuas razões prevaleçam sobre a razão dos aedos não empregues a sabedoria.
São as suas almas que comunicam com os deuses. Por isso dizemos deles que
são homens sem cabeça.
...
A verdade é que eu não vim a Tebas nem para ser rei nem para ser cego.
E ambas as coisas terei de suportar com ânimo de rei.
...
O caso é que um trono não se obtém de graça. Para chegar a ele quase
todos contraem a cegueira da alma. É uma cegueira que eles provocam para
que o coração não seja um hóspede demasiado importuno no peito dum
monarca.
...
Cegueira! Crês verdadeiramente que eu seja cego? Haverá de facto
cegueira no mundo? Não será sempre a mesma luz que nos pertence por
direito de nascença e que voltamos para dentro de nós quando as pálpebras se
fecham sobre as formas supérfluas do nosso sentir? Já pensaste, minha bem
amada, que os cegos trazem dentro de si, intacto, esse clarão, que só anima as
coisas essenciais porque o não desperdiça a volubilidade das pupilas?
...
Não há regresso. Na verdade, nenhuma viagem nos permite verdadeiro
regresso. O retorno é apenas mais uma cadeia do nosso constante progresso.
...
Dum só golpe eu desatei o nó sagrado da família. Nem um ramo deixei
de pé. Quando mergulhares a ponta desta espada no peito do teu filho, punirás
duma só estocada o parricida que te fez viúva, o filho incestuoso que te
arrastou ao crime e o irmão assassino que provocou a orfandade dos teus
filhos.
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Que faz a Rainha? Em vez de embeber a espada no coração
do Rei, fere com a ponta da lâmina as pupilas atónitas do amante. Poderão os
dois pôr uma pedra sobre o pecado e regressarem depois à inocência?
...
Sófocles
in, Édipo Rei
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