sexta-feira, 23 de setembro de 2022

EU, YALOM

 

Irvin D. Yalom





Michael tinha ganhado, recentemente, um importante prémio internacional de ciência.
“Provavelmente consegue adivinhar o que me aconteceu em seguida:
Uma descarga de orgulho, demasiado rápida, e depois, vaga após vaga de dúvidas ansiosas. O mesmo de sempre – lá no fundo, sou superficial.”
(…)…a falta de um Mentor significativo na infância.
Falou bastante acerca do quanto invejava as pessoas colocadas sob a asa e acarinhadas por uma outra pessoa mais velha, ao passo que ele tivera de trabalhar quase sem parar e conseguir as notas mais altas de todas para que reparassem nele. Tivera de se criar a si mesmo.
Criar-se a si mesmo é uma fonte de grande orgulho, mas também conduz a uma sensação de ausência de fundações…a sensação de serem lírios a crescerem no pântano – flores muito bonitas, mas sem raízes profundas.”
 
 
“Quero que ele desapareça”
…pouco depois, estava a pensar na minha mãe…como se deve ter sentido aliviada quando eu saí de casa de vez. Eu era o perturbador da sua paz. Nunca teceu um comentário positivo a meu favor e eu devolvia-lhe o favor. (…) Nessa noite, tinha eu catorze anos,…senti a raiva vulcânica da minha Mãe, e tomei a decisão, para conservar a minha sanidade, de lhe fechar a porta. Tinha de deixar aquela família. Ao longo dos três anos seguintes, mal lhe falei – vivíamos como se fossemos estranhos na mesma casa. O meu Pai…cujo único defeito, acredito, era a sua falta de coragem para fazer frente à minha Mãe. A minha relação com a minha Mãe foi uma ferida aberta durante toda a minha vida e, no entanto, paradoxalmente, é a sua imagem que me passa pela mente quase todos os dias. Vejo o seu rosto: nunca está em paz, nunca sorri, nunca está feliz…não se sentia plenamente realizada e raramente teria um comentário agradável e positivo…penso no pouco prazer que lhe devo ter dado, enquanto vivíamos juntos.
 
 
Recentemente, uma frase extraordinária de Charles Dickens de História Em duas Cidades, chamou-me a atenção:
“Pois, à medida que me aproximo mais e mais do fim, viajo num círculo cada vez mais próximo do início. Parece ser um dos tipos de planos e preparativos do caminho. O meu coração é tocado, agora, por muitas recordações que há muito tinham adormecido…”
Sim, o passado puxa-me e eu sei o que “plano” significa.
Há muita coisa inacabada entre os meus pais e eu. Há muitas coisas de que nunca falámos, acerca da nossa vida em conjunto, acerca da tensão e da infelicidade da nossa família, acerca do meu mundo e do mundo deles.
Olhar para trás, para a minha vida, aos oitenta é assustador, e por vezes, solitário. A minha memória não é de fiar…
Sempre senti um ressentimento não manifesto em relação ao meu pai – por ele nunca, nem sequer uma vez, ter feito frente à minha mãe. Durante todos os anos em que a minha mãe me rebaixou e me criticou, o meu pai nunca discordou dela. Nunca ficou do meu lado. Fiquei desiludido com a sua passividade, a sua pusilanimidade.
 
 
Interesso-me por astronomia e fiz o meu primeiro telescópio, e sempre que olho para o céu à noite fico assoberbado pelo quão minúsculos e insignificantes somos na ordem natural das coisas. Parece-me obvio que os antigos tentaram lidar com sentimentos de insignificância, investindo em algum deus que nos considerava a nós, humanos, tão importantes que deveríamos voltar as nossas atenções para a vigilância de todos os nossos actos. E também me parece óbvio que tentamos acalmar a existência da morte através da invenção do paraíso e de outras fantasias e contos de fadas que têm um tema em comum: “Nós não morremos – continuamos a existir fazendo a transição para outro reino, o reino de deus.”
Para ser sincero, penso nas religiões e nas ideias de vida depois da morte como a mais antiga aldrabice do mundo. Serve um propósito – confere aos líderes religiosos uma vida confortável e ameniza o medo da morte da humanidade. Mas tem um elevado preço – infantiliza-nos, tolda-nos a visão da ordem natural.

 
 
Toda esta história parece plausível e garante uma narrativa satisfatória. Como é poderoso o nosso impulso para preencher gestalts e para criar histórias cuidadosamente compostas. Mas seriam verdadeiras? Setenta anos mais tarde, não tenho qualquer esperança de desencantar os “factos reais”, mas talvez a intensidade do meu sentimento nestes momentos, o desejo de fuga e paralisia, os tenham unido de alguma maneira. Verdade? Infelizmente , sinto-me hoje incerto quanto à possibilidade de se tratar, de facto, do mesmo rapaz e de a sequência temporal estar correta…
À medida que vou envelhecendo, vai-se tornando cada vez mais difícil confirmar as respostas a tais perguntas. Tento recuperar partes da minha juventude, mas quando falo com a minha irmã, meus primos e os meus amigos, fico chocado com a diferença na maneira como se recordam das coisas. Vou-me convencendo cada vez mais da natureza frágil e eternamente mutável da realidade.
As recordações, e sem dúvida também esta, são muito mais ficcionais do que gostamos de pensar.
(…) A memória e as emoções têm um relacionamento curvilíneo: demasiada emoção ou muito pouca emoção resultam, frequentemente, em pobreza de memória.

 
Um rabi teve uma conversa com Deus acerca do Céu e do Inferno:
“Mostrar-te-ei o inferno” disse Deus. E conduziu-o a uma sala onde se encontrava um grande mesa redonda. As pessoas sentadas em volta dessa mesa estavam famintas e desesperadas. No centro da mesa estava uma panela enorme com um estufado com um cheiro deliciosos, e o rabi ficou de água na boca. Cada pessoa em redor da mesa segurava uma colher com um cabo muito comprido. Embora as longas colheres chegassem à panela, os cabos eram mais compridos do que os braços das pessoas, e por isso eram incapazes de levar a comida à boca, e ninguém conseguia comer. O rabi viu que o seu sofrimento era terrível.
“Agora vou mostrar-te o Céu”, disse Deus. Entraram numa outra sala, exatamente igual à primeira, com a mesa redonda e uma enorme panela de delicioso estufado no meio, e as pessoas tinham colheres iguais de cabos compridos. Mas, nesta sala todos estavam bem nutridos e roliços, a rir e a conversar. O rabi não conseguia compreender.
É simples, mas exige uma certa perícia”, disse Deus. “Nesta sala, aprenderam a alimentar-se uns aos outros.


 
“…nos dez anos seguintes, trabalharia com grupos de pacientes que tivessem de falar sobre a morte por se verem confrontados com ela, diagnosticados com cancro terminal. (…)
Uma mulher disse-nos que o grupo a tinha ajudado a tomar uma decisão fundamental: decidira que ia mostrar aos filhos como encarar a morte com graciosidade e coragem.
Dar sentido à vida gera um sentimento de bem-estar.
Trata-se também de um exemplo chocante do conceito de “ondulação” que ajuda muitas pessoas a atenuar o terror da morte. 
A ondulação refere-se à transmissão de parte de nós para os outros, incluindo pessoas que não conhecemos, como a ondulação provocada por uma pedrinha que lançamos a um charco e que se afasta desse ponto central até deixar de ser visível, embora continue a um nível manoscópico.
(…) “que pena ter de esperar até agora, até o meu corpo ser devastado pelo cancro, para aprender a viver.”
Embora a realidade da morte nos possa destruir, a ideia da morte pode salvar-nos. Permite-nos compreender que, dado que só temos uma oportunidade de viver, devemos aproveitar a vida ao máximo, e terminá-la com o menor número de arrependimentos possível.
É importante ter consciência da duração finita da vida.”
(…) Tudo, verdadeiramente tudo, desaparece. Todos temos apenas um instante, precioso e abençoado, sob o Sol.(…)
Fiquei abalado com uma passagem do livro Macbeth: 
“A vida não é senão uma sombra em movimento, um fraco ator que se pavoneia e se preocupa quando chega a sua hora de subir ao palco, e depois nunca mais é ouvido.”
 


Epicuro defendia que a principal fonte de miséria humana era o medo da morte.(…) Desenvolveu uma série de poderosos argumentos para atenuar esse medo da morte, entre eles, o “argumento da simetria”, que defende que o nosso estado de “não ser” depois da morte, é idêntico ao nosso estado antes do nascimento, e esse estado do nosso “pré ser” nunca está associado à ansiedade.
(…) Milan Kundera escreveu que, o ato de esquecer nos oferece uma amostra da morte. Por outras palavras, o que nos aterroriza em relação á morte é não apenas a perda do futuro mas também a perda do passado.
 
“Se alguém vive bem, sem arrependimentos profundos, então enfrentará a morte com maior serenidade.”
  
 
 



Livros e Escritores 

preferidos de Irvin D. Yalom:
 

- Sigmund Freud
- Stefan Zweig
- Franz Werfel
- Arthur Schnitzler
- Robert Musil
- Joseph Roth
- Em Busca de Sentido, Viktor Frankl
- Fiódor Dostoiévski
- Lev Tolstoi
- Samuel Beckett
- Milan Kundera
- Herman Hesse
- Álvaro Mutis
- Knut Hamsun
- A Morte de Ivan Ilych, Lev Tolstoi
- Death and WesternTought, Jacques Choron
- A Negação da Morte, Ernest Becker
- Letters to a Young Poet, Rainer Maria Rilke
- Soren Kierkegaard
- Friedrich Nietzsche
- On the Vanity of existence, Arthur Schopenhauer
- Epicuro
- Baruch Espinosa
- Fala, Memória…, de Vladimir Nobokov
- Betraying Spinoza, Rebecca Goldstein
- Memórias, Marco Aurélio
- Lucrécio
- Christopher Hitchens
- Sam Harris
- Richard Dawkins
- Anthony Trollope
- David Mitchell
- Philip Roth
- Ian McEwan
- Paul Auster
- Haruky Murakami
- J.M. Coetzee
- Cem Anos de Solidão, Gabriel Garcia Márques
- Grendel, Matt Wagner
- Grandes Expectativas, Charles Dickens
- The Adventures and Misadventures of Maqroll, Álvaro Mutis
- Bleak House, Charles Dickens
- Os Filhos da Meia-Noite, Salman Rushdie
- A Tia Júlia e o Escrevedor, Mario Vargas Llosa
- Daniel Deronda, George Eliot
- Silas Marner, George Eliot
- The Way of All Flesh, Samuel Butler



Irvin D. Yalom
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