segunda-feira, 22 de outubro de 2018

POEMA 9





Para onde quer que vás a pequena gente não te entenderá
porque tu não fazes a imitação da vida.
A mais sombria das palavras pede sol à tua boca
e tu enches a boca de sol e vens até mim para ser poema,
para ficares cintilando com a luz do leopardo,
essa luz que os pintores misturam com a terra.
Para onde quer que vás a pequenina gente
não deixará de perseguir-te
com vozes que se quebram nas mãos cheias de pressa
levando à boca uma água de vespas,
oprimindo o brilho de todos os instantes; gente
que não aprendeu nunca a lição mais alta
dos pássaros e dos frutos.
Para onde quer que vás a sombra da pequena gente
morderá os teus pés,
gente árida, sem crenças, sem o sentido do amor,
assustada com o sonho, vivendo
na véspera dos dias.
Para onde quer que vás haverá um regresso.
No entanto, a pequena gente ficará lá, o rosto em contraluz,
com a antiquíssima inveja dos arbustos.
E aqui, na terra que tu mesma desejaste assim,
como um rio sem margens,
habitarás a árvore dos meus versos
cujos frutos molhados são palavras cantando.


JOAQUIM PESSOA
in, À MESA DO AMOR




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