sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Um Verão que fosse eterno





Agora que o Verão já passou.
Talvez não, no sentido meteorológico, mas no sentido temporal.
Agora que as praias esvaziam e as marés baixas, já deixam antever todas as pedras, agora que os dias ficam encolhidos e o ritmo das rotinas retoma, ao mesmo tempo que o bronze evapora dos corpos, é tempo de pensar.
Não é obrigatório pensar.
Mas a verdade é que o Verão introduz uma dose cavalar de letargia.

As férias também são feitas disso, desse pousio cerebral, dessa quietude, dessa desculpa que o calor dá às ideias, para que elas derretam sem misericórdia, em cada golpe de termómetro, em cada gota de suor. Cada vez que o gelo vira água, o pensamento faz igual e evapora-se, enchendo o cérebro de uma matéria sem grandes propriedades e vocações, como o liquido que vai enchendo o copo com sobras de água.

O Verão não tem uma vocação intelectual, nunca teve, mesmo quando se pressupõe pôr a leitura em dia. A grande conquista do Verão é o vazio. O vazio dos bolsos e das ideias.
No Verão a única obrigação é o hedonismo. Uma conquista difícil para os obreiros da vida. Porque há quem viva em Verão eterno. À procura da luz mágica, da hora mágica, do momento mágico.

Diz-se que no Verão, os amores morrem na areia, no fundo de um copo ou na ressaca do dia seguinte. O Verão não foi feito para a “continuidade”, porque não é verbo, é adjectivo atroz e veloz. Se houver grande compromisso no Verão ele vira Outono, no calor só promessas, sem pressas de chegarem a ser coisa alguma.
Para o Verão ser à séria, não pode haver propriedade, só renting e aluguer.
Paga, desfruta e segue.
Check in, check out.

O Verão não casa com ninguém.
É como um bom amante, que só é verdadeiramente bom, porque não é verdadeiramente nosso.
O Inverno até pode durar para sempre, mas todas as pessoas inteligentes, sabem que o Verão acaba.
E há muita inteligência em saber viver o efémero, porque em última análise, é apenas a metáfora mais perfeita do Verão que é a vida, sabendo que a vida nunca é só um Verão.


Isabel Saldanha




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