sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O Executor





Helmut Ortner nasceu na Alemanha em 1950, vive e trabalha em Frankfurt. Escreveu diversos livros de sucesso, publicados em mais de 14 países. Convidado pelo Instituto Goethe, realizou diversas digressões para divulgar o seu trabalho um pouco por todo o mundo. O Executor teve um forte impacto na Alemanha no momento da sua publicação e recebeu elogios nos principais jornais e revistas do país.

É um livro sobre História Mundial, durante o período antes, durante e depois da II Guerra Mundial.

Envolto em mistério até aos nossos dias, o nome do juiz Roland Freisler está fortemente ligado ao sistema judicial da Alemanha nazi. Além de Secretário de Estado do Ministério da Justiça do Reich, Freisler foi o presidente do Tribunal do Povo — o homem que diretamente ordenou a execução de milhares de alemães. O Tribunal do Povo nazi escreveu um dos capítulos mais sombrios da história alemã, já que foi o tribunal que decretou a maioria das sentenças de morte na Alemanha de Hitler e tinha apenas uma função: liquidar toda a oposição ao regime de Hitler. 
Mandou executar alemães activistas da Resistência Rosa Branca, da oposição política, alemães que faziam campanhas secretas de oposição, alemães que manifestassem opinião contrária ao regime nazi, alemães que tentaram assassinar Hitler na conhecida Operação Valkyrie, etc…
O domínio das leis e a destreza verbal nos tribunais fizeram de Roland Freisler o juiz mais temido do terceiro Reich. 

Os interrogatórios do Tribunal do Povo eram filmados com a intenção de se usarem posteriormente as imagens como propaganda. Quase todos os réus eram considerados culpados e condenados à morte por enforcamento, com as sentenças executadas no prazo de duas horas após a aprovação dos veredictos.
Nos seus interrogatórios, Freisler alternava entre a frieza e a ação metódica com a impulsividade, os gritos e furiosas exaltações teatrais exercidas contra os réus.

Esta é a história, manchada de sangue, de um juiz implacável, numa época sem piedade, uma personagem enigmática, terrível e desprovida de coração, que foi morta em fevereiro de 1945 durante um ataque aéreo dos Aliados.

Este livro é de leitura obrigatória, uma história verdadeira de um dos elementos que fez parte do partido nacional-socialista e que para além de surpreendente e atroz, nos leva numa viagem na tentativa de saber mais sobre o histórico movimento Nazi.
Leva-nos a entender como este partido político chega ao poder, eleito democraticamente pelo povo, e como tudo se repete nos dias de hoje em que a extrema direita está a ganhar cada vez mais terreno, devido a um descontentamento geral…foi assim que tudo começou, e está a ameaçar acontecer de novo.
Esta extrema direita dos dias de hoje, começou aos poucos a surgir na Europa com o problema dos refugiados, com o medo dos europeus com relação aos imigrantes, que além de serem promovidos como alguém que chega "de fora" para tomar o emprego dos cidadãos europeus, ainda desvirtuaria a cultura cristã tradicional do continente com as suas diversas religiões, línguas e costumes, com especial atenção ao islão, que seria uma religião promotora do terrorismo.

Está a manifestar um pouco por todo o mundo devido a um descontentamento geral, tal e qual como começou o Regime Nazi a ganhar espaço. São manifestações ultraconservadoras, elitistas, exclusivistas, extremistas, preconceituosas, contra indivíduos e culturas diferentes das do seu próprio grupo.


Quase um século depois, e não se aprendeu nada…e a história repete-se…
Este ano, o partido de extrema-direita não ganhou as eleições na Suécia, mas ficou entre as forças mais votadas. O mesmo se verificou na Itália, Alemanha, Áustria, Hungria ou Holanda.
A extrema-direita continua a ganhar terreno na Europa. 
Mesmo que poucos partidos desta orientação política tenham vencido as eleições nos seus respectivos países, muitos conseguiram ser o segundo ou terceiro partido mais votado.
Vários motivos terão contribuído para a subida da extrema-direita, como por exemplo a crise migratória e financeira que assolou a Europa nos últimos anos. E as principais medidas apresentadas por estes partidos estão relacionadas com este tema. Apesar de haver diferenças de país para país, estes partidos podem ser identificados pelo seu discurso anti-imigração, anti-muçulmano e pelo euroceptismo.

No continente americano, a história repete-se… com a eleição do Trump nos EUA de forma inesperada.
Com quase 50% dos brasileiros a votarem no Bolsonaro… novamente a mesma situação: as pessoas não votaram no Bolsonaro, votaram contra a situação actual no Brasil, tal e qual como aconteceu na Alemanha em 1933 quando elegeram Hitler.
E com Nicolas Maduro a ser reeleito na Venezuela.
Inacreditável mas, a acontecer.
Começa a ser assustador…

E é por isso que faz todo o sentido ler sobre o passado nacional-socialista. Para evitar que volte a acontecer.
Passado esse que, para os alemães,  teve culpa e expiação, fracasso e cobardia, coragem e honradez, criminosos e vítimas, repressão e negação.
É dos alemães que fala este livro.

Da instituição nacional-socialista que desprezou os seres humanos e que, sem o apoio e a complacência dos homens das leis, não poderia ter existido: O Tribunal do Povo. “A Justiça do Terceiro Reich”, a Justiça na Alemanha de Hitler.

Entre 1933 e 1945, os juízes alemães transformaram, de uma forma fanática e com grande sangue-frio, num papel sem valor, a Constituição de Weimar, e aplicaram a lei, apenas formalmente, com uma brutalidade ponderada e sem hesitação. Só que nenhum deles foi obrigado a fazê-lo. Agiram por decisão própria. Foram os executores do Estado Nacionalista-Socialista. São poucos os que ainda estão vivos. De idade avançada, foram bem tratados no pós-guerra, recebem reformas avultadas pagas pelo Estado Alemão. A maioria continua convencida de que cumpriu o seu dever. Consideram-se inocentes e sem problemas de consciência, e não assumem responsabilidade pessoal, muito menos se mostram arrependidos ou envergonhados. Vêem-se como vítimas de uma época fatídica, em que a sua crença na Pátria foi mal empregada pela política e pelos políticos.
Uma Justiça implacável e sem piedade de um sistema Homicida.
E foram os alemães que tornaram possíveis os seus actos, o seu trabalho e as suas carreiras, ainda bem remuneradas nos dias de hoje com reformas altíssimas pagas pelo Estado.
Este é um livro contra o esquecimento.
Porque não é o esquecimento que nos torna livres, mas sim a memória.

Tudo começou quando em Março de 1933, a Presidência da União dos Juízes Alemães defendeu publicamente “a vontade de um Novo Governo para por um ponto final à monstruosa penúria do povo alemão”, e oferecia o seu total apoio à “reconstrução nacional” e um ressurgimento da Alemanha.
“Estamos convencidos de que, com a colaboração de todas as forças disponíveis para a reconstrução, poderemos sanear completamente a nossa vida pública, e com isso, concretizar o ressurgimento da Alemanha.
Em terras alemãs, aplica-se o Direito Alemão!
O juiz alemão teve sempre consciência e responsabilidade nacionais. Teve sempre sensibilidade social e sempre se pronunciou de acordo com a Lei e a consciência.
É assim que deve continuar a ser!
Que a grande obra de construção do Estado dê ao povo alemão um sentido de absoluta unidade.”
A declaração terminava com a garantia de que a União dos Juizes Alemães dava ao Novo Governo “confiança total”

Depois desta declaração seguiram-se outras, nomeadamente a declaração da Associação Prussiana de Juizes:
“No despertar do povo alemão veem os juízes e os procuradores prussianos o caminho correto para pôr fim à penúria e ao empobrecimento monstruosos do nosso povo(…) Os juízes e os procuradores prussianos veem na renovação nacional da Alemanha uma oportunidade de se juntar e trabalhar em conjunto para a reconstrução do Direito Alemão e da Comunidade Popular Alemã. Também eles devem defender a honra e a dignidade do novo Estado criado pela revolução nacional”

Depois destas duas declarações, surgiram outras da Associação Alemã de Notários, da Associação Alemã de advogados, em que reforçavam com agrado “o reforço do pensamento e da vontade nacionais”, assegurando ao governo nacional-socialista que poriam todas as suas forças “ao serviço do restabelecimento do povoe do Reich”

Foi por aqui que tudo começou: a subordinar o Direito e as Leis aos seus propósitos políticos e às suas convicções racistas. Após o incêndio do Reichstag pelos nazis, foram revogados direitos fundamentais por intermédio do Decreto para a Proteção do Povo e do Estado. Foi um verdadeiro golpe que criou as condições iniciais para a perseguição dos inimigos políticos.

O novo governo aprovou também o Decreto Contra a Traição ao Povo alemão e as Atividades de Alta Traição.
Finalmente, Hitler obteve a aprovação à sua Lei dos Plenos Poderes, pela qual o seu governo podia aprovar leis que alterassem a Constituição.
O fim da República de Weimar não foi um elemento perturbador, mas sim um passo libertador. As suas ideias eram antirrepublicanas, antiparlamentares e antissemitas.
A tomada do poder pela “concentração nacional” dos nacional-socialistas e dos conservadores de direita, foi considerada uma mudança normal de governo, legal, e extremamente necessária.
Por muito que que se limitassem de maneira flagrante os direitos que garantiam o usufruto da liberdade individual, para os juízes, só era importante a sua ideia de “independência”, que na opinião de muitos, pouco fora respeitada durante a República de Weimar, e tinham a certeza de que Hitler não atentaria contra a independência dos juízes no exercício do cargo, o que não aconteceu, e essa independência foi-lhes retirada e foi-lhes dada inamovibilidade, em que a partir desse momento, o ponto central da jurisprudência seriam os direitos do povo e não os do indivíduo.

Excertos do discurso de Hitler no dia 23 de Março de 1933:

“ O nosso sistema legal deve, em primeiro lugar, servir para preservar a comunidade do povo. A inamovibilidade dos juízes de um lado deve corresponder à maleabilidade das suas sentenças, a fim de preservar a sociedade. Não é o indivíduo que deve ser o centro das preocupações jurídicas, mas o povo!(…)
Futuramente, a traição ao País e ao Povo será cauterizada com uma desumanidade bárbara!
A base da  existência da justiça só pode ser a base da existência da Nação. Por isso, há que ter sempre em conta o peso das decisões daqueles que, debaixo da pressão dura da realidade, são responsáveis por dar forma à realidade da vida da nação!
Todos os tribunais alemães, incluindo o Tribunal do Reich, devem ser limpos de juízes e funcionários de raças estrangeiras (…) Há que retirar imediatamente a autorização até agora concedida a todos os advogados de raças estrangeiras membros de partidos marxistas, ou seja, o SPD e o KPD. O mesmo é válido para os magistrados de pensamento marxista.”

Tudo isto passou a ser vinculativo com a Lei da Restauração da Administração Pública.

O Tribunal do Povo foi criado para subordinar o povo.
Tinha 3 pilares:
1 – O papel da Traição.
Eram convictos, na sua maioria, de que o império alemão(Reich) perdera a I Guerra Mundial devido ao ato de traição cometido na retaguarda, e por isso os nacional-socialistas achavam que a traição não poderia voltar a acontecer e teria de ser severamente punida.
2- O conceito de Comunidade do Povo
A Traição era sempre contra a Nação, contra a “comunidade do povo”, e eles consideravam-se a mais elevada forma de expressão do povo. E estavam determinados para que não houvessem divisões no povo. Deixou de haver classes sociais e passou a haver um povo único. Quem infringisse as Leis do Estado, punha-se fora da comunidade do povo e convertia-se em inimigo do povo.
3- O Princípio do Fuhrer
Hitler definiu o papel do líder(Fuhrer) com um poder que não estava sujeito a nenhuma limitação, um poder absoluto. A sua consequência era a obrigação de acatar e cumprir as ordens do Fuhrer e a sua vontade passava a ser a medida de todos os seus atos. A ordem, dada de cima e aplicada por uma rede de instituições e de autoridades, passava a ser decisiva e vinculativa.
“A autoridade do Fuhrer não é uma competência. Não é o Fuhrer que faz o cargo. O Fuhrer modela o cargo segundo a sua missão (…) a autoridade do Fuhrer não conhece um vazo de competência, e está acima de todas as competências. A autoridade do Fuhrer é total.”
Nos tribunais, o Fuhrer(líder) seria unicamente o juiz que presidia o tribunal. Os restante juízes, procuradores, oficiais de justiça e advogados deviam acatar as ordens do juiz-presidente sem contestar. A sua autoridade estava acima da Lei e do Direito.

E foi assim que se iniciou a Era Freisler que começou a 15 de Outubro de 1942 no Tribunal do Povo, com Roland Freisler como presidente na sua sede em Berlim. Em 1941, o Tribunal do Povo já tinha 6 varas com 78 juizes e 74 procuradores.
Era um Tribunal Político Superior que atuava em consonância com a chefia do Estado. As penas eram sempre Morte( enforcamento ou fuzilamento), trabalhos forçados e prisão.
Era portanto, um órgão integralmente nacional-socialista cujo único compromisso era salvaguardar a devoção ao Fuhrer, ao Partido e à “causa alemã”.

O Tribunal do Povo era a garantia para os governantes de que, todas as formas de oposição seriam perseguidas e liquidadas.
Para isso também contribuiu a colaboração íntima com a Gestapo, polícia secreta do Estado, encarregada de identificar e prender todos os casos de traição levados ao Tribunal do Povo.
Antes da audiência no Tribunal do Povo, os detidos ficavam presos na Gestapo durante meses onde eram torturados e eram vítimas de maus tratos, obrigados a confessar sob violentos métodos de interrogatório.
O poder absoluto da Gestapo acontecia também quando os detidos cumpriam a pena de prisão e saiam em liberdade depois de cumprida a pena. A Gestapo voltava a detê-los e levava-os para campos de concentração, ignorando as decisões dos tribunais, mas com a aprovação do Estado. Lá eram fuzilados.
Muitos casos nem chegavam ao Tribunal do Povo, e eram logo fuzilados.

No Tribunal do Povo:
“O juiz do Tribunal do Povo deve habituar-se a considerar prioritárias as ideias e as intenções da chefia do Estado, tendo um papel secundário o destino da pessoa que de si dependa. Porque os acusados que comparecem perante o Tribunal do Povo são apenas manifestações menores de um circulo bem maior que está por trás deles e que combate contra o Reich. Isto é especialmente verdade em tempo de guerra.
Identifico alguns exemplos:
1- Se um judeu, e para mais um judeu que ocupe um lugar de destaque, for acusado de traição à Pátria-mesmo que só por cumplicidade- estão atrás dele o ódio e a vontade de todos os judeus de exterminarem o povo alemão. Regra geral, trata-se aqui de alta traição, que deve ser punida com a morte.
2- Quando, no sentido do comunismo e depois do 22 de junho de 1941 com a invasão da União Soviética, um alemão do Reich incite ou tente influenciar o povo com ideias comunistas, a sua ação não deve ser considerada apenas um ato preparatório de alta traição, mas também um favorecimento do inimigo, em concreto da União Soviética.
3- Se, na região da Boémia-Morávia, os checos se continuarem a revoltar contra o Reich, por influência da emissora londrina, isto não é apenas preparação de alta traição, mas também favorecimento do inimigo”

A partir do final de 1943, maior parte dos casos já nem chegavam a julgamento e eram logo resolvidos pela Gestapo e enviadas para campos de concentração onde seriam fuziladas.
E o Tribunal do Povo passou a ocupar-se dos processos de desmoralização das forças militares, classificados por Hitler como “Noite e Nevoeiro”. Esses processos tiveram origem com o aumento de ataques e atos de sabotagem que tinham como alvo pessoas e instituições da Alemanha, nos territórios ocupados do Norte da Europa e da Europa Ocidental. Hitler ordenou a punição com a morte contra todos os que participassem em ações de terrorismo ou de sabotagem, sem que os familiares soubessem do destino do perpetrador e as cartas de despedida eram atiradas para o lixo. Eram assim levados e assassinados na escuridão da noite e no meio do nevoeiro. A condenação à morte era sentenciada no Tribunal do Povo pelo juiz Roland Freisler, e eram fuzilados 2h depois.

A força do Estado era formada pela Polícia, pela Gestapo, pelo Partido e pela Justiça.

E era sempre “em nome do povo”
O objetivo não era fazer justiça, mas sim exterminar o adversário, era esta a missão do Tribunal do Povo.
Dedicaram-se a esta missão com um fanatismo coerente, e não o fizeram às escondidas, muito pelo contrário.
Os alemães sabiam o que se passava, e a forma como tudo acontecia. Cartazes da cor de sangue eram afixados na via pública a anunciar as condenações à morte decididas pelo tribunal, e todos podiam assistir às condenações se quisessem.
Os apoiantes de Hitler, militantes e simpatizantes do partido, celebravam, desfilavam e denunciavam. Os oportunistas iam-se aproveitando da situação e guardavam para si as suas dúvidas sobre o Fuhrer e o Reich. Os alemães de Hitler eram um povo de cúmplices, oportunistas, mirones, denunciantes, de gente que preferia voltar a cara.
E depois, haviam os outros, os adversários, a oposição, os críticos do regime. E esses, estavam presos, tinham sido assassinados, ou fugido para o exílio…e havia os que esperavam pela morte nos campos de concentração.

A “autodepuração” do povo, que Freisler defendia com tanto fanatismo continuou até ao fim da guerra, quando ele morreu. As sentenças de morte do Tribunal do Povo eram ditadas “em nome do povo” e era também em seu nome que executavam os adversários. Eram um povo de culpados e de cúmplices.
Uma frase imprudente, uma piada subtil, por mais insignificantes e inofensivos fossem os comentários, tudo era crime, punível com a pena de morte.
Era a uma justiça desumana, de um regime tirânico, e de um povo cego.

No dia 20 de julho de 1944 explodiu uma bomba no Alto Comando da Wehrmacht. Atirou ao chão os 24 oficiais presentes, entre os quais os principais generais, 4 morreram e os restantes ficaram feridos, e Hitler que ficou em mau estado mas sobreviveu – foi atingido por destroços do teto nas costas, o braço direito ficou imobilizado, dores fortes na perna direita e ficou com os tímpanos perfurados.
Essa bomba foi detonada pelo conde Claus Stauffenberg, chefe do estado-maior da Reserva do Exercito, que a levava na sua pasta para a reunião no Alto Comando. O seu objetivo era matar Hitler, fazendo-se explodir com ele. O grupo de conspiradores era formado por diversos oficiais e generais que tinham apoiado Hitler no início até quando perceberam que já não podiam ganhar a guerra e que o Reich acabaria por ficar reduzido a escombros.
Foi o Atentado Valquíria, para dissolver todos os centros de poder nacional-socialista, entre os quais os departamentos mais importantes do Partido, da administração do Estado e da Polícia, além da Gestapo e da SS.
Mas, não foi o que aconteceu. O plano falhou.
E oficiais de confiança de Hitler descobrem onde os conspiradores estavam reunidos ao final da tarde desse dia 20 e prendem-nos. Foram todos condenados à morte, e por volta da meia-noite desse mesmo dia foram todos fuzilados.
A insurreição dos oficiais terminou, mas a vingança de Hitler não.
Foi dominado por uma fúria tremenda, e fora de si ameaçou todos os conspiradores e as suas famílias com uma vingança terrível. Fez uma declaração na rádio para que soubessem que estava vivo e a comunicar que todos os conspiradores tinham sido fuzilados. E o ajuste de contas começou depois, com uma grande vaga de detenções, seguidas de torturas brutais. Ele queria mostrar ao povo alemão como ele lidava com conspiradores, opositores e traidores. Esta propaganda coordenada serviu para manter inalterada a fé no Reich, no Partido e no Fuhrer, e a oposição ao regime passou a ser uma minoria em vias de extinção.

Os homens de confiança de Hitler passaram a ser o Himmler, que passou a ser o Chefe da Reserva do Exército, e Freisler.
O processo Valquíria, foi o último de Freisler.
Várias centenas de pessoas foram acusadas e executadas por Freisler durante meses após o atentado: pessoas de todas as classes, desconhecidos e conhecidos, suspeitos, oficiais, generais, simpatizantes dos conspiradores, seus subalternos, oposição política, e todos foram condenados à morte e executados 2 horas depois de lida a sentença.
Freisler não queria dececionar Hitler, e tudo correu como o Fuhrer ordenou. Foram todos condenados à morte.
Hitler, chegou a pensar fazer o processo público que funcionasse como espectáculo, para ser filmado e transmitido pela rádio. Mas Himmler, manifestou-se contra, argumentando que as circunstâncias haviam mudado e que já não estavam em 1939/40. Hitler acabou por concordar com ele:
“Tem razão, Himmler. Se organizo um processo público, terei de deixar falar publicamente esses tipos. E algum deles pode ser capaz de argumentar bem e de se transformar em defensor da paz para o povo alemão. Isso poderá tornar-se perigoso”
Os 8 conspiradores, foram pendurados como gado num matadouro, como Hitler ordenou e tudo foi filmado. O filme foi exibido publicamente.
Em setembro começou um processo contra os conspiradores civis. A vingança de Hitler continuava através da mão impiedosa de Freisler, que como Hitler lhe ordenou, condenou todos à morte por alta traição, derrotismo, desmoralização das forças militares e favorecimento do inimigo.

Enquanto os Aliados reforçavam os ataques aéreos e a Alemanha se ia afundando no meio dos escombros causados pelos contínuos bombardeamentos, o Tribunal do Povo continuava a levar avante a vingança de Hitler e a decretar sentenças de morte, umas atrás das outras, todas ordenadas por Freisler.

Os membros do “Círculo de Kreisau”, como eram conhecidos os opositores ao regime, de início não queriam assassinar Hitler, mas depois, numa ação de desespero decidiram-se pelo atentado, de forma a salvar o que ainda podia ser salvo no regime. Até hoje, ainda está por apurar o que levou várias figuras de topo do regime a mudar de campo e a formar o Círculo de Kreisau. Este atentado de 20 de julho, tem servido até hoje como sinónimo de uma “Alemanha diferente e democrática” e como “um raio de luz moralista” nas trevas criminosas do regime nazi. Mas, ambos os conceitos são duvidosos. Porque, um grande número de alemães, comunistas, socialistas, sindicalistas, cristãos radicais ou independentes, sozinhos ou em grupo, sem cargo nem nome, militaram na oposição e foram, por isso, perseguidos, presos, assassinados, ou enviados para o exílio.
O destaque dado aos “homens do 20 de julgo” foi uma das grandes mentiras da Alemanha do pós-guerra.
Na República de Adenauer, não houve lugar para a sacrificada oposição de esquerda à ditadura nazi.

1944, foi o ano do medo, e Freisler usou os processos e as condenações à morte para dar uma lição a todos os que pensavam em traição à causa alemã e à vitória final.

Setembro de 1944 – a Alemanha estava enfraquecida e o “Reich dos Mil Anos” morria visivelmente de dia para dia no meio dos destroços e das cinzas. Os ataques aéreos dos Aliados eram cada vez piores, a invasão era imparável. Mas, a população continuava a acreditar que Hitler iria dar a volta até chegar à vitória, com base na sua promessa de uma nova arma implacável. A propaganda dizia para resistirem, e os alemães num misto de abatimento e raiva, de sofrimento e culpa, tentavam encorajar-se mutuamente. O atentado de 20 de julho serviu para fortalecer psicologicamente o regime, deu-lhe fome de vingança, e a sobrevivência de Hitler foi uma prova de que a Providência o poupava porque estava do seu lado, e ele era invencível. Esta era a força da propaganda política.
As ilusões eram vistas como se fossem realidades.
Ainda havia vontade e força para resistir.

Mas, a 11 de setembro de 1944, os soldados dos EUA atravessam a fronteira do Reich perto de Trier. 
A 25 de setembro Hitler forma uma milícia chamada ”Tempestade Popular Alemã” formada por todos os homens alemães entre os 16 e os 60 anos., “capazes de usar armas” e que até ali tinham estado isentos do serviço militar. Para os Aliados, foi um sinal de fraqueza militar e uma indicação de que a Wehrmacht chegara de vez ao fim. E a partir daqui começou a instalar-se a dúvida se a Alemanha conseguiria ganhar a guerra.

Hitler, nesta altura começou a sofrer de depressão, dores de cabeça e crises gripais. A sua atitude parecia a de um velho obstinado. A sua decadência era visível, especialmente depois do desembarque dos Aliados a 7 de setembro de 1944.

No final de novembro, cria o “Corpo de Auxiliares Femininas da Wehrmacht” com mulheres jovens com mais de 18 anos, para voltar a atacar o inimigo.
Ainda havia muitos que continuavam a acreditar na vitória, movidos pela propaganda política e cegos pela ideologia, e milhares de jovens foram morrer uma “morte alemã”.
Foi resistir até “ao amargo desenlace”.
Heinrich Himmler a 11 de janeiro de 1945 faz um apelo contra os “desistentes” e pediu às mulheres e às raparigas que enviassem para a frente de combate os “ cobardes impenitentes a golpes de esfregona”, e Freisler continuava a decretar sentenças de morte e a dar continuação à vingança de Hitler.
A meio de um julgamento, a 3 de fevereiro de 1945, soa o alarme antiaéreo, e a força aérea bombardeia Berlim com 700 bombardeiros e largaram 3 mil toneladas de explosivos sobre Berlim…morreram mais de 20 mil pessoas.
O alvo deste ataque foi o Centro de Poder Nacional-Socialista.
E uma das vítimas foi o carrasco do Tribunal do Povo, Roland Freisler.
O seu sucessor no Tribunal do Povo foi Harry Haffner, que era procurador-geral, e também era um fanático tal como Freisler.

Em abril de 1945 a Alemanha estava reduzida a escombros. As forças americanas, soviéticas e inglesas ocupavam as cidades alemãs. A 20 de abril, Hitler fez 56 anos e Goebbels declarou na rádio: “ o Fuhrer percorrerá o seu caminho até ao fim e o que o espera não é a derrota do seu povo, mas um novo começo, de felicidade e de florescimento sem igual da germanidade”

A 30 de abril de 1945, Berlim foi conquistada pelos soviéticos, hastearam a bandeira da União Soviética na capital alemã, e Hitler ao final do dia suicidou-se no bunker da chancelaria do Reich, na companhia de Eva Braun, com quem se casara pouco antes. O seu criado de quarto encontrou-o ensanguentado com uma pistola na mão. Ao seu lado, estava Eva Braun, que se envenenou. Levaram os dois corpos para fora do bunker, puseram-nos no jardim da chancelaria, regaram-nos com gasolina e queimaram-nos. Depois, enterraram os corpos carbonizados com os dois cães de Hitler que tinham sido envenenados.
Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda,  fez o mesmo a si próprio e à mulher e aos seus 6 filhos de seguida, no jardim da chancelaria. O profeta ia de novo ao encontro do seu messias.

No início de Maio de 1945 a Alemanha de Hitler estava derrotada, e com ela o fim do Tribunal do Povo. Deixou de existir um tribunal do terror.
E quanto aos alemães, vítimas e criminosos, que tanto sofrimento infligiram a outros povos, terão sentido vergonha, ou sentiram-se apenas derrotados?
Conseguiram compreender o que se passou, aquilo com que colaboraram e permitiram?

A “Hora Zero” que serviu para a “desnazificação”, também deveria ter servido para “purificação” dos alemães. Um povo inteiro ficou sujeito a um procedimento de purificação política e moral feito pelas potências vencedoras para a reabilitação coletiva dos alemães. Começaram de imediato a perseguição e captura dos nazis e as punições para os criminosos de guerra. Mas, quem era culpado e quem era apenas simpatizante? Foram criados os “Princípios de Potsdam”, cidade onde se reuniram os 3 chefes de Estado vencedores, onde foram definidos 5 grupos de pessoas para aplicação das penas: principais culpados, pessoas com antecedentes políticos (ativistas, militaristas e beneficiários), pessoas com menores responsabilidades, colaboradores e os que estavam isentos de culpa e podiam fazer disso prova nos tribunais civis criados para o efeito.
O povo, ficou todo ele sentado no banco dos réus.
O povo sentia-se derrotado, mas não culpado.
Os americanos distribuíram questionários para os alemães responderem a 131 perguntas de forma clara. As respostas incompletas, evasivas e omissões eram puníveis. 13 milhões de questionários foram analisados, separando os nacionais-socialistas dos outros. Os nazis do partido foram detidos  automaticamente, e os outros foram afastados dos seus empregos. Os simpatizantes puderam manter os seus empregos.
Todo este processo de “desnazificação” deu muitos problemas, como deficiências de ocupação de cargos de elite, e os campos de internamento onde os alemães eram detidos com lotação mais do que lotada. Outro problema que surgiu foi o que fazer aos juízes. Era necessária uma justiça democrática e justa, e 90% dos juízes alemães foram afastados dos tribunais.

Em 1947 o processo de “desnazificação” começou a abrandar porque se revelou um fracasso. Maior parte dos alemães achavam que o nacional-socialismo foi uma coisa boa mas que foi mal concretizada, e seriam esses alemães que iriam fazer a sua desnazificação.
Por isso, foram criados 2 Estados Federados, controlados pelos EUA e a União Soviética, onde foram criadas comissões de desnazificação, mas com êxito duvidoso.

Todas as tentativas feitas para distinguir os alemães decentes dos nazis revelaram-se impossíveis. Quase ninguém queria aparecer como testemunha de acusação, e testemunhas de defesa sobravam.
Os alemães já se sentiam suficientemente castigados pela derrota. Não havia lugar para a consciência de culpa, nem para a expiação, nem para a vergonha.
Consideravam nazis de má índole apenas os funcionários do partido, os criminosos nacionais-socialistas e os carrascos dos campos de concentração.

Já os chefes das células, informadores e delatores, tesoureiros, chefias intermédias, cúmplices com cargos elevados como os oficiais, gerentes económicos, burocratas, professores, magistrados e advogados, eram considerados nazis de boa índole que “apenas quiseram o que era melhor para a Alemanha e para o povo alemão, e estavam apenas a cumprir o seu dever”, e por isso deveriam ficar em liberdade, deixá-los ir em paz com benevolência. Todos esses se safaram. Salvaram as suas carreiras, garantiram as suas reformas, e todos os seus bens.

Apenas foram declarados culpados 16 magistrados alemães, por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes organizacionais. No entanto, os mais destacados representantes da “Justiça do Terceiro Reich” não foram responsabilizados porque o Ministro da Justiça, Gurtner, morreu nos bombardeamentos; Thierack que o sucedeu suicidou-se num campo de prisioneiros inglês; Bumke, presidente do Tribunal do Reich, também se suicidou; e Roland Freisler também morreu nos bombardeamentos. Só restavam aqueles 16 magistrados com provas evidentes de culpa de cumplicidade com o sistema de terror nacional-socialista acusados de “ assassinarem a justiça e cometerem atrocidades que destruíram a lei e a justiça na Alemanha, e ao desvirtuarem os procedimentos legais, permitiu-lhes perseguir, escravizar, torturar, condenar e exterminar, seres humanos numa escala gigantesca”. As provas foram esmagadoras, e foram julgados por serem nacional-socialistas fanáticos à semelhança de Freisler e Thierack, e também por serem representantes de toda a magistratura conservadora que expôs a ligação tão próxima entre o Sistema Judicial e o Regime de Terror Nazi da Gestapo e SS. Sem esses magistrados os governantes nacional-socialistas não poderiam ter chegado ao poder. Foram condenados a prisão perpétua. Os criminosos de secretária tiveram penas entre os 5 e os 10 anos de prisão.

No entanto, esta purificação falhou, porque foi sentido como uma represália injusta dos Estados vencedores, já que “estavam apenas a cumprir o seu dever com a Pátria”, dizendo que “o que antes foi legal, não pode ser agora considerado ilegal”.
Todos se consideravam inocentes e julgados injustamente.
Ou seja, um nazi convicto podia ter atitudes nobres.
Foram poupados milhares de magistrados considerados culpados, como ainda puderam começar de novo. Regressaram aos seus lugares nos tribunais e continuaram as suas carreiras.
Entre corvos não se arrancam olhos!
Protegeram-se todos uns aos outros.
E a justiça não foi feita.
A “Hora Zero” não existiu!

E assim se fez a “superação eterna do passado”, no governo de Adenauer, como uma “tarefa social de longo alcance”, e declarou que os alemães eram “uma nação normal que tivera o azar de ter maus políticos à frente do seu país”.
Então Hitler foi um mero acidente de percurso?
Os alemães…um povo iludido!!!!
Foram “vítimas de Hitler”?
O Terceiro Reich foi obra de criminosos?
Membros da antiga SS foram considerados pessoas decentes, os carrascos dos campos de concentração, nomeadamente os de Auschwitz e de Majdanek, eram obrigados por “ordens superiores” a fazer o que fizeram.
“Nunca soubemos de nada”
“Nem tudo o que se passou foi errado”
 Só 10% dos suspeitos foram condenados, e acabaram por sair em liberdade pouco tempo depois.

Do tribunal do Povo, o tribunal do terror, ninguém foi condenado, 570 funcionários e 67 magistrados, alegando que “Qualquer Estado, mesmo que totalitário, tem o direito de autoafirmar-se. Não se lhe pode censurar que, em época de crise, recorra a métodos excecionais e dissuasores”. Um juiz nacional-socialista “não fez nada de mal, apenas cumpriu o seu dever”.
Todas as sentenças de morte impiedosas sem direito de defesa eram apenas “o direito do Estado a autoafirmar-se”.
Toda a Justiça Federal criada depois de 1950 foi construída com centenas de assassinos. E não perturbava ninguém que os antigos juízes do Tribunal do Povo, carregados de culpas, assassinos implacáveis, estivessem novamente a aplicar a lei em cargos de destaque, como cidadãos exemplares.
A absolvição dos magistrados nazis não foi uma exceção, mas sim a regra.

Criminosos que se sentiam livres de qualquer culpa e responsabilidade, e consideravam o passado superado.
Quase todos os alemães, exceto uma reduzida minoria, consideravam-se vítimas, e ninguém reconheceu que era criminoso, que cooperaram com os delinquentes, ninguém viu, ninguém desviou o olhar.
“Não reconheciam que seguiram Hitler e os nazis com um zelo e um entusiasmo espantoso, não apenas no começo, mas também depois quando ficou bem claro o que Hitler e os seus seguidores andavam a fazer”

Depois de 1950, os alemães consideravam ofensivo a recordação constante do Terceiro Reich, e Adenauer apoiou os alemães nesta atitude defensiva.
Foi o  grande processo coletivo de Repressão da Memória.


E hoje, 80 anos após a queda do regime nacional-socialista, como são as circunstâncias?
Os que colaboraram, denunciaram, os cúmplices, os simpatizantes, tendem a embelezar, falsificar e a relativizar a realidade, quando chega o momento de falar do papel desempenhado pela Justiça do Terceiro Reich. Estabelecem uma diferença entre os magistrados conservadores honrados (os que cumpriram o seu dever evitando males maiores), e os magistrados nazis (os únicos responsáveis pelos atos criminosos da justiça nacionalista-socialista). É uma diferenciação descabida que, desde a “Hora Zero” é apresentada como justificação de atos nada aceitáveis, já que foram precisamente os magistrados conservadores que criaram as condições necessárias para o desaparecimento do Direito Democrático, para que pudesse ser pervertido pelos nazis e dar legalidade aos atos de terror por eles cometidos.
Foram os magistrados conservadores que permitiram que o Hitler fizesse o que fez com base legal. Sem eles, o Hitler não teria criado o Partido Nazi.
Foram os magistrados conservadores que asseguraram e garantiram o poder da ditadura de Hitler.
E foram todos inocentados e absolvidos, e continuaram a exercer a sua carreira na magistratura no pós-guerra.
Foram cúmplices de Hitler.
As leis e as normas foram abolidas, alteradas e aplicadas de acordo com a vontade de Hitler e os nazis.
A Justiça que é a grande culpada, foi absolvida!

O tempo de expiação dos crimes por quem os cometeu já passou, a maioria dos juízes assassinos já morreram, e fica para a história o fracasso e as falhas da justiça pós-guerra.




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