domingo, 14 de julho de 2024

Como estás







Morri na última terça-feira e ninguém notou.

O mundo permaneceu o mesmo, mudando e imutável.
Não houve furacão, anúncio, tempestade
ou nuvens por entre as quais surgisse
aquele raio de luz que aparecia
nas capas dos catecismos.

Minha filha continuou a servir-me o chá no mesmo horário
e eu continuo a sorve-lo em pequenos goles
com o canudinho que ela coloca entre os meus lábios.

Meu marido me disse não me deixes
e eu já havia partido.

As visitas seguram-me em uma das mãos.
A outra não está mais aqui.

Trazem-me presentes que já não me servem,
e perguntas que não sei responder.
Como estou, por exemplo,
ou como tenho dormido, como me sinto, essas coisas.

Vejo, sem abrir os olhos, como movem os lábios.
Dizem palavras que afugentam seus medos.

Palavras como estas. Como estás?
Como dormiste hoje?

Morri na última terça-feira.
Estou melhor.


Juan Vicente Piqueras




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