Procuramos o sentido. Andamos às voltas. Por
vezes, aparece um significado, mas tudo é vago,
como se as palavras já não dissessem o que
dizem. Por exemplo: quero saber o que significa
este azul na parede. A casa está à direita,
resistiu ao tempo; mas o azul aparece desbotado
pelo sol do verão, pelos pela chuva do inverno,
pela humidade salgada das maresias. E o que
significa este azul não é o azul da cor de
uma parede, tão-só. Há quem veja nele
a passagem dos anos, a fragilidade da vida;
mas há quem aponte os pedaços em que a cor
desapareceu, deixando à vista o reboco,
e se refira a um mundo em ruínas, ao que
não é possível recuperar. Mas o pintor
chega, encosta a escada à parede, dissolve
a cor no balde, e aproveita a semana sem
chuva para pôr tudo igual. Talvez o novo
azul não seja igual ao anterior; e quando
olho o azul do céu, e o comparo ao da parede,
é como se fosse a sombra do outro. De
certo modo, o azul deste céu parece-me
mais artificial do que o azul da parede. Digo
então que o homem aperfeiçoa imagem
que a natureza nos dá, como se já não
fosse possível acreditar no céu. O
pintor, esse, foi-se embora. Depois, olho
para o alto: há nuvens aqui e ali, e alguns
pássaros pontuam-no, como insólitas
manchas no infinito. Faz ali falta um pintor
para tapar os buracos, e voltar a pôr tudo
igual. Mas onde está a escada para chegar
lá cima? E quantos baldes de tinta seriam
precisos? E fico à espera da noite, para
não ver o azul com as imperfeições do céu.
Nuno Júdice
in, Fórmulas de Uma Luz Inexplicável
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