segunda-feira, 22 de abril de 2024

O SENTIDO DO AZUL








Procuramos o sentido. Andamos às voltas. Por 
vezes, aparece um significado, mas tudo é vago, 
como se as palavras já não dissessem o que 
dizem. Por exemplo: quero saber o que significa 
este azul na parede. A casa está à direita, 
resistiu ao tempo; mas o azul aparece desbotado 
pelo sol do verão, pelos pela chuva do inverno, 
pela humidade salgada das maresias. E o que 
significa este azul não é o azul da cor de 
uma parede, tão-só. Há quem veja nele
a passagem dos anos, a fragilidade da vida;
mas há quem aponte os pedaços em que a cor 
desapareceu, deixando à vista o reboco, 
e se refira a um mundo em ruínas, ao que 
não é possível recuperar. Mas o pintor 
chega, encosta a escada à parede, dissolve
a cor no balde, e aproveita a semana sem 
chuva para pôr tudo igual. Talvez o novo 
azul não seja igual ao anterior; e quando 
olho o azul do céu, e o comparo ao da parede,
é como se fosse a sombra do outro. De 
certo modo, o azul deste céu parece-me
mais artificial do que o azul da parede. Digo 
então que o homem aperfeiçoa imagem 
que a natureza nos dá, como se já não 
fosse possível acreditar no céu. O
pintor, esse, foi-se embora. Depois, olho
para o alto: há nuvens aqui e ali, e alguns 
pássaros pontuam-no, como insólitas 
manchas no infinito. Faz ali falta um pintor 
para tapar os buracos, e voltar a pôr tudo 
igual. Mas onde está a escada para chegar 
lá cima? E quantos baldes de tinta seriam 
precisos? E fico à espera da noite, para 
não ver o azul com as imperfeições do céu.


Nuno Júdice
in, Fórmulas de Uma Luz Inexplicável




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