sexta-feira, 28 de julho de 2023

A cada um as suas armas









A cada um as suas armas, as mulheres que amou,
os homens que defendeu do juízo moral dos outros,
a cama onde um dia se viu abandonado,
rodeado de cruzes e velas.
Das linhas que tremo, roda-me a lâmpada
interior à carne, e a claridade
chega aos ossos numa duração insaciável.

Falar com a minha voz depois de tantas outras,
dos condenados a quem roubaste as cartas,
copiando aquele ritmo que se aferrava à carne
e dizias que os viste cair
depois de os teres seguido para a guerra, mas agora
que já ninguém faz luto pelos rouxinóis
e toda a gente escreve poemas,
não te podes valer de mentiras
nem de verdades,
já nem sequer do antepassado
enterrado num canto do pátio
— homem que teve os seus méritos.

Se a folha ainda me arranca um traço,
pisando-me os ossos da mão,
a distância é o meu único assunto.
De olhos fechados, entretenho-me
com a sensação de entrar em comboios remotos,
a tresandar a esquecimento para ser embalado
pela trepidação desse traço contínuo.

Terra e água num copo, a raiz amarga
que lá tenho escuta atentamente,
moendo tudo para épocas futuras.
Lá fora, o mar como um pássaro só
descansa, revê todos os finais,
mil capitães adormecidos enquanto os navios
se entrechocam docemente.
As noites passam em braços,
levanto a casa, feita de pedra negra.
Atraídos, os cometas caem longe
para que os sinta.
Os jardins escutam as flores,
a morte diz o nosso nome
e vimos esperá-la formando filas.


 
Diogo Vaz Pinto
in, De Aurora para os Cegos da Noite



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