quarta-feira, 6 de julho de 2022

Tumbas das Hetairas


“In Bed with the Ancient Greek”
Museu de Arte de Berlim






Em seus longos cabelos elas jazem,
rostos escuros, encerrados em si mesmos,
olhos cerrados como se distantes.
Esqueletos e bocas, flores. E nas bocas
dentes polidos, como num xadrez de bolso,
peças enfileiradas em marfim.
Flores, pérolas amarelas, ossos finos
e mãos e mantas, murchas vestimentas,
e lá no fundo, o coração cravado.
Mas sob anéis e talismãs e pedras
de olhos azuis (regalos preferidos),
ainda resta, em sua cripta, o sexo mudo,
cumulado de pétalas de flores.
Pérolas amarelas, ainda, esparsas,—
pratos de terracota, curvos, adornados
de suas imagens, cacos verdoengos
de jarras de óleo olentes como flores,
miniaturas de deuses e altares,
céus de hetairas, deuses desejantes.
Cintos soltos, escaravelhos-pedras,
vultos pequenos com enormes falos,
boca ridente, atletas, dançarinas,
fíbulas de ouro, como arcos de caça
para amuletos de animais e pássaros,
e agulhas finas, utensílios raros,
e sobre um vaso circular, vermelho,
como a negra inscrição de algum portal,
as pernas rígidas de uma quadriga.
De novo flores, perólas roladas,
as ancas lisas da pequena lira,
e dentre os véus que caem como névoa,
como se de crisálidas-sandálias:
a borboleta leve de um artelho.

Jazem assim, acúmulo de coisas,
coisas preciosas, pedras, jóias, jogos,
bagatelas (caidas sobre elas)
no escuro, como se o leito de um rio.

Pois elas foram rios,
e em ondas breves e velozes, nelas,
precipitaram-se os corpos de jovens
(que ansiavam só por uma vida nova)
e torrentes de homens irromperam.
E às vezes os meninos das colinas
da infância vinham em tímidas quedas,
brincavam com as coisas até quando
a cachoeira enchia os seus sentidos:

Então davam à água rasa e clara
toda a extensão dos cursos expansivos
e enfrentavam remoinhos e águas fundas,
refletindo, pela primeira vez, as margens
e a voz dos pássaros ao longe —, e as noites
estelares de um país ameno abriam
um céu que nunca mais se fecharia.



Rainer Maria Rilke
in, em “Novos poemas I”





As heteras ou hetairas (do grego ἑταίραι, transl. hetaírai: 'companheiras', 'amigas'), na sociedade da Grécia Antiga, eram prostitutas refinadas, que, além da prestação de serviços sexuais, ofereciam companhia e sabedoria, frequentemente tinham relacionamentos duradouros com seus clientes, diferenciavam-se das prostitutas comuns (pornoi) da época, pois além do prazer carnal, ofereciam prazer cultural para seus companheiros, tendo casos com os homens que as procuravam.

O nome Hetaira, significa companheira, e foi utilizado em alusão a Afrodite Hetera, um dos epítetos da deusa Afrodite.




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