quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Vai, Ano Velho









1.

 Vai, ano velho, vai de vez, 
vai com tuas dívidas 
e dúvidas, vai, dobra a ex- 
quina da sorte, e no trinta e um, 
à meia-noite, esgota o copo 
e a culpa do que nem me lembro 
e me cravou entre janeiro e dezembro. 

Vai, leva tudo: destroços, 
ossos, fotos de presidentes, 
beijos de atrizes, enchentes, 
secas, suspiros, jornais. 
Vade retrum, pra trás, 
leva pra escuridão 
quem me assaltou o carro, 
a casa e o coração.
 
Não quero te ver mais, 
só daqui a anos, nos anais, 
nas fotos do nunca-mais. 

2.

Vem, Ano Novo, vem veloz, 
vem em quadrigas, aladas, antigas 
ou jatos de luz moderna, vem, 
paira, desce, habita em nós, 
vem com cavalhadas, folias, reisados, 
fitas multicores, rebecas, 
vem com uva e mel e desperta 
em nosso corpo a alegria, 
escancara a alma, a poesia, 
e, por um instante, estanca 
o verso real, perverso, 
e sacia em nós a fome 
- de utopia. 

Vem na areia da ampulheta com a 
semente que contivesse outra se- 
mente que contivesse ou- 
tra semente ou pérola 
na casca da ostra 
como se 

se outra se- 
mente pudesse 
nascer do corpo e mente 
ou do umbigo da gente como o ovo 
o Sol a gema do Ano Novo que rompesse 
a placenta da noite em viva flor luminescente. 

3.

Adeus, tristeza: a vida 
é uma caixa chinesa 
de onde brota a manhã. 

Agora 
é recomeçar. 
A utopia é urgente. 

Entre flores de urânio 
é permitido sonhar.


Affonso Romano de Sant’Anna




Sem comentários:

Enviar um comentário