terça-feira, 21 de julho de 2020

As Raparigas de Xangai








Um livro sobre a sobrevivência e sobre a dimensão dos sacrifícios que podemos suportar por aqueles que amamos. Um relato comovente das dificuldades sentidas pelos emigrantes chineses nos EUA. Uma obra rica em detalhes, uma linguagem cativante, que nos prende desde a primeira página.
A narradora é Pearl, uma jovem chinesa, que nos vai contando momentos da sua vida, que partilha com a sua irmã mais nova (May que é 3 anos mais nova) entre 1937 e 1957.

Em Raparigas de Xangai, Lisa See leva-nos numa viagem – tão trágica quanto cheia de esperança – desde Xangai dos anos 30 até à Chinatown de Los Angeles em meados do séc. XX. 
A história transita dos horrores bárbaros da ocupação japonesa na China, para as humilhações sofridas pelos emigrantes chineses em Hollywood.
Através dela, Lisa See sublinha a importância das antigas tradições. E é refrescante ver esta época histórica através dos olhos de duas mulheres que se afastam, sendo simultaneamente atraídas (forçadas ou não) pelos costumes que tentam ignorar…

Em 1937, Xangai era a Paris da Ásia, uma cidade de grande riqueza e glamour. Duas jovens irmãs, Pearl e May Chin, gozam a época dourada das suas vidas, graças à fortuna do pai. São ambas bonitas, modernas, despreocupadas e cosmopolitas. Um dia, porém, o pai anuncia que perdeu toda a fortuna na mesa de jogo, e que, para pagar as dívidas, as vendeu como esposas a compatriotas endinheirados que vieram da Califórnia à procura de noivas chinesas ( os Homens da Montanha de Ouro). Já com as bombas japonesas a caírem sobre a sua amada cidade, Pearl e May embarcam na viagem das suas vidas rumo à América ( Terra da Bandeira Florida). Recomeçam a vida em Los Angeles, tentando encontrar o amor junto dos estranhos com quem se casaram. Divididas entre o fascínio de Hollywood (Haolaiwu) e os antigos modos de vida e as regras de Chinatown, esforçam-se por aceitar a vida americana, combatendo a discriminação e o Maccartismo. Pearl e May são amigas inseparáveis; porém, como todas as irmãs, nutrem, também, uma pela outra, invejas e rivalidades mesquinhas. Enfrentam sacrifícios terríveis, fazem escolhas impossíveis e partilham um segredo devastador, capaz de mudar as suas vidas.

Ficamos a conhecer os costumes da China dessa época, marcada pela guerra em que o Japão invade a China, os contrastes entre indivíduos de classes sociais díspares, a indiferença por parte de duas jovens em relação às injustiças gritantes existentes entre essas mesmas classes, as diferenças de mentalidade entre pais e filhos que são tão, mas tão diferentes das nossas, que nos fazem "estremecer" um pouco.

Baseado em factos verídicos, damo-nos conta, igualmente, de uma realidade que, naquela época, tomou proporções imensas: a emigração ilegal do povo Chinês para fugir da invasão Japonesa e as suas dificuldades num país que nunca os aceitou verdadeiramente e os marginalizou, a América. Criaram um mundo à parte - Chinatown - do qual não se conseguiam desligar, mesmo que tivessem dinheiro suficiente, pois a sua naturalidade era um impedimento ( as escolas não aceitavam alunos chineses, as imobiliárias não vendiam casas a chineses, etc...). Os seus filhos, sendo cidadãos americanos, viveram, também, essa marginalização, acrescentando o facto que viveram no meio de duas culturas muito diferentes entre si, sentindo-se divididos entre elas.

O livro não nos deixa indiferentes, faz-nos ver com outros olhos a China, a sua cultura e o seu povo. Seguimos duas irmãs de Xangai ao longo de parte das suas vidas, vivemos com elas o terror da guerra, a condição de ser mulher e chinesa, o preconceito de se ser diferente.
Este livro começa por nos descrever a vida boémia, desafogada, livre de duas irmãs, Pearl e May, na "Paris da Ásia" que é Xangai, nos finais da década de 30. Filhas de um homem, pode dizer-se, rico no negócio dos riquexós. Onde já não se casa por casamento arranjado, mas por amor, onde as mulheres já não são obrigadas a enfaixar os pés, e onde já não se fazem oferendas aos antepassados.
Nunca lhes passou pela cabeça que, de um dia para o outro, o seu pai lhes tivesse arranjado um casamento com dois sino-americanos, supostamente filhos de famílias ricas, tendo que se mudar para os EUA. Não podendo recusar, visto ser isso ou a vida dos pais, que estava na mão da máfia chinesa, o Gangue Verde liderado por Huang Jinrong, com a alcunha "Huang Pockmarked", traduzido no livro como Huang Bexigoso( a quem o pai devia dinheiro das dívidas de jogo).

O Gangue Verde servia de ponte entre os que queriam ser filhos de papel, e os que procuravam vender certificados de nascimento sino-americanos para terem filhos de papel.

Ao mesmo tempo, a China é invadida pelos anões, homens-macaco que são os nipónicos, e é assim que começa uma grande viagem/fuga, infelizmente com um quê de verídica, de duas irmãs que nunca se separam, rumo aos EUA. Essa viagem de fuga é longa, com uma viagem a pé de Xangai até ao Grande Porto, aqui ainda as três - mãe e as duas filhas - onde num casebre, são apanhadas pelos japoneses, e a mãe e Pearl são violentamente estupradas pelos soldados japoneses até ficarem as duas inconscientes. A mãe morre dos ferimentos, e Pearl, quase morta mas ainda a respirar, é levada pela irmã a pé, num carrinho de mão, inconsciente, até ao Grande Porto, onde paga a um pescador para as levar de barco para o outro lado, Hong Kong, e leva Pearl para o hospital, onde é tratada, em coma, durante vários dias, e de forma inesperada sobrevive mas, com a impossibilidade de vir a ter filhos.
Compram bilhetes de terceira classe, no porão, e vão de barco, de Hong Kong para San Francisco, e dali para Los Angeles.
Como as coisas nunca são aquilo que os outros pintam, as irmãs aliam-se para sobreviver como emigrantes chinesas nos EUA.



FACTOS HISTÓRICOS:


Huang Jinrong, personagem verídico, foi o líder de uma das Sociedades Secretas Chinesas, o Green Gang:
"Hwang Chin-jung was one of Shanghai's three major gangsters along with Du Yuesheng and Zhang Xiaolin, who worked for the Green Gang. Despite the Gang's gradual collapse, Huang stayed in Shanghai until he died of illness in 1953.The Green Gang was a Chinese secret society and criminal organization, which was prominent in criminal, social and political activity in Shanghai during the early to mid 20th century.The society has its roots in the Luojiao, a Buddhist sect founded by Luo Qing in the mid-Ming dynasty; during the early 18th century in the Qing dynasty. Shanghai became a favourable place for criminal activity, and the Green Gang in particular, due to several factors. As the Grand Canal fell out of use for grain shipments, replaced by the sea route, Shanghai became an important transshipment point for grain; at the same time, as one of the treaty ports, it was a gateway for foreign trade, including in opium. The presence of the Shanghai International Settlement and the French Concession, which were under different jurisdictions and administrations, also made for a disjointed legal environment that favoured organised crime. Finally, massive Chinese immigration into Shanghai meant that associations based on common ancestral hometowns or sworn loyalties became important factors of Shanghai social life, and the Green Gang worked through these networks. For example, Du Yuesheng, who would become one of the most prominent Green Gang leaders in Shanghai, was introduced to Huang Jinrong, an earlier leader, because his mentor was a native of Suzhou like Huang. The Green Gang focused on opium (which was supported by local warlords), extortion, gambling, and prostitution. Shanghai was considered by some the vice capital of the world at that time. The Green Gang was a major financial supporter of Chiang Kai-shek, who became acquainted with the gang when he lived in Shanghai from 1915 to 1923. After the collapse of Chiang Kai-shek's regime in 1949, the Green Gang left Shanghai and in the early 1950s opened heroin refineries in Hong Kong. In the following years, the organization suffered in struggles against local syndicates over the control of the drug market. By the mid 1950s it had disappeared. Control of the heroin market was then taken by small syndicates of ethnic Chaozhou hailing from the nearby coastal town of Swatow. They used the Green Gang's chemists and expanded the consumption of heroin in Hong Kong. In the early 1960s they spread their influence in South-East Asia and by the end of the decade Hong Kong chemists inaugurated the first laboratory of high-grade no. 4 heroin along the border between Thailand and Burma, introducing the technology that made the Golden Triangle the largest heroin producer in the world"


Algumas das questões que movem o livro, são a Segunda Guerra Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial e o comunismo de Mao Tse-tung.

Em Julho de 1937, sem declaração de guerra, o Japão inicia as hostilidades; em menos de noventa dias os japoneses ocuparam a parte oriental da China, sem que o governo nacionalista pudesse impedi-los. Pequim e Tientsin caem em poder dos nipónicos.
Os EUA e a URSS firmam com a China tratados de ajuda e amizade.
Os comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung, e os nacionalistas, liderados por Chiang Kai-shek, assinam um acordo em 22 de Setembro de 1937, pelo qual os comunistas abandonam o seu projecto de um governo revolucionário, renunciando a insurgir-se contra o governo de Chiang Kai-shek que, pelo seu lado, comprometeu-se a suspender as operações anticomunistas, forma-se dessa forma a Segunda Frente Unida. Apesar da aliança, as forças chinesas não são fortes o suficiente para lutar contra o Exército Imperial Japonês e sofrem uma série de desastres no início do conflito. O Japão, ocupa Xangai e Nanquim, realizando o bloqueio da China meridional, e instituindo um Estado títere, que durou de 1938 a 1945, reconhecido pelas potências do Eixo.
A participação da China na II Guerra Mundial, a partir de 1941, facilitaria a ajuda norte-americana, inglesa e soviética ao governo de Chiang Kai-shek, e a derrota do Japão em 1945, representou a libertação do território nacional. Dessa forma, o avanço das forças soviéticas pela Manchúria a 8 de Agosto de 1945 e o lançamento em 6 e 9 de Agosto de duas bombas atómicas sobre o Japão, destruindo Hiroshima e Nagasaki, encerrou a Guerra do Pacífico.
O Japão rendeu-se incondicionalmente em 10 de Agosto de 1945.
A história do livro passa-se entre o início de 1937 e 1957.

Com o final da Segunda Guerra em 1945, os japoneses foram expulsos do território chinês e as tropas de Chiang Kai-shek, com o apoio bélico dos Estados Unidos, lançaram uma ofensiva contra os “vermelhos” de Mao Tse-tung, reiniciando, então, o conflito armado chamado de Guerra Civil.
Em 1948, quase toda a China do Norte estava em poder dos comunistas, que, no inicio de 1949, ocuparam Tientsin e Pequim, além de dominarem a região central do país. Chiang Kai-shek demitiu-se em Janeiro de 1949, entregando o poder ao General Li Tsung-jen. Isso não facilitou as negociações com os comunistas, que exigiam a formação de um governo de coalizão sob a chefia de Mao Tse-tung. A queda de Xangai, Nanquim e Cantão representava a liquidação dos exércitos nacionalistas, agravada pela atitude dos EUA, que em Agosto de 1949 anunciavam a cessação de qualquer ajuda ao Kuomintang.

Mesmo sem a ajuda da maior potência comunista, a União Soviética, dirigida na época por Stalin, as forças de Mao conseguiram a vitória. A 1 de Outubro de 1949, conquistaram o poder e proclamaram a República Popular da China, sendo instalada a Conferência Consultiva do Povo, que elaborou o programa do novo governo, presidido por Mao Tse-tung.

O livro fala da Lei de Exclusão Chinesa, uma lei federal dos Estados Unidos assinado pelo presidente Chester A. Arthur em 6 de Maio de 1882, que proíbe a imigração de chineses.

Em 1875 o Página Act , proibiu as mulheres chinesas de imigrar para os Estados Unidos, para impedir que se formassem famílias chinesas e sua descendência nos EUA. A maioria dos homens chineses foram confrontadas com um dilema: ficar nos Estados Unidos sozinhos ou voltar para a China para se reunirem com as suas famílias. Qualquer chinês que deixasse os Estados Unidos tinha de obter certificações para a reentrada, excepto os imigrantes chineses estrangeiros permanentes com cidadania dos EUA. Após a aprovação da lei, os homens chineses nos EUA tinham pouca hipótese de se reunir com as suas esposas, ou de começar famílias chinesas nos EUA.

Em US vs Ju Toy (1905), o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reafirmou que os Inspectores de Porto e do Secretário de Comércio tinha autoridade final sobre quem pode ser admitido. 
Angel Island era uma estação de imigração, centro de detenção localizado na Baía de San Francisco que operava a partir de 21 de Janeiro de 1910 a 5 de Novembro de 1940, onde os imigrantes que entravam nos Estados Unidos foram detidos e interrogados. 
Isto é bem relatado no livro, sobre o que se passava lá, onde os inspectores de porto fechavam lá os chineses que chegavam por barco a San Francisco. O centro de detenção foi considerado ideal por causa de sua localização isolada, o que torna muito fácil de controlar os imigrantes, conter surtos de doenças, e fazer cumprir as novas leis de imigração.  Este foi um porto com uma grande proporção de chineses, japoneses e imigrantes coreanos. A inspecção foi adaptada para a exclusão deste grupo. Os brancos e outras raças foram separados antes da inspecção. Ali eram duramente questionados, nalguns casos durante mais de 8 horas seguidas sem comer e foram lá retidos durante meses até conseguirem averiguar se os documentos eram verdadeiros, se as histórias batiam certo entre eles, e se havia Filhos de Papel a chamar Esposas de Papel vindas da China.
A instalação foi criada para monitorizar o fluxo de imigrantes chineses que entram no país após a implementação do Ato de Exclusão Chinesa em 1882. A lei só permitiu entrada para comerciantes, clero, diplomatas, professores e estudantes, barrando trabalhadores. 
A Lei deu ao governo uma ideia de como começar a regular a imigração, e perceber o potencial efeito da imigração sobre a economia americana. Imigrantes chineses foram vistos como uma ameaça porque eles ocuparam empregos de baixa remuneração, e depois da queda económica durante a década de 1870, os americanos passaram por sérios problemas de desemprego. Isto resultou num aumento da discriminação contra os chineses, rotulando-os como os americanos inadequados devido à sua aparência e status social. 

Depois de executar uma série de leis restritivas que proíbem a maioria da imigração chinesa, o centro de detenção foi aberto em 1910. O tempo de detenção dos imigrantes variava dependendo de quanto tempo o processo de interrogatório durava. Para alguns foi apenas alguns dias e para outros durou meses... a mais longa estadia registada durou 22 meses, a viverem lá em condições desumanas. Os interrogatórios que demoraram mais tempo aconteceram porque muitos dos imigrantes detidos no centro de detenção tinham falsa documentação. Imigrantes chineses, na sua maioria do sexo masculino, alegaram serem filhos de indivíduos chineses que eram cidadãos americanos.
Desde que as crianças dos cidadãos sino-americanos também fossem considerados cidadãos americanos, independentemente de onde eles tivessem nascido, era ilegal negar-lhes a entrada se eles pudessem provar a cidadania. 
Portanto, o conceito de " filhos de papel " eram crianças no papel, com identidades trocadas, mas sem laços familiares reais. 
Os cidadãos sino-americanos concordaram com esta colaboração porque ganhavam dinheiro com a venda dos certificados de nascimento, e porque era uma forma de conseguirem ter filhos rapazes para darem continuidade ao nome da família.
Angel Island serviu como centro de detenção para os 56,113 imigrantes chineses que foram registados; mais de 30%  foram devolvidos à China.

Além disso, após o terremoto de 1906 em San Francisco , que deu origem a um grande incêndio que destruiu a Câmara de Registos Civis, muitos imigrantes (conhecidos como " filhos de papel ") afirmaram que tinham laços familiares com os cidadãos sino-americanos residentes, ou que tinham nascido em San Francisco. Se estes eram verdadeiros ou não, não poderiam ser comprovados, visto que todos os registos ficaram destruídos com o incêndio.

O Ato de Exclusão Chinesa deu origem à primeira grande onda de contrabando humano comercial nos EUA:
Filhos de papel é um termo usado para se referir a pessoas chineses que nasceram na China que ilegalmente emigraram para os Estados Unidos através da compra de documentações fraudulentas (certificados de nascimento de crianças chinesas nascidas nos EUA que morreram e não foi declarada a sua morte legalmente) que declaravam que eles eram parentes de sangue de chineses que já tinham recebido a cidadania dos EUA. Muitos fugiram da China por causa da guerra e da pobreza. Vários eventos históricos, como o Ato de Exclusão Chinesa e o terremoto de San Francisco em 1906 fizeram com que os documentos ilegais a ser produzidos não pudessem ser verificados pelas autoridades dos portos de inspecção nos EUA.

De repente, uma nova oportunidade para a cidadania surgiu: 
- Homens chineses que já estavam nos Estados Unidos a trabalhar poderiam alegar que tinham nascido nos Estados Unidos. Foram os primeiros filhos de papel.
- Outros chineses com cidadania americana como filhos de papel, começaram a viajar para a China, para supostamente visitarem familiares, e no porto de inspecção no regresso aos EUA, relatavam que as suas esposas tinham dado à luz um filho enquanto estiveram na China. Consequentemente, isso fez a criança elegível para ser um cidadão dos Estados Unidos, para o qual eles iriam receber um documento. Esses documentos podem então ser usadas para os seus filhos reais, ou vendidos a amigos, vizinhos e estranhos recomendados pelas máfias na China.

Isto foi denominado como uma “fenda” e seria, então, disponível para compra aos homens que não tinham relações de sangue nos Estados Unidos, a fim de ser elegível para entrar nos Estados Unidos. Comerciantes, muitas vezes agiram como intermediários para lidar com a venda de certificados de nascimento de crianças chinesas nascidas nos EUA já falecidas mas não dadas como falecidas legalmente)

Para fazer cumprir verdadeiramente o Ato de Exclusão Chinesa , criaram uma estação de imigração localizada na Angel Island em 1910, onde questionavam e interrogavam imigrantes vindos de 84 países diferentes, sendo a maioria dos imigrantes chineses. Os registos oficiais eram muitas vezes inexistentes, e os processos de interrogatório foram criados para determinar se os imigrantes podiam entrar nos EUA ou tinham de ser deportados de volta para a China. Em média um processo de interrogatório podia levar até 2 - 3 semanas, mas alguns imigrantes foram interrogados durante meses. As perguntas incluíam detalhes de casa e aldeia do imigrante, bem como conhecimento específico dos seus antepassados. Os imigrantes chineses levavam consigo Cadernos de Preparação, com tudo o que tinham de memorizar para responder às perguntas dos inspectores,  e as suas testemunhas - geralmente outros membros da família que viviam nos Estados Unidos - seriam chamados para cruzar e confirmar as respostas. Qualquer desvio a partir do testemunho prolongaria a detenção ou por todo o processo em dúvida e colocar o imigrante em risco de deportação, e possivelmente toda a família ligada ao requerente também.
Este centro de detenção esteve em funcionamento durante trinta anos.
O Ato de Exclusão Chinesa acabou por ser revogada em 1943.

Muitos filhos de papel foram subitamente confrontados com a exposição de suas documentações fraudulentas. O governo dos Estados Unidos foi avisado por um informante em Hong Kong, como parte de um esforço de cooperação na guerra fria para parar a imigração ilegal. Muitos Filhos de Papel estavam com medo de serem deportados de volta à China.

Somente na década de 1960 uma  nova legislação em relação à imigração ilegal da China deu aos  filhos de papel a hipótese de dizerem a verdade sobre quem eles eram e restaurarem os seus nomes reais em programas "confessionais". Mas muitos optaram por ficar com os seus nomes adoptados por medo de represálias e levaram as suas verdadeiras identidades para suas sepulturas, por não confiarem nas promessas do governo americano.
Muitos filhos de papel nunca falaram aos seus descendentes sobre o seu passado; deixando-os na ignorância em relação à sua verdadeira história familiar.
Alguns filhos de papel, para não correrem riscos de serem descobertos pelo FBI, adoptaram o estilo de vida americano, não ensinaram aos filhos os seus dialectos chineses em casa, não os matricularam nas aulas de mandarim nos missionários chineses, e esqueceram as tradições culturais chinesas, tais como os seus alimentos culturais e rituais, como as oferendas aos antepassados.
Tudo isso era muito controlado pelo FBI, e havia visitas surpresa em suas casas pelos inspectores portuários para confirmarem as informações que tinham dado.

O Programa de Confissão chinês era um programa gerido pela Imigração e Naturalização (INS) nos Estados Unidos entre 1956 e 1965, que procurou confissões de entrada ilegal de cidadãos e residentes de origem chinesa nos EUA, com a oferta (um pouco enganadora) da legalização do estado em troca. Foi um componente importante da política de imigração dos EUA para com a República Popular da China. O Programa de Confissão chinesa marcou a última década na vida do Ato de Exclusão Chinesa, e foi uma grande restrição federal a um determinado grupo étnico nos Estados Unidos.

O Ato de Exclusão Chinesa proibiu a imigração de trabalhadores qualificados e não qualificados provenientes da China. Excepções foram feitas para diplomatas, bem como certos membros da família de cidadãos americanos de origem chinesa. Essas excepções foram usadas por muitos chineses para imigrar sob falsos pretextos para os Estados Unidos. 
Por exemplo, sino-americanos que iam para casa para visitar a família na China traziam de volta chineses mais jovens, e afirmavam ser seus pais. Esta prática foi chamada "Sons of Paper" , e entrou em destaque depois do terremoto de 1906 em San Francisco,  depois do fogo destruir muitos dos registos da cidade.

O Acto de Exclusão Chinesa foi parcialmente revogado com a Lei Magnuson de 1943, que permitiu a imigração de um pequeno número de chinêses (com base na proporção da população actualmente presentes). No entanto, esse número era muito pequeno: cerca de 105 por ano. Assim, uma grande quantidade de migração da China permaneceu ilegal, e muitos cidadãos e residentes de origem chinesa americanos poderiam traçar a sua presença nos Estados Unidos com alguma forma de fraude de imigração.

O Programa de Confissão chinês foi em parte motivado por preocupações nos Estados Unidos sobre a ascensão do comunismo na China de Mao, e o papel que os sino-americanos podiam estar ter para o espalhar pelos EUA , bem como o perigo de chineses comunistas entrarem nos Estados Unidos ilegalmente como espiões.
Embora o programa tenha sido descrito como um programa de amnistia pelo qual as pessoas poderiam confessar as suas violações de imigração e obter status legal, houve poucas mudanças às leis de imigração. Embora confessar às autoridades oferecesse imunidade (temporária) da acusação e deportação, o confessor tinha que ceder o seu passaporte e ser passível de deportação. Tinham de fornecer detalhes completos das suas famílias de sangue, bem como denunciar as famílias de papel (as pessoas com quem eles tinham reivindicado ter um falso relacionamento de modo a facilitar a imigração ilegal). Isto significava que um único confessor poderia implicar um grande número de outras pessoas, e, portanto, aumentar o risco de deportação para todos os outros.
O programa resultou em 13.895 confissões, com cerca de 10.000 em San Francisco (onde a maior parte da população chinesa entrou ilegalmente). Este foi muito menos do que o número de pessoas suspeitas de terem entrado ilegalmente, e o fracasso do programa foi atribuído à falta de confiança nas agências de aplicação da imigração dos Estados Unidos entre a população chinesa, a falta de claros benefícios de confessar, e o risco de deportação enfrentado pelo confessor, bem como a sua família (sangue e papel).

Denuncias de vizinhos poderiam implicar uma pessoa e causar-lhe a deportação, e por isso o programa criou medo e desconfiança em muitas comunidades sino-americanos. Qualquer um que tivesse entrado ilegalmente e tivesse a ser investigado pelo FBI,  poderia confessar, denunciar uma série de gente, e estar sujeito a deportação imediata.
As confissões tiveram um impacto significativo sobre a comunidade sino-americana: como resultado das confissões, 22.083 pessoas foram expostas e 11.294 candidaturas a  filhos de papel foram fechadas. Muitos chineses suicidaram-se para salvar as suas famílias encerrando os processos de investigação por falta de provas.
Para efeito de comparação, o censo de 1950 listava 117,629 chineses na América (excluindo Havai).

O Programa de Confissão chinesa terminou em 1966, logo após a aprovação do Imigração e Nacionalidade Act, de 1965 .

Bill Ong Hing, professor de Direito na Universidade de San Francisco, e um americano de origem chinesa, comparou o tratamento dos chineses nos Estados Unidos, e o Programa de Confissão chinesa, à maneira como os Estados Unidos tratam os imigrantes ilegais do México hoje.
Ele escreveu:
"O "programa de confissão"chinês em 1950 foi principalmente uma fraude perpetrada na nossa comunidade, mas não precisamos repetir a fraude com os imigrantes ilegais hoje.
Vamos ser honestos, e tratá-los com o respeito que merecem.".



Tudo isto é relatado no livro.







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