quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Pessoas que mudam vidas de outras pessoas


Simon Gudgeon




Todos nós tivemos, no nosso percurso de vida, alguém - um professor, dentro da escola ou em alguma actividade paralela, um tio, um mestre, uma paixão absolutamente marcante - que fez efectivamente a diferença, que foi fundamental para aquilo em que nos tornámos.

Há uma frase profética que diz que as coisas que não nos acontecem, são tão importantes como as coisas que nos acontecem.

Podia dourar a pílula e dizer que foi o meu avô, o homem que me levou ao altar, mas quando me perguntam acerca da pessoa que mais me influenciou, tenho que falar sobre o meu pai.
E foi na sua ausência voluntária e muitas vezes dolorosa que me fiz pessoa.
Foi quase tudo o que ele não foi, que fez de mim tudo o que sou.
Foi essa cadeira vazia que fez da minha mãe uma poltrona.
Foi por ele não ter querido existir que o meu avô se fez pai pela segunda vez.
Foi nesse espaço por preencher que se fez oxigénio, dor, revolta e depois carácter.

É difícil entender que a não existência de uma pessoa seja tão brutal como a sua permanência.
Chega a ser quase injusto para quem permanece. Mas nós somos tanto de permanência, como de intermitência. Sou uma pessoa feliz, de rancor nem verbo, nem memória.

De quem não está não reza a história.
Mas quando crescemos damo-nos conta que a vida não é, nem nunca foi, uma narrativa cronológica linear, que corre sem guião, que não tem plano de cena ou personagens definidas. E quando as há, elas podem bem revoltar-se: A árvore que quer ser duque, o pano quer ser cenário, a princesa que quer ser espadachim, o pai que não quer ser pai.
Há medida que o tempo vai encorpando a nossa existência vamos discernindo a importância que a ausência teve, as notas onde se entornou, os acórdãos que influenciou, as decisões que empurrou consigo.

Mentiria se não dissesse, que a pessoa que mais me influenciou foi a que não se dando a conhecer, me levou à orfandade de mim. E que foi esse vazio, que fez com que outros se enchessem de coragem de ser. Enriquecendo os seus papéis, duplicando as suas funções, majorando a sua importância.

Não sou maluca para lhe agradecer a ausência, mas já sou crescida que chegue para lhe tirar proveito.
Pai.



Isabel Saldanha





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