quinta-feira, 14 de abril de 2016

Canção de mim Mesmo 49




E quanto a ti, Morte, e tu, amargo abraço da mortalidade, é inútil tentar me assustar.
Para o seu trabalho sem vacilo vem o parteiro
Vejo a mão do idoso pressionando, recebendo, auxiliando,
E me reclino sobre o peitoril das portas flexíveis e requintadas,
E indico a saída e indico o alívio e a fuga.

E quanto a ti, Corpo frio, penso que serás um bom adubo, mas isso não me ofende,
Sinto o perfume doce das rosas brancas que crescem,
Alcanço os lábios folhosos, alcanço os peitos polidos de melão.

E quanto a ti, Vida, reconheço-te nos restos de muitas mortes,
(Sem dúvida eu mesmo já morri umas dez mil vezes antes.)

Eu vos ouço assobiando aí, ó estrelas do Céu,
Ó sóis — ó relva dos túmulos — ó perpétuas transferências e promoções,
Se vós não dizeis nada, como eu posso dizer alguma coisa?

Do lago de águas turvas que jaz no meio da floresta outonal,
Da lua que desce as escarpas do crepúsculo murmurante,
Arremessai-vos, centelhas do dia e do anoitecer — arremessai-vos sobre os caules negros que apodrecem no esterco.
Arremessai-vos à algaravia dos galhos secos.

Subo da lua, subo da noite,
Percebo que o lampejo cadavérico são os raios do sol do meio-dia reflectidos,
E desemboco no que é estável e central, a partir de uma descendência grande ou pequena.


in, Song of Myself
Walt Whitman


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