segunda-feira, 14 de março de 2011

O Idiota





Há pessoas de quem é difícil dizer alguma coisa que as apresente definitivamente e na integra, no seu aspecto mais típico e característico; são as pessoas comummente chamadas de “normais”, ou a “maioria”, e que constituem, de facto, a enorme maioria de qualquer sociedade.
Elas existem de facto, azafamam-se e correm diante de nós todos os dias, só que numa forma diluída.
O que fazer com a gente vulgar, com as pessoas perfeitamente “normais”, e como apresentá-las aos outros de forma a que elas se tornem um pouquinho interessantes? Passar-lhes ao lado é impossível, porque as pessoas vulgares são, a cada momento e na maioria dos casos, um elo necessário na cadeia dos acontecimentos do quotidiano. Mas esta vulgaridade deseja, custe o que custar, tornar-se original e independente, sem, no entanto, possuir os meios mínimos necessários para a independência.
De facto, não há maior desgosto do que, ser rico, ser de boas famílias, ter uma boa aparência, um bom nível de ensino, não ser parvo, ser bondoso, e, ao mesmo tempo, não ter nenhum talento, nenhuma particularidade, nenhuma esquisitice, nenhuma ideia própria, ser, definitivamente, “como toda a gente”. A família é honesta, mas nunca se destacou por coisa nenhuma; a aparência é decente, mas muito pouco expressiva; o ensino é razoável, mas o indivíduo não sabe como utilizá-lo; há intelecto mas, sem ideias próprias; há coração mas, sem generosidade; e assim por diante. São numerosíssimas no mundo estas pessoas; dividem-se, como toda a gente, em duas categorias principais: as limitadas e as “bastante mais espertas”. As limitadas são mais felizes. Não há nada mais fácil para uma pessoa “vulgar” limitada do que, por exemplo, imaginar-se a si mesma como extraordinária e original e com isso se deleitar sem vacilações (pondo uns óculos diferentes, fazer um novo corte de cabelo, etc…).
Este descaramento da ingenuidade, esta falta de dúvidas da pessoa estúpida relativamente à sua pessoa e ao seu talento, encontra-se a cada passo.
Já os “bastante mais espertos”, são muito mais infelizes do que os limitados.
O problema consiste em que uma pessoa “normal” inteligente, mesmo imaginando-se a si própria em certos momentos (ou mesmo em toda a vida) um génio e um original, guarda sempre no fundo do coração um verme da dúvida que a leva, às vezes, até ao desespero total; e quando tal pessoa acaba, finalmente, por se resignar, já está irremediavelmente envenenada pela vaidade que ficou encafuada dentro dela. Para uma pessoa dessas, a ideia de ter cumprido muito bem as suas obrigações humanas não é minimamente tranquilizadora nem consoladora; pelo contrário, é isso que as irrita: “vejam como desperdicei a minha vida, com que me ataram as minhas mãos e me impediram de descobrir a pólvora! Se não fosse isso, conseguiria o que eu quisesse!”. O mais característico nestas pessoas é que eles realmente, durante toda a sua vida, não conseguem perceber até ao fim o que necessitam exactamente tanto de descobrir e o que estão prontos para descobrir durante toda a sua vida: será a pólvora? Será a América? O certo é que o sofrimento e a nostalgia que têm de descobertas, chegava para fazer um Colombo ou um Galileu. Tais pessoas, por ânsia de originalidade, antes de se resignarem e submeterem, fazem das suas e cometem actos ignóbeis.

O principal é o coração!
O resto é disparate!

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