Estou vivo. Poderei acreditar nisso? Sei apenas que me
encontro no centro das coisas. No limite das coisas. Onde
gerações de mortais têm falhado. Lanço-me na inquietação,
vou ardendo nos troncos que alimentam as fogueiras brancas
do futuro. A poesia pode levar-me a casa. Os meus joelhos,
os meus ombros, estão próximos da linguagem, do sangue
dos sentidos, da irrepetível história do universo. Surpreende-me
a alegria da lâmpada, os animais que bebem da fonte do
crepúsculo, a hesitação e o medo que se abraçam nas esquinas,
a complexidade do que é simples. Também eu tenho um
punhal na minha gaveta. É um verso de Browning, uma lâmina
dramática e fria para o frio da língua. A felicidade está doente,
o frio dos meus joelhos sabe-o, é grande a coragem dos que
ainda querem saber das coisas, dos que não se interessam
pela purificação da ignorância e do esquecimento.
Sou amante do meu próprio amor, gosto de aplaudir a vida
recolhido na minha cabana cheia de estrelas e de amigos, a
minha memória é um cristal irreverente e interminável.
No dia seguinte do dia seguinte do dia seguinte, encontrarei a
saída do labirinto e saberei finalmente se, fora de mim, existe
um segredo, um qualquer segredo que eu deveria conhecer e
não poderia nunca ter esquecido.
A minha vida escapa-me mas, na verdade, só o que eu não sei
me preocupa.
JOAQUIM PESSOA
in, ANO COMUM
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