quinta-feira, 18 de março de 2021

Pearl S. Buck e a China




A família Sydenstricker em 1894




Pearl Sydenstricker Buck: 
Uma ponte entre os Estados Unidos e a China


É importante compreender algumas das causas que levaram Pearl S. Buck (PSB) a escrever sobre o Oriente, sobretudo a China, como tema para grande parte da sua obra: 
  • o porquê do seu interesse nos direitos das mulheres e das minorias étnicas; 
  • o porquê do seu interesse na criação de uma agência de adopção para crianças Amerasian, em particular, e mestiças, em geral; 
  • e de que modo estes assuntos influenciaram a sua obra e o seu percurso de vida.



Influências historico-políticas

É importante compreender a forma como a sua infância e metade da sua vida adulta passadas na China tiveram uma influência basilar na construção da sua personalidade, que viriam a marcar a sua obra e o seu percurso de vida. A sua história de vida e a educação evangélica que recebeu do pai, pastor presbiteriano convicto na conversão e salvação das almas dos chineses pagãos. O seu percurso de vida com as alterações na sociedade chinesa no início do século XX e com os tumultos e as revoluções na China, que a condicionaram, obrigando-a e à família a fugir várias vezes para escaparem de uma morte certa.

Pearl S. Buck (nome de baptismo, Pearl Comfort Sydenstricker) nasceu em 26 de Junho de 1892, em Hillsboro, West Virginia, nos Estados Unidos. Filha de Absalom e Carie Sydenstricker, missionários Presbiterianos sulistas colocados na China, foi o quarto de sete filhos, dos quais apenas
três atingiriam a idade adulta. Quando tinha apenas três meses de idade, os pais regressaram ao continente asiático, levando-a para Zhenjiang, na província de Jiangsu, uma pequena cidade situada na
junção do rio Yangtzé e do Grande Canal. A presença dos Sydenstricker na China ficou a dever-se à vontade férrea do patriarca da família e aos acontecimentos políticos que ocorreram na transição da
China Imperial para a República, através da turbulência criada pelas múltiplas revoltas e revoluções que sacudiram o país, na transição do século XIX para o XX.

Desde cedo se habituou a conviver com utopias e ideais nobres, sobretudo por influência do pai, cuja fé e impulso evangelizadores não conheciam limites, na tentativa insana de converter ao cristianismo o povo chinês primitivo e pagão. Habituou-se também desde tenra idade a ver nos outros as semelhanças em vez das diferenças, o que lhe deu uma experiência de vida que lhe facultou uma compreensão profunda das relações entre raças. Embora afirme ter vivido uma infância feliz, houve momentos que ensombraram esse “estado de graça”, sentindo na alma a violência do ódio e da discriminação racial, quando eclodiu a revolta dos Boxers em 1900, na qual os Nacionalistas se viraram contra a presença dominadora dos ocidentais, conduzindo ao colapso da dinastia Ch’ing. 
Pelo simples facto de ter pele branca, cabelos louros e olhos azuis, tornou-se num alvo óbvio de toda a raiva sentida pela presença opressora e prepotente dos ocidentais na China. Quando rebentou a revolta dos Boxers, teve que fugir e toda a família procurou refúgio durante um ano em Shanghai, com excepção do pai, Absalom, que manteve uma atitude de obstinada teimosia, continuando a sua acção evangelizadora no norte da China. Essa e outras atitudes contribuíram para que mais tarde PSB se demarcasse do movimento missionário americano, levando-a a insurgir-se contra aquilo que designou de “imperialismo espiritual” e que, segundo a sua opinião, violava a liberdade religiosa e cultural de um povo milenar.

O regresso de toda a família aos Estados Unidos em 1901 ficou marcado pelo assassinato do presidente William McKinley, que contribuiu para reforçar ainda mais a noção de que a violência não era um fenómeno exclusivo da China, uma vez que os próprios Estados Unidos da América não estavam protegidos desse flagelo. 

Em 1902 regressaram à China à missão em Zhenjiang e em 1909, com 17 anos, foi enviada para Shanghai, para a Miss Jewell’s School, outrora a mais prestigiada escola inglesa na Ásia. A presença de PSB na grande metrópole viria a proporcionar-lhe uma experiência de vida que a terá marcado para sempre.
Oferecendo-se como voluntária para a Door of Hope, uma organização que recolhia prostitutas e raparigas escravas chinesas, PSB conheceu e contactou de perto com uma realidade chocante, a da exploração fria e calculista das mulheres pelos homens.

Os Estados Unidos procuraram influenciar a China, a partir das missões de evangelização e da modernização da agricultura na China; e de que forma PSB esteve presente nesses movimentos, com os pais missionários e o primeiro marido, respectivamente. Em 1910 a família Sydenstricker regressou aos Estados Unidos e PSB matriculou-se no Randolph Macon Woman’s College, em Lynchburg, Virgínia, onde se formou em Psicologia. Regressou à China em 1914 e casou-se com John Lossing Buck em 1917, um economista agrícola. 

Dado que o marido se encontrava empenhado em ajudar o povo chinês a melhorar a sua produção agrícola, PSB serviu-lhe de intérprete, acompanhando-o nas suas viagens pelas províncias rurais chinesas e conhecendo de perto a realidade desse povo. Esse período de acalmia foi quebrado em Março de 1927, quando ocorreu o “Incidente de Nanquim”, onde escapou da morte por pouco, tendo-se refugiado no Japão durante um ano. Ainda regressou a Nanquim, apesar de continuar o clima de insegurança e instabilidade, onde permaneceu até 1934, ano em que regressou de vez aos Estados Unidos.
Nesta batalha, o “Incidente de Nanquim”, entre os partidários Nacionalistas de Chiang Kai-shek, forças comunistas e “senhores da guerra” ( Líderes políticos com exércitos privados, que disputavam entre si, e contra as forças do governo central chinês, o domínio de territórios na China), vários ocidentais foram assassinados, entre eles o Dr. John Williams, vice-presidente da Universidade de Nanquim, onde PSB leccionava. Nesse momento, PSB deu-se conta de que, apesar da sua presença na China não ter nada que ver com o domínio hegemónico comercial e político das potências estrangeiras, era considerada uma representante da sua espécie.
“For the first time in my life I realized fully what I was, a white woman, and no matter how wide my sympathies with my adopted people, nothing could change the fact of my birth and my ancestry.” PSB

Importante também o seu papel durante a Segunda Guerra Mundial, e realçar as posições por ela assumidas contra o encarceramento durante a guerra dos emigrantes japoneses a residirem nos Estados Unidos, bem como as suas posições de anti-imperialista, defensora e activista da revogação da lei americana de exclusão absoluta da imigração chinesa.



Intervenções humanitárias na sociedade americana

A faceta humanitária/humanista de PSB e as razões que determinaram a sua cruzada em prol dos mais desfavorecidos, as crianças Amerasians órfãs, fruto de relações de pais americanos, soldados em serviço em vários países asiáticos, sobretudo no Japão e na Coreia. PSB tornou-se uma percursora do Civil Rights Movement, empreendendo uma campanha a favor do fim da discriminação das minorias étnicas, cerca de vinte anos antes de esta ter sido iniciada com Martin Luther King e Malcom X, entre outros. PSB alertou a sociedade americana para a necessidade de aplicar os princípios de igualdade e de justiça em relação aos African Americans e aos povos asiáticos. 
Teve uma amizade com Eleanor Roosevelt, e junto dela teve um papel determinante na reivindicação da igualdade de direitos dos African Americans.
Teve um percurso e tendências feministas nas posições que defendeu e nos muitos artigos que escreveu, com o intuito de alertar a sociedade americana para a necessidade de acabar com a discriminação das mulheres.
A partir de 1934, mudou-se definitivamente para os Estados Unidos, para estar mais próxima do seu segundo marido, Richard Walsh, e da sua filha, Carol.

A sua obra mais emblemática, The Good Earth, escrito em 1931, proporcionou-lhe a atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1938.
 
Neste livro, PSB apresenta a sociedade chinesa na transição do período imperial para o período republicano, dando particular ênfase à terra, à opressão das mulheres na cultura chinesa e ao discurso racial. O livro foi adaptado ao cinema em 1937 pelos estúdios da MGM.
É interessante constatar a influência do pensamento chinês na obra de PSB, desde a primeira à última obra, evidente na análise dos títulos do primeiro e do último romances: 
East Wind, West Wind; e All Under Heaven. 
O primeiro traduz a dualidade entre tendências opostas mas complementares, como o Yin e o Yang da  doutrina Taoista, e alude à obra clássica The Dream of the Red Chamber. 
O último deriva de uma máxima Confucionista, “Under Heaven all are one”, que vem demonstrar não só um conhecimento profundo da literatura chinesa, mas também a sua própria cosmovisão e convicções.

A partir do momento em que PSB se estabeleceu em solo americano, começou a exercer várias acções de cariz social e até de intervenção política. Uma vez estabelecida a sua importância como especialista em questões relacionadas com a China, o nome de PSB começou a aparecer na imprensa americana quase sempre que surgia algum acontecimento que tivesse que ver com este país asiático. 
  • Ela criticou o pessoal dos movimentos missionários e expôs as suas dúvidas relativamente a alguns dogmas teológicos da Igreja.
  • Criticou a arrogância de alguns missionários estrangeiros na China e questionou aspectos da teologia cristã. 
  • Insurgiu-se contra a doutrina que levava à condenação eterna de todos aqueles que não professassem a religião cristã e afirmou que tal prática era uma “superstição” que não deveria ser imposta aos chineses. 

Mulher de fortes convicções, e apesar de filha de um missionário fervoroso, PSB não hesitou em exprimir, de forma veemente, a sua opinião sobre a presença dos missionários na China, considerando-a como uma forma de “imperialismo espiritual”. Referiu que essa presença em solo chinês se revestiu de grande arrogância e de atitudes e sentimentos de superioridade perante o povo chinês.
"Our missionaries were given the freedom to live where they wished, to open  schools foreign in all they taught, to establish hospitals which practiced foreign medicine and surgery, and strangest of all, these missionaries were free to preach a religion entirely alien to the Chinese, nay, to insist upon this religion as the only true one and to declare that those who refused to believe would and must descend into hell. The affrontery of all this still makes my soul shrink." PSB



Paulo Franco




Let China sleep, 
for when it wakes,
it will shake the world.
Napoleon Bonaparte








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