sexta-feira, 8 de setembro de 2017

DESFAZER O CORPO DE DOR COLECTIVO FEMININO





Porque é que o corpo de dor 
é um obstáculo maior para as mulheres?



Geralmente, o corpo de dor tem um aspecto colectivo para além do individual.
O aspecto individual consiste no resíduo acumulado de dor emocional sofrida no passado da  própria pessoa.
O aspecto colectivo consiste na dor acumulada na psique colectiva humana ao longo de milhares de anos de doença, tortura, guerra, assassínio, crueldade, loucura, e outras coisas semelhantes.
O corpo de dor de cada um de nós partilha igualmente do corpo de dor colectivo. 

Há diferentes elementos no corpo de dor colectivo. 
Por exemplo, os  países e raças que sofrem formas extremas de violência possuem um corpo de dor mais  pesado do que os outros.
Qualquer pessoa com um corpo de dor forte, mas sem consciência suficiente para deixar de se identificar com ele, ver-se-á forçada não só a reviver a dor emocional contínua ou periodicamente, mas também a tornar-se um agressor ou uma vítima da violência, dependendo do seu corpo de dor ter uma tendência activa ou  passiva.

Por outro lado, poderá também estar mais próxima da iluminação. 
Este potencial não será necessariamente realizado, é claro, mas quem estiver a ter um pesadelo tem mais hipóteses de querer despertar do que alguém que esteja a ter um sonho comum.

Além do seu corpo de dor pessoal, cada mulher tem a sua quota-parte naquilo a que poderíamos chamar o corpo de dor colectivo feminino – a não ser que ela seja plenamente consciente. Este corpo consiste na acumulação da dor sofrida pelas mulheres, devido em  parte à subjugação masculina, à escravidão, à exploração, a violações, à dor do parto e à morte de filhos ao longo de milhares de anos.

A dor emocional ou física que, para muitas mulheres, precede e acompanha o período menstrual é uma manifestação do corpo de dor colectivo a despertar do seu estado de latência nessa altura, embora isso também possa acontecer em outras ocasiões. 

O corpo de dor restringe a livre circulação da energia da vida através do corpo, de que a menstruação é uma expressão física.

Consideremos com mais atenção este aspecto e vejamos como ele se pode tornar uma oportunidade de iluminação.
Por vezes, o corpo de dor "toma conta" da mulher nessa ocasião.
Ele possui uma carga extremamente poderosa que a poderá induzir facilmente a identificar-se inconscientemente com ele. Ela fica então activamente possuída por um campo de energia que ocupa o seu espaço interior e finge ser ela – mas que, é claro, não o é. Fala através dela, age através dela, pensa através dela. Criará situações negativas na sua vida para se alimentar da energia. Quer mais dor, seja de que forma for. Já descrevi o processo.
Ele pode ser  perverso e destrutivo.
É dor pura, dor passada – e não é quem você é.

O número de mulheres que se aproxima agora do estado de consciência plena já excede o dos homens e crescerá ainda mais rapidamente nos próximos anos.
No final, os homens  poderão chegar ao nível delas, mas durante um período de tempo considerável haverá um hiato entre a consciência dos homens e a das mulheres. 
As mulheres estão a recuperar a função que lhes cabe por direito, daí que lhes seja mais fácil do que aos homens ser uma  ponte entre o Mundo Manifesto e o Não-Manifesto, entre o Físico e o Espírito.

A principal tarefa agora, como mulher, é tratar de transmutar o corpo de dor para que ele não se interponha entre ela e o seu verdadeiro eu, a essência de quem ela é. 
É evidente que também terá de lidar com o outro obstáculo à iluminação, que é a mente que pensa, mas a intensa presença que a mulher cria ao lidar com o corpo de dor também a libertará da identificação com a mente.

A primeira coisa a lembrar é a seguinte: enquanto a sua identidade se basear no corpo de dor, a mulher não se conseguirá ver livre dele. Enquanto uma parte da sua sensação de identidade estiver investida na sua dor emocional, ela resistirá inconscientemente ou sabotará qualquer tentativa que faça para sarar essa dor.
Porquê? Muito simplesmente  porque se quer manter intacta, e a dor tornou-se uma parte essencial de si. É um processo inconsciente, e a única maneira de o ultrapassar é torná-lo consciente. Ver de repente que se está ou esteve apegada à sua dor poderá ser uma descoberta  bastante chocante. No momento em que o compreender, romperá com o apego.

O corpo de dor é um campo de energia, quase uma entidade, que temporariamente se alojou no seu espaço interior. É energia de vida que ficou presa, energia que deixou de fluir. É evidente que o corpo de dor existe por causa de determinadas coisas que lhe aconteceram no  passado. É o passado a viver em si e, se se identificar com ele, identifica-se com o passado. A identidade de uma vítima consiste na convicção de que o passado é mais poderoso que o  presente, o que é o oposto da verdade. É a convicção de que as outras pessoas e o que elas lhe fizeram são responsáveis por quem se é agora, pela sua dor emocional ou pela sua incapacidade em ser o seu verdadeiro eu. 

A verdade é que o único poder que existe está contido dentro deste momento: é o poder da sua presença. Uma vez que a mulher compreenda isto, também compreenderá que agora é responsável pelo seu espaço interior  — e mais ninguém — e que o passado não poderá prevalecer contra o poder do Agora.

Portanto, a identificação impede-a de lidar com o corpo de dor. 


Algumas mulheres, já suficientemente conscientes para desistirem da sua identidade de vítima a nível pessoal, continuam a agarrar-se a uma identidade de vítima colectiva: "o que os homens fizeram às mulheres".

Elas têm – mas também não têm – razão.
Têm razão atendendo a que o corpo de dor feminino é em grande parte devido à violência masculina, exercida sobre as mulheres, e à repressão do princípio feminino em todo o planeta ao longo dos milénios.
Não têm razão se forem buscar a sua sensação de identidade a esse facto e ficarem assim  presas de uma identidade de vítima colectiva. 


Se uma mulher ainda se agarrar à ira, ao ressentimento, ou à condenação, estará a agarrar-se ao seu corpo de dor.
O que lhe poderá dar uma reconfortante sensação de identidade, de solidariedade para com as outras mulheres, mas que a manterá escrava do passado e lhe bloqueará o pleno acesso à sua essência e verdadeiro poder. 

Se as mulheres se isolarem a si próprias dos homens, criarão uma sensação de separação e por conseguinte um fortalecimento do ego. E quanto mais forte for o seu ego, mais distante você, mulher, estará da sua verdadeira natureza. 

Por isso não baseie a sua identidade no corpo de dor. 
Em vez disso, use-o para a iluminação. 
Transmute-o em consciência. 
Uma das melhores ocasiões para o fazer é durante o período menstrual. 


Eu acredito que, nos anos vindouros, muitas mulheres entrarão num estado plenamente consciente quando ficarem menstruadas. Geralmente, este é um período de inconsciência para muitas mulheres, pois o corpo de dor colectivo feminino toma conta delas. Contudo, uma vez que você tenha atingido um determinado nível de consciência, poderá reverter isso de forma que, em vez de se tornar inconsciente, se torne mais consciente.

Eu já descrevi o processo básico, mas vou voltar a fazê-lo agora, desta vez com uma referência especial ao corpo de dor colectivo feminino: 

Quando notar que se aproxima a menstruação, antes de sentir os primeiros sinais daquilo a que normalmente se chama tensão pré-menstrual, fique muito atenta e habite o seu corpo tão plenamente quanto possível. Quando aparecer o primeiro sinal, você precisa de estar suficientemente alerta para o "agarrar" antes que ele tome conta de si.
Por exemplo, o primeiro sinal poderá ser uma forte irritação repentina ou um acesso de ira, ou talvez seja apenas algum sintoma puramente físico. Seja o que for, agarre-o antes que ele tome conta do seu pensamento ou do seu comportamento. Isso significa simplesmente concentrar nele a sua atenção. Se for uma emoção, sinta a forte carga de energia por trás dela. Reconheça que é o corpo de dor.
Ao mesmo tempo, seja o conhecer; quer dizer, reconheça a sua presença consciente e sinta o poder dessa presença. Qualquer emoção,  perante a sua presença, acalma-se e transmuta-se rapidamente.
Se for um sintoma puramente físico, a atenção que lhe der impedi-lo-á de se tomar uma emoção ou um  pensamento. 
Depois, continue alerta e espere pelo próximo sinal do corpo de dor.
Quando ele aparecer, agarre-o novamente da forma descrita a trás.
Mais tarde, quando o corpo de dor tiver despertado completamente do seu estado de latência, poderá sentir uma turbulência considerável no seu espaço interior durante algum tempo, talvez durante vários dias. Seja qual for a forma que ela tomar, fique presente. Dê-lhe toda a sua atenção. Agarre o conhecer, seja o conhecer. Lembre-se: não permita que o corpo de dor use a sua mente e tome conta do seu pensamento. Observe-o. Sinta a sua energia directamente dentro do seu corpo. 
Como sabe, atenção plena significa aceitação  plena. 
Através de uma atenção contínua e, portanto, da aceitação, vem a transmutação. 
O corpo de dor transforma-se em consciência radiosa, à semelhança da lenha que, ao ser lançada no fogo, se transforma ela própria em fogo. A menstruação tornar-se-á então não só numa expressão cheia de alegria e satisfação da sua feminilidade, mas também numa ocasião sagrada de transmutação, quando você dá à luz uma nova consciência. 
A sua verdadeira natureza brilhará então, não só no seu aspecto feminino, como Deusa, como também no seu aspecto transcendental, como Ser divino que você é, transcendendo a dualidade masculina e feminina. 

Se o seu parceiro masculino for suficientemente consciente, poderá ajudá-la no exercício que acabei de descrever mantendo uma frequência intensa de presença nessa altura em particular. 
Se ele estiver presente sempre que você recair numa identificação inconsciente com o corpo de dor, o que poderá acontecer e certamente acontecerá ao  princípio, poderá rapidamente voltar a juntar-se a ele nesse estado de presença.
Isso significa que sempre que o corpo de dor tomar conta de si temporariamente, quer durante a menstruação quer noutras alturas, o seu companheiro não o confundirá com quem você é. 
Mesmo que o corpo de dor o ataque, como provavelmente o fará, ele não reagirá como se fosse você a atacá-lo, nem se afastará ou levantará qualquer tipo de defesa. 
Ele guardará  para si o espaço de intensa presença.
Nada mais é preciso para a transformação.

Noutras alturas, você será capaz de fazer a mesma coisa por ele ou de o ajudar a reivindicar a consciência à mente, atraindo a sua atenção para o aqui e agora sempre que ele se identificar com o seu pensar.
Desse modo, levantar-se-á entre ambos um campo de energia permanente, de uma frequência pura e elevada. Nenhuma ilusão, nenhum sofrimento, nenhum conflito, nada que não seja você e nada que não seja o amor poderá sobreviver nesse campo.

Isso representará a realização da finalidade divina e transpessoal do vosso relacionamento.
Tornar-se-á um vórtice de consciência que atrairá muitos outros para o seu interior.



in, O Poder do Agora
8- Relacionamentos Iluminados
ECKHART TOLLE







O CORPO DE DOR FEMININO COLETIVO

A dimensão coletiva do corpo de dor apresenta componentes diferentes.
Tribos, nações, raças, todos têm seu corpo de dor coletivo, e alguns são mais pesados do que os outros. 
A maioria dos integrantes de cada um desses grupos participa dele em maior ou menor grau.
Quase toda mulher tem sua parcela no corpo de dor feminino colectivo, que tende a se tornar activado especialmente no período que precede a menstruação.
Nessa fase, muitas mulheres são dominadas por uma intensa emoção negativa. 

A supressão do princípio feminino, sobretudo ao longo dos últimos 2 mil anos, permitiu que o ego ganhasse absoluta supremacia na psique humana colectiva.

Embora as mulheres tenham ego, é claro, ele pode enraizar-se e prosperar com mais facilidade na forma masculina do que na feminina. Isso acontece porque as mulheres se identificam menos com a mente do que os homens. 

Elas estão mais em contacto com o corpo interior e a inteligência do organismo, que dão origem às faculdades intuitivas. A forma feminina não se encontra tão rigidamente encapsulada quanto a masculina, tem maior abertura e sensibilidade em relação às outras formas de vida e está mais sintonizada com o mundo natural. 

Se o equilíbrio entre as energias masculina e feminina não tivesse acabado no nosso planeta, o crescimento do ego teria sido limitado de modo significativo. Não teríamos declarado guerra à natureza e não seríamos tão completamente alienados do nosso Ser.

Ninguém tem o número exacto porque não foram mantidos registos, mas acredita-se que ao longo de 300 anos entre 3 e 5 milhões de mulheres foram torturadas e mortas pela "Santa Inquisição", uma instituição fundada pela Igreja Católica Romana para reprimir a heresia. Esse acontecimento se equipara ao Holocausto como um dos capítulos mais sombrios da história da humanidade.

Bastava uma mulher mostrar amor pelos animais, caminhar sozinha nos campos ou nas florestas ou colher plantas medicinais para ser considerada bruxa, torturada e condenada a morrer na fogueira. O sagrado feminino foi declarado demoníaco e toda uma dimensão desapareceu significativamente da experiência humana.

Outras culturas e religiões, como o judaísmo, o islamismo e até mesmo o budismo, também reprimiram a dimensão feminina, embora de uma maneira menos violenta.

O papel das mulheres foi reduzido a cuidar dos filhos e da propriedade masculina. 
Os homens, que negavam o feminino até dentro de si mesmos, agora comandavam o mundo, um mundo que estava em total desequilíbrio. 

O resto é história, ou melhor, o histórico de um caso de insanidade.
Quem foi responsável por esse medo do feminino que só pode ser descrito como uma paranóia colectiva aguda?
Poderíamos dizer: evidentemente, os homens foram os responsáveis.


  • Mas então por que em muitas civilizações antigas pré-cristãs, como a suméria, a egípcia e a celta, as mulheres eram respeitadas e o princípio feminino não era temido, e sim reverenciado? 
  • O que foi que de repente levou os homens a se sentir ameaçados pelo feminino? 


O ego que se desenvolvia neles. 
Ele sabia que só conseguiria obter o pleno controle do planeta por meio da forma masculina e, para fazer isso, tinha que tornar o feminino menos poderoso. 

Além disso, o ego também dominou a maioria das mulheres, embora jamais fosse capaz se de se enraizar tão profundamente nelas quanto fez com os homens. 

Hoje em dia, a supressão do feminino está interiorizada, até mesmo pela maior parte das mulheres. O sagrado feminino, por ser reprimido, é sentido por elas como uma dor emocional. Na verdade, ele se tornou parte do seu corpo de dor juntamente com o sofrimento que elas acumularam ao longo de milénios por meio do parto, do estupro, da escravidão, da tortura e da morte violenta. 

No entanto, agora as coisas estão mudando num ritmo muito veloz.
Como muitas pessoas estão se tornando mais conscientes, o ego vem perdendo influência sobre a mente humana.
Uma vez que ele nunca se enraizou profundamente nas mulheres, seu domínio sobre elas está se reduzindo mais rápido do que sobre os homens.




in, Um Novo Mundo
O CORPO DE DOR FEMININO COLECTIVO 
ECKHART TOLLE







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