terça-feira, 19 de setembro de 2017

ACORDO DE UNIÃO INSTÁVEL






Eu me comprometo a estar ao seu lado enquanto for agradável, divertido, estimulante, e também nos momentos em que for chato (mas não insuportável), nos momentos desanimados (mas não sem vida), nos momentos que exigirem paciência (mas não sacrifício).
Quando chegarmos ao insuportável e sacrificante, eu vou embora, ou vai você — sai primeiro aquele que estiver mais perto da porta.

Eu me comprometo a estar com você sempre que der vontade e não estar com você sempre que der vontade de estar com amigos com quem tenho gargalhadas privadas a trocar, ou quando eu precisar ficar sozinha, pois estar consigo mesma também é uma relação a ser preservada, e em troca, é óbvio: você terá todo o tempo do mundo para o seu mundo.

Eu me comprometo a amar você porque você é gentil, surpreendente, diferente, carinhoso, lindo, sem noção, pontual e tem olhos verdes, e espero que você repare que sou livre, intuitiva, inteligente, durona, engraçada, pontual e tenho olhos castanhos, e que nada disso garante coisa nenhuma, apenas intensifica o frio na barriga.
Entrar no universo do outro é sempre uma viagem excitante.

Eu me comprometo a ter água gelada e bananas, você prometa ter vinho branco e morangos.
Eu juro que vou desligar a tv quando você chegar, você promete acender a lareira quando eu aparecer, eu vou esticar os lençóis antes de a gente deitar, você vai amarfanhar meus lençóis antes de ir embora, e isso tudo vai ser simplesmente bom.

Eu me comprometo a dizer a verdade sobre coisas que você não quer saber, mas vai perguntar: a vida amorosa antes de você aparecer, o que fiz e desfiz, a normalidade da minha adolescência (compensada por algumas bizarrices da maturidade), tudo isso entrará no espólio da nossa relação, e eu, a contragosto, escutarei sobre todas as embrulhadas com sua ex, os sofrimentos causados por aquela que se mandou e acreditarei que sou a salvação da sua lavoura, até que a próxima me desbanque.
Você sabe que paixão rima com ilusão, então me iluda e eu te iludo, até que tudo se transforme na verdade mais absoluta.

Não sei se irei gostar tanto assim dos seus primos, que você considera tão hilários, e eu não sei se você gostará tanto assim das minhas amigas, que eu considero tão extraordinárias, mas vamos confiar na nossa capacidade de fingir com toda honestidade.

E agora a razão primordial deste contrato.
Se eu sumir, você fica com nossas lembranças, nossas selfies e nossas escovas de dentes: proibido compartilhar.
Se você desaparecer, eu fico com nossos panos sobre os sofás, nossos cachorros e nossas histórias: que por dever de ofício, talvez eu compartilhe, mas com discrição.
E que toda essa deliciosa loucura dure para sempre até o sol raiar.


Martha Medeiros





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