sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer
Fiz o que era mais urgente: uma prece.
Rezo para achar o meu verdadeiro caminho.
Mas descobri que não me entrego totalmente à prece, parece-me que sei que o verdadeiro caminho é com dor.
Há uma lei secreta e para mim incompreensível: só através do sofrimento se encontra a felicidade.
Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer.
Se eu não me amar estarei perdida — porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser.
Tenho que me querer para dar alguma coisa a mim.
Tenho que valer alguma coisa?
Oh protegei-me de mim mesma, que me persigo.
Valho qualquer coisa em relação aos outros — mas em relação a mim, sou nada.
É tão bom ter a quem pedir. Nem me incomodo muito se eu não for totalmente atendida.
Eu peço a Deus para eu ser mais bonita — e não é que meu olho faísca ao mesmo tempo que meus lábios parecem mais doces e cheios?
Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso.
É o que me cabe. Ser ou não ser atendida — isso não me cabe a mim, isto já é matéria-mágica que se me dá ou se retrai.
Obstinada, eu rezo. Eu não tenho o poder. Tenho a prece.
Clarice Lispector
in, ‘Um Sopro de Vida’
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