segunda-feira, 17 de outubro de 2016

História Universal: História do Mal




Uma nação que já não estupra está em plena decadência; é pelo número de estupros que revela seus instintos, seu porvir. Investigue a partir de que guerra deixou de praticar, em grande escala, esse tipo de crime: encontrará o primeiro símbolo de seu declínio; a partir de que momento o amor tornou-se para ela um cerimonial e a cama, uma condição do espasmo, e identificará o começo de suas deficiências e o fim de sua herança bárbara.

História universal: história do Mal.
Suprimir os desastres do devir humano é o mesmo que conceber a natureza sem estações.
Se você não contribuiu para uma catástrofe, desaparecerá sem deixar vestígio. Interessamos aos outros pela desgraça que semeamos à nossa volta.
'Nunca fiz ninguém sofrer!' - exclamação para sempre estranha a uma criatura de carne e osso. Quando nos entusiasmamos por um personagem do presente ou do passado, fazemos inconscientemente a pergunta:
"Para quantos seres foi causa de infortúnio?"
Quem sabe se cada um de nós não aspira ao privilégio de matar todos os nossos semelhantes?
Mas este privilégio é concedido a um pequeno grupo de pessoas e nunca por inteiro: só esta restrição explica por que a Terra ainda está povoada. Assassinos indirectos, constituímos uma massa inerte, uma multidão de objectos frente aos verdadeiros sujeitos do Tempo, frente aos grandes criminosos que tiveram êxito.

Mas consolemo-nos: nossos descendentes próximos ou longínquos nos vingarão. 
Pois não é difícil imaginar o momento em que os homens se degolarão uns aos outros por nojo de si mesmos, em que o Tédio vencerá a resistência de seus preconceitos e de suas reticências, em que sairão à rua para saciar sua sede de sangue e em que o sonho destruidor prolongado através de tantas gerações chegará a ser património comum...


in, Breviário de Decomposição 
Emil Cioran


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