"Se isto é um homem" é o título do livro mais conhecido de Primo Levi de quem já aqui falei.
Levi tenta dizer-se intimamente, numa espécie de autolibertação, como é passar pelas experiências desumanas às quais fora obrigado a experienciar e, por isso mesmo, está condenado a revivê-las continuamente na “viagem ao fundo do poço” sem fundo.
É esse “chegar no fundo” que a narrativa de Primo Levi consegue descrever de forma tão vivamente dramática e aterrorizante.
O pano de fundo dessa projecção é o testemunho vivo das experiências vividas por Levi num campo de concentração, em Monowitz, perto de Auschwitz, no terrível ano de 1944, na Polônia.
Ao (re)atravessar, através da rememoração, essas terríveis ondas de um mar de insanidades nazistas, Levi leva-nos a reflectir sobre o que é o homem ou, para ser mais abrangente:
que características devem possuir um representante da espécie humana para ser considerado um ser humano em seu sentido mais abrangente.
Precisa-se mais que um corpo em si mesmo, isto é, um corpo nu, natural, orgânico, sem qualquer produção cultural, como designa o termo körper, em alemão; precisa-se do leib, o sublime, o humano, para que se possa continuar a existir como uma estrela cintilante e não como um fantasma de si mesmo.
Nesse sentido, antes de iniciar a narração de suas lembranças, Levi nos adverte:
“pensem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não.
Pensem bem se isto é uma mulher,
sem cabelos e sem nome,
sem mais força para lembrar,
vazios os olhos, frio o ventre,
como um sapo no inverno”.
(1988)
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