segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ando a casar-me




Estranha, a expressão?
Admito que sim.
É mais comum ouvir-se dizer 'vou casar-me', 'casei-me', 'sou casada'... mas 'ando a casar-me'?
A verdade é que ando. A tentar, pelo menos, que isto de um casamento tem tanto que se lhe diga, tantas voltas e reviravoltas, tantas esquinas e contratempos e, ao mesmo tempo, tantas potencialidades!...
A minha sorte é que, desta vez, nenhum noivo espera por mim no altar e o anel que trago no dedo, apesar de ter sido oferecido, foi na condição de ser capaz de assumir um compromisso comigo.
É de prata, mas podia ser de latão,  de cobre, de arame ou de outra substância qualquer, já que o mais importante é conseguir 'consubstanciar' corpo e espírito, no sentido mais íntimo, e quase biblíco, do termo: como a presença de Cristo, na Santíssima Trindade, sendo ela mesma.

Pois é, ando a casar-me comigo e a fazer por prometer-me fidelidade, nem sequer até ao fim dos meus dias, mas por toda a eternidade.
A jurar amar-me e honrar-me, nas condições favoráveis, mas também nas adversas e a retirar, um a um, todos os véus com que as noivas tapam a cara  e enfeitam cabelos e que, na maior parte dos casos, as deixam às cegas, ou então apenas permitem que vejam o mundo através dos buraquinhos do tule...

Não é fácil, creio que é até mais difícil casarmos connosco do que com outro.
É muito mais complicado deitarmo-nos todas as noites e sermos capazes de nos abraçarmos sem nenhuma distância ou reserva, mesmo que pareça mais simples ter os braços do outro à nossa espera na cama.
É muito mais verdadeiro, embora mais duro, exigirmos de nós fidelidade ao que somos, em vez de andar a morrer de ciúmes com as mentiras e as infidelidades do outro.
É muito mais justo dizer 'amo-me' do que andar a cobrar a injustiça de o outro nunca dizer 'amo-te'.
É fundamental, é visceral,  eu diria, casar-me comigo, para que um dia, então, me case com outro - se for essa a escolha, se for esse o caminho...

Já me casei duas vezes e sei do que falo.
A primeira com tudo a que tinha direito - dia marcado, vestido de noiva, alianças, uma capela com vista para o rio, um coro afinadérrimo e uma homilia lindíssima, um copo de água abundante, uma lua de mel numa ilha, dois filhos maravilhosos e oito anos de um dia a dia de enorme partilha e cumplicidade. Um casamento que, desconfio, se não tivesse acabado num atropelamento brutal, acabaria de outra maneira (ou talvez não e tudo o que forem especulações não passam de mera retórica e não cabem aqui...)
O segundo não teve dia marcado, nem alianças, nem padre, nem coro, nem capela, mesmo que tenha tido vista para o rio muitas vezes, sobretudo da cama de onde chegaram mais duas filhas maravilhosas, e que me deu, senão um marido, um amigo fiel. Foram mais oito anos da minha vida e o facto de ter partido para eles já não vestida de noiva e de branco, mas de viúva e de luto,  talvez tenha feito toda a diferença - mas, mais uma vez, entro no campo das especulações e não quero. Separámo-nos há já algum tempo, mas fico contente por termos sabido continuar juntos, partilhando em paz o que nos é comum e assim evitando cair em guerras antigas.

Se o provérbio está certo e 'não há duas sem três', hei-de voltar a casar-me de novo.
Não faço ideia com quem, nem onde, nem como, nem quando, se vestida de noiva ou de cigana,  se numa capela ou no campo ou na praia, se haverá coro ou apenas um mantra dito em silêncio por ambos, se a lua será de mel ou de uma luz ainda mais doce.
Por mais que neste momento até possa ter sonhos e desatar a fazer mil projecções sobre o futuro, o presente que tenho para me oferecer é só um: casar-me comigo e prometer ser minha para sempre.

Amén.

Inês de Barros Baptista


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