segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

ah, o desapego!...




A acreditar no dicionário, 'desapego' é indiferença, é desinteresse, é desamor, é abandono.
Mas então porque será que tanta gente apregoa e enaltece o desapego, como condição sine qua non para acabarmos com os dilemas, com as angústias, com as sensações de posse e de controlo, com o sofrimento?

Como é que se pratica o desapego sem cair na indiferença?
Sem cultivar o desinteresse?
Sem regredir ao desamor?
Sem votar nenhum ser ao abandono?

Ou a definição no diccionário não está certa e 'desapego' é outra coisa, ou andamos, simplesmente, a negar a nossa essência. qualquer árvore, para crescer, tem de se apegar  à terra, pois é lá que se enraíza.
O que seria se uma árvore, possuída pela nossa humanidade, decidisse que o seu apego à terra, afinal, era perverso?...
Como seria se, possuídos pelo espírito das árvores, nos permitíssemos apenas crescer como elas crescem?
Enraízarmo-nos na terra, sem indiferença pelo sol, sem desinteresse pela chuva, sem desamor por quem se abraça ao nosso tronco ou vem colher dos nossos frutos, sem abandonar a esperança de um dia tocar no céu e co-criando a existência juntamente com o todo?

Como será se o 'desapego', num diccionário equivocado de emoções, nos criar essa ilusão de 'independência' e nos 'desconectar' do todo?...


Inês de Barros Baptista



Resposta de António Rosa:

"Não é comparável o 'desapego' que fala com o desapego de uma árvore à terra onde deita as raízes. Podemos e devemos 'desapegar' sem cairmos nesse abandono, nesse desamor.

'Desapego' só é possível quando, continuando a existir 'amor' e 'ternura', e estando reunidas as condições necessárias, não se verificar mais o controle. Do outro ou da coisa.

'Desapego' não significa perder o contacto, afastamento, desenraizamento. Significa sim, encontrarmos o nosso próprio espaço sem que esteja a controlar coisa alguma.

Quando esse 'desapego' nos desconecta do todo, será outra coisa qualquer, talvez o início de duas possibilidades: um misticismo sem jeito ou a preparação metafísica para o desencarne.
Já passei por este último caso."


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