domingo, 26 de maio de 2024

O testemunho do marinheiro


Jessica TC Lee






Para falar a verdade, 
pareceu-me outro gesto de presunção,
muito dele,
aquela urgência com que nos pediu
que o amarrássemos ao mastro
para escapar do canto das sereias.

As sereias estavam cantando, isso é verdade,
mas não exatamente para seduzi-lo.

E por que não a qualquer um de nós?
Por que elas deveriam tentar seduzir alguém?
Quem pode garantir que não estavam simplesmente cantando?
Ou que guardavam silêncio e cada um ouvia
seu próprio canto de sereia interior?

Era ele quem lutava contra sua vocação de perdedor.
Era ele quem acreditava que as sereias o amavam.
Era ele quem, sob qualquer pretexto,
nos colocava sob suas ordens.
Era ele quem não sabia mais o que inventar
para atrasar nosso retorno a Ítaca.

Eu queria regressar à minha pátria, abraçar minha esposa,
cuidar dos meus pais, já idosos,
ver meus filhos crescerem.

Ele determinou e nós o amarramos.
Se dependesse de mim, o teríamos abandonado em alto mar,
seguido para Ítaca e ali ele teria ficado,
atado ao mastro, sozinho, novamente à deriva.

E teria morrido assim, atado à sua insensatez,
enquanto as sereias continuavam, continuarão,
cantando para ninguém, como sempre.



Juan Vicente Piqueras


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