sábado, 28 de abril de 2018

Uma Significação para a Vida





Como é que o homem vai viver 
sem uma significação para a vida? 
Donde essa significação? 


Os sucedâneos dos deuses atropelam-se tumultuosos, mas duram menos que os deuses, duram menos que um homem. Imaginei um dia que o homem viria a aceitar a sua condição em plenitude. Só não imagino esse homem. Porque imaginando-o como me é possível, penso que admitirá uma transcendência inominável, uma dimensão que supere o imediato da vida.
Só que o pensá-lo não me afecta o sentir.

Tenho o enigma mas não a chave que o desvende.
Sei a interrogação, mas não posso convertê-la na pergunta a que se dá uma resposta.
Da integração do homem no mistério do universo o que me fica é a vertigem.
Mas aguento-me aí sem me retirar do abismo nem cair nele.

O curioso é que são os «racionalistas» quem menos se perturba com a sem-razão de tudo isto.
Porque eles é que deviam saber, mais do que os outros, o porquê e o para quê. Não querem. O mundo existe-lhes assim mesmo, sem significação.

Para mim me existe também. Mas isso aturde-me.
A velhice que se anuncia, anuncia-me a aceitação e a serenidade.
Mas não me anuncia a liquidação do problema.
Respiro mais calmo diante do irritante mistério. Mas estar calmo não é anular o que me intriga, ou o seu terror: é só anular-lhe o efeito sobre nós. Os imbecis ou os inocentes é que os ignoram.

A expressão final do homem de hoje é o heroísmo.
Porque tudo tende a esmagá-lo de todo o lado.
Mas ser herói é ser consciente. E aguentar, com um mínimo de pulsações por minuto.
Referi-me um dia a um indivíduo condenado à guilhotina e a quem um amigo dizia:
«fatiga o teu medo».
Não fatiguei ainda a minha inquietação.
Mas fatigá-la é só o que tenho para a anular.


Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 2






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