terça-feira, 22 de novembro de 2022

Os Fogos Outra Vez







 Os incêndios devoram, o mundo é uma pira. 
Perguntam-se os homens pelas razões do destino 
e responde a morte, directa, erudita, 
consagrada pelo fogo. 

Ciudad Juárez, Gaza, Afeganistão, 
e tantos outros nomes de sangue incendiado 
são hoje as jóias mais resplandecentes 
no corpo do planeta. 

Amorosos, os crânios dos senhores da guerra 
estilhaçam crânios infantis, 
mulheres prestes a parir 
e afogam no fogo a condição 
humana. 

Temos a paz apócrifa, as inovações na alma, 
o calor das salas de concertos, 
a mobilidade dos media, 
os patenteados apertos-de-mão 
dos embaixadores. 

Que portentoso abraço se estende 
sobre o mundo. 
Um manto que se diz babélico cobre de silêncio 
a maravilha do crime organizado. 
O céu tem ainda a penúltima 
palavra. 

Torna-se difícil perceber o timbre 
da marfinada dor, 
penhor tão delicado dos poetas áureos, 
prata dos cientes cínicos, antigo camafeu 
de primeiras damas. 

O amor é um forno que arde, 
visível ou invisível, 
segundo a irradiação dos corações sensíveis, 
do gesto das panorâmicas, 
da demência erótica dos domadores 
da luz.


Armando Silva Carvalho
in, De Amore




Sem comentários:

Enviar um comentário