domingo, 18 de abril de 2021

“CÂNTICO NEGRO”


 Fran García 




Cago na juventude e na contestação 
e também me cago em Jean-Luc Godard. 
Minha alma é um gabinete secreto 
e murado à prova de som 
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas paredes 
nem uma só gravura de Lichtenstein 
ou Warhol. Nas prateleiras 
entre livros bafientos e descoloridos 
não encontrareis decerto os nomes 
de Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulosos 
volumes de qualquer filósofo 
maldito, vários poetas graves 
e solenes, recrutados entre chineses 
do período T'ang, isabelinos, 
arcaicos, renascentistas, protonotários
- esses abundam. De pop apenas 
o saltar da rolha na garrafa 
de verdasco. Porque eu teimo, 
recuso e não alinho. Sou só. 
Não parcialmente, mas rigorosamente 
só, anomalia desértica em plena leiva. 
Não entro na forma, não acerto o passo, 
não submeto a dureza agreste do que escrevo 
ao sabor da maioria. Prefiro as minorias. 
De alguns. De poucos. De um só se necessário 
for. Tenho esperança porém; um dia 
compreendereis o significado profundo da minha 
originalidade: I am really the Underground. 


Rui Knopfli
in “Mangas verdes com sal“




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