quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Pensar Portugal
Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente.
Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história.
Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país.
A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido.
Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião.
Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi.
A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia.
Aljubarrota foi Nuno Álvares.
Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom.
O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal.
O liberalismo foi Mouzinho e a França.
A reacção foi Salazar.
O comunismo é o Cunhal.
Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Entre os originais e a colectividade há o vazio.
O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas.
Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho.
Não há por aí um original para servir?
Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 2
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