quinta-feira, 13 de agosto de 2020

A inutilidade de tudo






durante meses vi amanhecer quando as aves brancas 
chegavam em silêncio. 

quantas madrugadas surgiram quando as luzes se apagavam 
no porto 
quantas gerações de poetas obscuros se sentaram nessas 
pedras cinzentas! 

eu sempre amei os continentes longínquos 
lugares estrangeiros e puros, a extrema desolação das 
aldeias adormecidas, a nostalgia dos dias atlânticos. 

mas já a minha vida fixara a mudança dos ventos 

o ciclo das estações 
a rigorosa inutilidade de tudo. 

foi nesse tempo de meditação que li rilke e eliot e 
sobretudo 
os viajantes do cognac e da morfina. 

incessantemente procurei um sentido para os dias e para 
as noites 
interroguei-me sobre as civilizações antigas 
entreguei-me a surpreendentes ofícios. 

eu guardara a desmedida fascinação dos planaltos 
a clara alegria de algumas cidades marítimas 
velhas canções do mundo     imensas revoluções. 

durante meses vi amanhecer quando as luzes se apagavam 
no porto 
e as aves brancas chegavam em silêncio; 

incessantemente procurei um sentido para os dias e para 
as noites 
interroguei-me sobre as civilizações antigas, 
entreguei-me a surpreendentes ofícios, 

a rigorosa inutilidade de tudo.


José Agostinho Baptista





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