Sinto-me a ser julgado a cada dia
que me ponho de pé, sendo eu
jurado e réu, sendo eu a própria
sala, o próprio ambiente da sala
onde a cada dia se lê a condenação
que pelo meu punho pensei e escrevi.
Olho lá para fora enquanto me ataco
e defendo, pode ser um sítio qualquer,
pode ter árvores e casas, linhas
de eléctrico e grandes autocarros,
pode passar gente pobre, gente rica
em carros a brilhar de lavados, pode
passar todo o corpo da polícia a apitar,
um desfile de tanques de guerra,
trotinetas de crianças, velozes, descendo
o parque, o mesmo pedinte romeno
a desajeitar o gorro para lhe dar mais ar
de pedinte, podem passar as pessoas
todas do mundo que eu estou a olhar
para dentro, preocupado com a justiça
que um dia se há-de fazer, que um dia
hei-de fazer a mim mesmo. E sairei
depois sorridente como nos filmes,
ao cimo da escadaria, a acenar
a jornalistas, à família e a um pequeno
aglomerado de admiradores sinceros
que me seguem e me apoiam,
faça eu a porcaria que fizer.
Helder Moura Pereira
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