Pearl S. Buck (1892-1973),
sits outdoors with group of Chinese-American children placed with families
through her Welcome House adoption agency.
As relações entre a China e o Ocidente passaram por inúmeras fases, de Marco Polo aos dias de hoje, desde os contactos comerciais e de amizade com os portugueses que, a partir do século XVI, se estabeleceram em Macau e aí ficaram durante 442 anos, e os britânicos, que permaneceram em Hong Kong durante 156 anos.
Ao longo dos séculos, a China sofreu inúmeras influências do exterior, potências estrangeiras, sobretudo ocidentais, que cobiçaram o seu enorme potencial. O “Império do Meio” já era uma sociedade florescente enquanto a Europa se encontrava ainda dividida em pouco mais do que reinos primitivos. De acordo com um antigo provérbio chinês, “os agricultores da China lavravam a
terra com arados de ferro, enquanto na Europa se usava a madeira”.
Apesar de tudo, continuou a lavrar com arados de ferro enquanto a Europa passou a usar o aço.
Com o advento do Comunismo, a influência de uma estrutura económica do tipo soviético, com fortes tendências centralizadoras e burocráticas, passou a dominar o “gigante” milenar, desde que Mao Tse Tung chegou ao poder. Esse foi um ponto de viragem decisivo nas relações com o exterior, sobretudo com o eixo “imperialista” liderado pelos Estados Unidos.
As reformas económicas começaram em 1978, de forma lenta, até ao momento em que Deng Xiaoping declarou que a China iria entrar numa nova era, do “sistema de mercado socialista”, surpreendendo o mundo ao proclamar que “ser rico é glorioso”.
A principal motivação da presença dos ocidentais na China na viragem do século XIX para o XX era enriquecer. Houve, para além dessa, outras motivações, que justificaram a demanda de americanos nas planícies do norte da China. Estas foram comparadas com as grandes planícies dos Estados Unidos, devido ao seu clima e à aridez do terreno, a desflorestação tinha-as deixado mais expostas à erosão e à seca. A partir da segunda metade do século XIX, com o advento do Manifest Destiny (Uma expressão utilizada por líderes e políticos norte-americanos, na década de 1840, para justificar a expansão continental nos Estados Unidos, que revitalizou um sentido de “missão” ou de destino nacional para muitos americanos), passou a haver uma percepção diferente das fronteiras americanas e chinesas. Com o propósito de fomentar a migração americana e o estabelecimento de populações nas Grandes Planícies, uma série de promotores imobiliários, agentes dos caminhos-de-ferro e jornalistas, promoveram essa região como se fosse um jardim, em vez de um deserto. Quase em simultâneo, missionários, eruditos e turistas começaram a considerar o norte da China de uma forma mais favorável. Apesar de possuir características tão hostis como as Grandes Planícies e uma agricultura também muito primitiva, vários escritores americanos anteviram a possibilidade de mudança e de melhoramento das planícies do norte da China. Devido a esta nova perspectiva sobre a China, o Extremo Oriente passou a ser alvo da expansão americana.
Em 1894, Arthur H. Smith publicou o livro Chinese Characteristics, depois de ter realizado trabalho como missionário na China durante 22 anos, uma das obras mais populares sobre a China do final do século XIX. Smith constatou que os camponeses chineses, apesar de bons trabalhadores, demonstravam uma enorme resistência cultural em relação à mudança dos seus métodos tradicionais. Por essa razão, sentiu a necessidade de querer contribuir para alterar as condições sociais e ajudar a colmatar as lacunas dos agricultores chineses, para poder fazê-los sair da “idade das trevas” e entrar no esplendor do novo século. A partir do Inverno de 1885-86, com o aperfeiçoamento do arado e com outros melhoramentos tecnológicos, os Estados Unidos conseguiram aumentar a sua produção agrícola nos anos que se seguiram até ao fim do século. Durante este período, a expansão económica e geográfica continuou em direcção ao Oeste, até atingir o Pacífico, tendo desenvolvido a agricultura nas Grandes Planícies.
A partir de 1870, os Estados Unidos começaram a exportar parte da sua produção agrícola, que se tornara excedentária, enquanto a China, com 85% de população rural, que não conseguia ser auto-suficiente, tinha que importar comida do estrangeiro. Por essa razão, os Estados Unidos consideraram a China um novo mercado a ser explorado em termos económicos. Apenas nove anos após o “encerramento” da fronteira, que havia sido proclamada por Frederick Jackson Turner como um marco na História dos Estados Unidos, surgiu a Open Door policy (Após o final da Guerra Hispano -Americana, e quando tomaram posse das Filipinas, os Estados Unidos começaram a levar mais a sério os assuntos ligados com o Extremo Oriente.
Dado que a China se encontrava num caos político e económico no final do século XIX, não sendo
reconhecida como uma nação soberana pelas potências principais, no Outono de 1898 o Presidente
McKinley exprimiu o seu desejo de criar uma “Open Door policy”, que concedesse acesso ao mercado chinês por parte de todas as nações comerciantes. Na prática, e dado que os Estados Unidos não tinham uma esfera de influência na China, ao contrário das potências imperialistas europeias, o Secretário de Estado John Hay teve a intenção de afirmar perante essas potências, através dos meios diplomáticos, a autoria dessa política. De facto, se a China acabasse por ser partilhada pelas nações com maior influência no continente asiático, os Estados Unidos seriam certamente excluídos de futuras actividades comerciais. Por isso, Hay estava apenas a tentar proteger os interesses dos investidores e homens de negócios americanos, bem como afirmar o poderio do novo “gigante” americano, abrindo ao ocidente um mundo de novas oportunidades.
Juntamente com a expansão comercial, chegou a expansão ideológica em solo chinês. Em 1870, o missionário protestante William Speer publicou o livro The Oldest and the Newest Empire: China and the United States, no qual procurou estabelecer uma comparação cultural entre o Extremo Oriente e o Oeste Americano, ao apontar para uma relação estreita entre os chineses e os Native American Indians. Speer argumentou que as raças autóctones do Novo Mundo tinham a sua origem no continente asiático. Por essa razão, estabeleceu uma teoria: a história do novo continente mostrava que a conversão dos Native American Indians estabelecia um precedente relevante, dando aos Estados Unidos o direito divino de encontrar missões no ultramar para converter os “heathen Chinee”.
A emigração de missionários americanos para a China passou a constituir uma estratégia de controlo social. Apesar de existirem missões protestantes na China desde 1830, estas aumentaram em número e em intenção evangelizadora após o anúncio, em 1899, da Open Door policy americana.
No final do século XIX, as potências ocidentais exerciam o seu poderio na China, através de concessões territoriais e comerciais em solo chinês, criando sentimentos de repulsa em relação à presença arrogante dos ocidentais.
A Guerra do Ópio entre a Grã-Bretanha e a China (1839-1842) foi o primeiro de vários incidentes que criou uma animosidade profunda em relação à prepotência dos europeus no território chinês, outrora soberano. Os sentimentos anti-estrangeiros conduziram ao rápido desenvolvimento de uma sociedade secreta chinesa, conhecida por I Ho Ch'uan (Punhos Harmoniosos Honrados), referida pelos ocidentais por Boxers. Estes pretendiam a expulsão dos “demónios estrangeiros” e dos cristãos chineses convertidos. A violência e os assassínios, inicialmente direccionados contra os cristãos chineses, passou a incluir ocidentais, aquando do assassinato de um missionário britânico a 30 de Dezembro de 1899. A partir daí, aumentou a violência e os governos ocidentais tiveram que enviar tropas para proteger as suas delegações e interesses em Pequim. A Rebelião dos Boxers foi esmagada pela acção conjunta de forças estrangeiras − Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia, França, Estados Unidos, Japão, Itália e Áustria. Após duas grandes batalhas contra forças chinesas, as potências ocidentais conseguiram finalmente chegar à capital a 14 de Agosto, para proteger as suas delegações diplomáticas e comercias. Nos meses seguintes, a ocupação e o domínio de Pequim aumentaram, bem como no Norte da China, culminando com a abolição da Sociedade dos Boxers pelas autoridades chinesas a 1 de Fevereiro de 1901, e com a assinatura do protocolo de paz com as nações aliadas a 7 de Setembro.
Com o falhanço da rebelião dos nacionalistas chineses, os ocidentais que tinham temido pelas suas vidas na China, sentiram-se encorajados em levar por diante as suas intenções de “auxiliar”, material e espiritualmente, o primitivo povo chinês.
Entre as novas chegadas, encontravam-se os missionários agrícolas, que vinham com a intenção de ensinar técnicas modernas de agricultura, juntamente com a nobre missão de “salvar almas”. Em 1915, John Lossing Buck, agrónomo americano formado na faculdade de Cornell no ano anterior, foi colocado em Nansuzhou, na província de Anhui, nas planícies do norte da China. Três anos mais tarde viria a casar com Pearl Sydenstricker, filha de um missionário, que crescera e fora educada na China.
Em 1921, John Buck aceitou um convite para leccionar na Universidade de Nanquim, onde nos anos seguintes leccionou economia, sociologia rural, engenharia agrónoma e administração.
A queda da dinastia Manchu em 1911 e as revoluções republicana e nacionalista que se seguiram, tornaram a China mais sedenta de modernização, havendo receptividade pelas novas ideias científicas e tecnológicas que chegavam a este país pela mão dos ocidentais.
Em 1930, John Buck publicou o livro Chinese Farm Economy: A Study of 2866 Farms in Seventeen Localities and Seven Provinces in China, em que observou que muitos dos métodos agrícolas modernos não eram passíveis de ser aplicados, nem deveriam ser aplicados nas planícies do norte da China. Os camponeses chineses eram pobres demais para adquirir e acomodar as ceifeiras, debulhadeiras, arados a vapor e semeadeiras. No entanto, Buck louvou os métodos tradicionais arcaicos que permitiam que os camponeses chineses trabalhassem a terra de uma forma bastante eficaz. Constatou que, apesar de não possuírem nem conhecimentos nem meios tecnológicos modernos, de terem uma densidade populacional mais baixa per capita dos terrenos agrícolas, conseguiam uma produção mais elevada por hectare do que os próprios Estados Unidos. Em parte, esse fenómeno era devido ao facto da estação de maturação das colheitas ser maior na China, o que permitia obter duas colheitas por ano. Uma grande fatia desses resultados era alcançada devido ao trabalho intenso e engenhoso dos camponeses chineses.
A constatação desta realidade suscitou algumas críticas no meio académico americano, que criticaram Buck por comparar os Estados Unidos com a China. A sua acção foi, contudo, reconhecida como sendo de grande valor: “Buck was perhaps the most important Western analyst of China’s rural social conditions who worked in this century” . A sua obra foi a primeira a reconhecer o alcance das verdadeiras potencialidades da China e serviu como manual de treino para várias gerações de economistas agrícolas chineses. A perspectiva tipicamente ocidental de Buck, e a fé nos ideais cristãos, levou-o a criticar várias tradições, crenças e actividades chinesas.
Durante os anos em que John Buck desenvolveu a sua pesquisa, Pearl Sydenstricker Buck
acompanhou-o nas suas viagens de recolha de dados. Devido aos seus profundos conhecimentos do povo, da cultura e da língua, PSB desempenhou um grande papel como intérprete. Numa fase em que a acuidade visual de John diminuiu nos finais da década de 1920, PSB auxiliou-o, dactilografando os seus relatórios. No contacto directo com a vida rural, PSB apercebeu-se de que os chineses eram mais empreendedores e económicos do que os americanos.
Alguns anos após o divórcio, PSB escreveu na sua autobiografia que, pelo facto de acompanhar o marido nas suas pesquisas científicas, deu-se conta de que ele tinha muito mais a aprender do que a ensinar aos camponeses chineses: “It became more and more apparent as time went on that it would be difficult to find concrete ways of helping the farmers of the region, who had learned to cope with drought and high dry winds and long cold winters, and it was disturbing to any American man, I am sure, to find that he had more to learn than to teach.”.
PSB constatou que estes viviam há inúmeras gerações no mesmo pedaço de terra e “were still able to produce extraordinary yields (…) without modern machinery. Whole families lived in simple comfort upon farms averaging less than five acres and certainly I had known of no Western agriculture that could compete with this.” Apesar dessa constatação e do seu cepticismo em relação à aplicabilidade dos conhecimentos científicos do marido, PSB optou por não o revelar, “for I had been well trained in human relationships, among which it is important indeed that, if she is wise, a woman does not reveal her skepticisms to man.”
No ano a seguir à edição do livro do marido, PSB publicou The Good Earth, onde criticou de forma implícita os métodos de modernização dos Estados Unidos, ao celebrar a tradição chinesa, a conservação da terra e a falta de tecnologia. PSB conta-nos na sua autobiografia que o marido se sentiu bastante frustrado depois de verificar a indiferença dos camponeses chineses perante o que de melhor existia na ciência ocidental que ele lhes transmitira. Esta constatação pôde gerar uma reflexão acerca dos países ditos “modernos” que se esforçam por impor as suas soluções científicas mais evoluídas a países não desenvolvidos, vulgo do “terceiro mundo”: “This experience of Pearl and John Buck in their early days in northern China may well be pondered by those politicians and research professors who investigate the economic solution of the political problems of the so-called "underdeveloped areas."”.
John Lossing Buck e Pearl Sydenstricker Buck
1917–1935
Postura contra o Imperialismo e o Colonialismo Ocidentais:
PSB manteve uma actividade bastante crítica em relação às guerras que assolaram o seu tempo.
No que diz respeito ao conflito sino-japonês, ela ajudou a promover o lugar comum de que os chineses − e, por extensão, os orientais em geral − davam pouco valor à vida humana. Esse comentário surgiu na revista Asia em Outubro de 1937, a propósito das atrocidades cometidas e da desumanidade da guerra em curso entre a China e o Japão: PSB alertou para factos que, até então, jamais tinham sido salientados por alguém de raça branca. Apesar desta caracterização dos chineses e japoneses em tempo de guerra, PSB escreveu, na sua autobiografia, que os asiáticos eram um povo de natureza e aspecto pacífico, com uma tradição cultural que promovia o saber.
Na Ásia, o soldado era encarado com desprezo, devido a todas as guerras que varreram esse vasto continente ao longo dos séculos, e era considerado mais vil do que um pedinte, em termos morais. A vida militar era encarada com desdém e as proezas militares e a crueldade dos guerreiros não eram engrandecidas. Os eruditos não louvavam a guerra e poetas como Liang Po descreveram os horrores e a devastação da guerra, em vez de a glorificarem. O curioso é que, ao longo da História da China, houve dirigentes que, enquanto no poder, mantinham uma postura Confucionista ( Doutrina filosófica criada por Confúcio (Kung Fu Tzu) (551-479 AC) que tem como objectivo alcançar uma sociedade harmoniosa, baseada na bondade e igualdade entre todos os seres humanos. Assente em princípios como a moralidade, a benevolência, a humanidade e códigos de conduta, é considerada por muitos como uma religião. Embora não possua características como o Cristianismo, o Islamismo ou o Judaísmo, nem se pronuncie sobre Deus e sobre a vida depois da morte, contempla, no entanto, princípios religiosos como Tien e Tao, o Céu e o Caminho, e aceita outras crenças da China − o Taoísmo e o Budismo), mais interveniente na sociedade, apesar de a sua personalidade possuir características Taoistas (Doutrina filosófica que se julga ter sido fundada por Lao Tzu (604-531 AC) e que preconiza o equilíbrio entre o Homem e o Universo, cuja causa primeira é o Tao. Apesar de ser considerada uma religião, não concebe a existência de uma divindade personificada. Os crentes procuram respostas para os problemas da vida através da introspecção da meditação e da observação do que os rodeia. O desenvolvimento da virtude é um dos objectivos principais e “As Três Jóias” a ser
procuradas são a compaixão, a moderação e a humildade. Promove a busca da saúde e da vitalidade e está na base da teoria da Medicina Tradicional Chinesa e da Acupunctura, fomentando o equilíbrio entre as forças antagónicas mas complementares do Yin e do Yang. De acordo com os seus princípios, a doença surge quando há um bloqueio na energia e/ou o equilíbrio entre o Yin e o Yang é perturbado).
Essa inclinação fez com que, após cessarem a governação e os seus cargos públicos (e depois de satisfeitos os seus sonhos de glória mundana), retiravam-se para as suas províncias de origem, para pintar e escrever poesia, imitando os eremitas Taoistas. Destes destacaram-se Chiang Kai-shek e Mao Tsetung que, depois de assumirem uma postura belicista violenta decidiram, no final das suas vidas, entregarem-se a uma vida de contemplação.
Durante os anos da guerra, ela atacou constantemente o racismo e a presunção americanos, exprimindo essas ideias num discurso em Fevereiro de 1942: “the peoples of Asia want most of all in this war their freedom (from white Western oppression)”
Referiu ainda que para muitos asiáticos os Estados Unidos e a Grã-Bretanha pareciam estar a lutar mais para salvar o imperialismo do que para assegurar a liberdade dos povos. PSB previu aquilo que
viria a acontecer no pós-guerra, ou seja, o aparecimento de sentimentos nacionalistas e anti-colonialistas, que surpreenderam e chocaram o mundo ocidental, mas que ela já profetizara. A sua clarividência política e o seu conhecimento profundo da Ásia e dos seus povos permitia-lhe ver mais para além do que a grande maioria, advertindo para os perigos inerentes à substituição dos impérios britânico, francês e japonês por um novo império, o americano.
"The peoples of Asia today are more frightened than ever of Empire. They see the world of tomorrow committed to empire, not only to the empires they know, of Britain, France and Japan, but to potential new empires. One of them is the United States, our country, the nation that belongs to the American people. It is quite possible that we may be building an empire without knowing it." (Marsh
1953)
Hoje em dia, sessenta anos mais tarde, constatamos que esse risco se tornou numa realidade bem amarga, para muitos milhares de militares norte-americanos, estacionados em “missões de paz” um pouco por todo o mundo, com especial destaque para o Iraque. Autores como Noam Chomsky e George Soros têm vindo a alertar para esse perigo de hegemonia por parte dos Estados Unidos, em livros como Power and Terror e The Bubble of American Supremacy − Correcting the Misuse of American Power, respectivamente.
PSB tinha uma visão do mundo bastante peculiar, dado ter a possibilidade de observar os acontecimentos globais através de uma perspectiva bipolar em simultâneo, quer ocidental, quer oriental. Tal circunstância ficou a dever-se à sua educação bipartida, por um lado americana, por imposição da mãe e, por outro chinesa, segundo a orientação do seu tutor confucionista, o Sr. Kung.
Those were strange conflicting days when in the morning I sat over American
schoolbooks and learned the lessons assigned to me by my mother, who faithfully
followed the Calvert system13 in my education, while in the afternoon I studied
under the wholly different tutelage of Mr. Kung. I became mentally bifocal, and
so I learned early to understand that there is no such condition in human affairs as
absolute truth. (Buck 1975: 57)
Isto foi retratado no seu livro "Peónia", com a sua personagem David, que tinha aulas com o Rabino sobre a Tora de manhã, e à tarde tinha aulas com o seu mestre confucionista.
Desde sempre que PSB assumiu uma postura contra as guerras, encaradas como o culminar do desentendimento entre os homens e como resultado da ganância e sobranceria dos mais fortes em relação aos mais fracos. A guerra era, para ela, um factor de involução do ser humano e de destruição dos valores e de tudo o que existe de mais sublime na civilização:
“War always destroys civilization. In civilized times and places hatred is considered a mean and degrading emotion, but in wartime we are urged to cultivate hatred in order that we may the more quickly break down the manners of civilization and be eager to kill”
À semelhança dos grandes rios da China, a imagem dos chineses na mente dos ocidentais, e mais concretamente dos americanos, percorreu um longo caminho, desde Marco Polo a Pearl Buck, de Gengis Khan a Mao Tse-tung. Por um lado, o nome “Marco Polo” faz ecoar nas mentes ocidentais ideias de grandiosidade, de arte e de uma civilização milenar profundamente sábia, associadas à China, bem como de qualidades inerentes ao povo chinês, no que diz respeito à inteligência, espírito de sacrifício, paciência, reverência perante os mais velhos, estoicismo e
índole pacífica. Estas são as qualidades que as gerações de leitores dos romances de PSB se habituaram a reconhecer nas personagens das suas obras: gente simples, trabalhadora, corajosa, aceitando com resignação os contratempos do destino e das circunstâncias adversas.
Por outro lado, o nome “Gengis Khan” e as suas hordas mongóis fazem também ecoar nas nossas mentes qualidades associadas aos chineses: crueldade, barbárie, desumanidade e o perigo de uma
onda esmagadora de milhões de seres. Juntamente com estes aspectos, surgem também os estereótipos dos pagãos idólatras de múltiplos deuses, assassinos de bebés do sexo feminino, os pés enfaixados de mulheres submissas, as torturas chinesas de requintes supra-maquiavélicos, a indiferença perante a dor, o sofrimento e a vida humana, a Rebelião dos Boxers e o Perigo Amarelo.
Por estas razões, ao longo da história, as concepções ocidentais da China incluíram noções quer de estabilidade eterna, quer de caos ilimitado. Habituámo-nos a atribuir aos chineses ideias tão extremas como sabedoria e ignorância supersticiosa, grande poderio e fraqueza desprezível, conservadorismo imutável e extremismo imprevisível, calma contemplativa e violência explosiva.
Não é, por isso, de estranhar que as emoções dos ocidentais sobre os chineses oscilem entre a simpatia e a rejeição, a benevolência e a exasperação parentais, o afecto e a hostilidade, o amor e um medo muito próximo do ódio.
A imagem que actualmente os americanos têm dos chineses é, sobretudo, resultado do que se passou nas primeiras quatro décadas do século XX.
Em primeiro lugar, é preciso ter em conta o preconceito, o desprezo e a rejeição violenta que os americanos nutriam pelos chineses que imigravam para os Estados Unidos. Os primeiros emigrantes asiáticos a entrar nos Estados Unidos foram os chineses, atraídos para a Califórnia pela “Gold Rush” de 1848. Em 1850, os imigrantes chineses já excediam os 20.000, a maior parte deles na Califórnia. A construção dos caminhos-de-ferro durante a década de 1860 acelerou a entrada de
trabalhadores chineses, chegando aos 63.199 em 1870. Dez anos mais tarde, esse número já atingia os 105.465, dos quais mais de 90 % se fixaram na costa do Pacífico. No entanto, à medida que o número de chineses aumentava, os trabalhadores caucasianos na Califórnia começaram a guardar rancor aos chineses, dado que estes, por serem considerados inferiores em termos de raça e de cultura, constituíam uma ameaça para os níveis dos salários e das condições de trabalho oferecidas pelos empregadores.
Por todas estas razões, em meados da década de 1870, com a conclusão dos caminhos-de-ferro transcontinentais, com o aumento da mão-de-obra caucasiana no Oeste e com a depressão económica
generalizada por todo o país, os trabalhadores brancos viraram a sua ira contra os chineses. Devido a todo este clima de hostilidade para com os trabalhadores chineses, que passaram a ser personae non grata, nomeadamente nos estados do Pacífico, e sobretudo na Califórnia, o Congresso dos Estados Unidos passou uma lei a 6 de Maio de 1882, que proibia imigrantes chineses de entrarem nos Estados Unidos, as Chinese Exclusion Acts.
No início, os chineses foram bem-vindos, quando as grandes linhas de ferro transcontinentais necessitavam com urgência de mão-de-obra, que se sujeitasse a condições de trabalho extremamente duras. No entanto, quando pretenderam entrar noutros sectores do mercado de trabalho, enfrentaram fortes atitudes de contestação, violência e legislação destinada à sua exclusão, numa época em que se viviam grandes dificuldades económicas. Estas leis constituíram um marco na História da discriminação racial dos Estados Unidos, sobretudo anti-asiática.
A primeira lei Chinese Exlusion Act surgiu em 1882 e suspendeu a entrada de chineses durante 10 anos. Em 1892 foi prolongada por mais 10 anos e em 1902 foi, de novo, alongada por um período idêntico. No entanto, só em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, é que a lei seria revogada. A ideia que imperava entre os americanos sobre o carácter dos chineses foi o resultado de vários
acontecimentos, nomeadamente a Revolta dos Boxers em 1900 e, mais tarde, de inúmeras guerras internas e revoluções sangrentas, que culminaram na Revolução comunista de Mao Tse-tung.
A opinião pública americana, que já era desfavorável antes do início do século XX , passou a assumir, a partir da Revolta dos Boxers, que os chineses afinal não eram mais do que assassinos impiedosos. A presença dos chineses, encarada como uma bênção na altura da construção dos caminhos-de-ferro, passou a ser considerada uma maldição após o colapso das minas no Nevada em 1878.
Inúmeros factores contribuíram para a segregação e xenofobia em relação aos chineses.
As organizações laborais apoiaram com veemência as Exclusion Acts, dado que as principais consequências de uma imigração sem limites era de aumentar a competição desigual pelos postos de trabalho. Um patrão sem escrúpulos nem moral não hesitaria em empregar chineses, mão-de-obra barata que se sujeitava a qualquer trabalho, em vez de trabalhadores brancos.
As Chinatowns tornaram-se atracções turísticas, famosas pela sujidade, vício e estranhos odores, recheadas de um misticismo sombrio, associado às “sociedades secretas” chinesas, que se dizia controlarem antros de prostituição e de ópio.
Para além destas atitudes muito pouco favoráveis em relação aos chineses, o presidente Theodore
Roosevelt descreveu-os como sendo uma “immoral, degraded and worthless race”.
A aliança Sino-Americana durante a Segunda Guerra Mundial na revogação das Chinese Exclusion Acts: A entrada forçada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial trouxe uma
nova realidade e um novo “perigo amarelo”, bem mais concreto e bem mais perigoso do que os chineses: o Império do Sol Nascente. A ambição de criar uma “grande Ásia” sem ocidentais e governada pelos senhores nipónicos, fez com que o Japão se lançasse numa aventura expansionista que espalhou a guerra e a morte por todo o Pacífico.
O ataque surpresa a Pearl Harbor mudou de forma radical a política dos Estados Unidos em relação à China. No dia a seguir ao ataque, os Estados Unidos e a China declararam guerra ao Japão, tornando-se aliados a partir desse momento, o que teve um papel relevante na mudança da política americana para o extremo Oriente, sobretudo com a China.
A 1 de Janeiro de 1942 uma declaração conjunta das Nações Unidas incluiu a China como o 4º signatário, a seguir aos Estados Unidos, GrãBretanha e União Soviética, o que demonstrou que a China passara a ser indispensável para o esforço de guerra americano.
No entanto, os Estados Unidos adoptaram uma “Europe First Policy” desde o início da guerra, o que implicava que a estratégia de guerra americana na Ásia era secundária.
No entanto, os Estados Unidos viram na China um aliado capaz de manter milhões de soldados japoneses envolvidos no conflito, até que houvesse uma vitória aliada na Europa.
Por essa razão, os Estados Unidos concederam um empréstimo de 500 milhões de dólares à China em Janeiro de 1942, o que não foi apenas um gesto de boa vontade mas sim uma jogada política e estratégica para revitalizar e manter a China activa e combativa na guerra.
Para alcançar esse objectivo em termos políticos, os Estados Unidos ajudaram a China a entrar na cena internacional como uma grande potência mundial.
Apesar de toda esta viragem e aprofundamento das relações com a China, as desigualdades raciais continuaram a existir entre os Estados Unidos e a China. De facto, a continuação da existência das Chinese Exclusion Acts era bem o exemplo de que ainda faltavam ocorrer as mudanças de raiz.
Após o ataque a Pearl Harbor, o Japão começou a chamar à guerra “the Greater East Asia War”, cujo objectivo era “libertar a Ásia oriental dos imperialistas anglo-saxónicos” (numa alusão clara aos britânicos e americanos). O grande propósito japonês era estabelecer “the Greater East Asia
Co-Prosperity Sphere”, que se basearia no princípio de “igualdade e harmonia racial”.
Em Fevereiro de 1942 foi publicado outro artigo, intitulado “A New Step towards Emancipation of Asian Peoples”, com o intuito de reforçar o efeito da propaganda, insistindo que a essência das injustiças e desigualdades estava enraizada na exploração americana dos povos asiáticos.
Para além da frente de combate, os japoneses mostravam-se determinados em desmoralizar o inimigo, atacando-o ideologicamente com uma campanha que tinha como objectivo atingi-lo no seu ponto mais fraco, na contradição entre os valores que defendiam e aquilo que faziam na prática. Com esse propósito, a revista “Front”, uma das mais importantes da propaganda japonesa em tempo de
guerra, começou a ser publicada no início de 1942, condenando a opressão ocidental na Ásia e enaltecendo a harmonia racial na “Greater East Asia CoProsperity Sphere”. Os japoneses argumentavam, dessa forma, que os ideais americanos de igualdade eram hipócritas, dado que a essência da “suposta igualdade” era o “beast-like treatment or semi-starvation pay to the Asiatics”.
Em Junho de 1942, começaram a ser publicadas uma série de cartas abertas, “Open Letters to Asian Peoples”, nas quais eram denunciadas a exploração e opressão dos poderes anglo-saxónicos: “Asia must be one − in her aim, in her action and in her future”. A propaganda japonesa afirmava aos povos asiáticos que “when Asia becomes one in truth, a new order will be established throughout the world”. Na prática, a propaganda japonesa procurava ridicularizar os Aliados nos jornais e programas de rádio dirigidos aos povos asiáticos, insinuando que estes nunca receberiam um tratamento igual e imparcial por parte dos ocidentais.
Um dos seus argumentos mais fortes eram as “Chinese Exclusion Acts”, para desconstruir a validade das “Four Freedoms” de Roosevelt, no discurso proferido perante o Congresso a 6 de Janeiro de 1941, de onde a igualdade racial fora excluída.
As leis de discriminação racial contra os asiáticos continuavam a existir na legislação americana em vigor. Por essa razão, a propaganda nipónica detectou pontos fracos na legislação americana por onde apelar aos asiáticos, sobretudo aos chineses, que a China, a primeira aliada inter-racial da América, não era tratada com igualdade, como outras potências aliadas.
Estas acusações mostravam na prática como a legislação americana anti-chinesa se reflectia na vida de milhares de chineses “aliados” dos Estados Unidos, mas sem quaisquer direitos ou regalias, procurando sensibilizar a opinião pública asiática para a causa nipónica.
Antes da guerra do Pacífico ter rebentado e de os Estados Unidos terem sido forçados a entrar na Segunda Guerra Mundial, a opinião pública americana já nutria alguma simpatia e solidariedade para com a China e o seu povo, atacados pelo Império japonês. Por essa razão, havia condições propícias para que a lei pudesse vir a ser revogada. A guerra de propaganda entre os Estados Unidos e o
Japão tinha posto a descoberto uma realidade que era bastante embaraçosa para os americanos, arautos da liberdade e da igualdade, mas com uma situação legal insustentável, que dava razão aos argumentos japoneses. Após o ataque a Pearl Harbor, o apoio e a solidariedade da opinião pública americana para com o povo chinês tornou-se ainda maior, passando a sentir essa causa mais sua, dado que a partir daquele momento começaram a ter um inimigo comum. Como reflexo desse apoio, surgiram vários editoriais a reforçar a ideia de que a China iria ser um aliado imprescindível para que os Estados Unidos ganhassem a guerra mais depressa.
A partir do momento em que os Estados Unidos entraram na guerra, a discriminação legal contra os chineses foi trazida ao conhecimento da opinião pública. Todos estes factores contribuíram, de forma decisiva, para a revogação das Chinese Exclusion Acts.
A imagem e a reputação dos chineses na América começou a mudar de forma lenta mas segura.
Com a necessidade premente de aumentar a eficácia da máquina de guerra chinesa, muitos jovens chineses receberam treino militar nos Estados Unidos, nomeadamente na Força Aérea, vindo mais tarde a desempenhar um papel bastante importante nos céus da China, formando um esquadrão que abateu muitos aviões japoneses, o que lhes granjeou bastante fama.
Pearl Sydenstricker Buck, a primeira escritora americana a ser galardoada com o prémio Nobel da Literatura em 1938, surgiu como uma figura de vulto na mudança de atitude do povo americano em relação aos chineses, bem como na luta a favor da revogação dessas leis.
Para tal, contribuía o facto de ela ter vivido cerca de três décadas e meia na China, e de ser uma profunda conhecedora da cultura, da língua e da realidade chinesas, transmitindo as suas ideias através dos seus romances e das suas intervenções políticas.
PSB chamou a atenção para o facto de que, para se alcançar a vitória, era também necessário estabelecer a cooperação entre os povos sem os preconceitos da raça, cor ou nação.
Era, por isso, fundamental que os Estados Unidos abandonassem a crença da “supremacia branca” sobre os povos de cor.
É interessante verificar que aqueles que mais contribuíram para esta campanha foram pessoas que tinham uma forte ligação e uma dívida de gratidão para com a China. Para além de PSB , que vivera mais de 35 anos na China, e que escrevera inúmeros romances sobre este país asiático, e Richard Walsh, seu segundo marido e editor dessas obras nos Estados Unidos, contava-se ainda com Henry Luce, que nascera e vivera mais de 10 anos na China, e o congressista Walter H. Judd, outrora missionário médico na China durante mais de 12 anos.
Após muito esforço e perseverança por parte de inúmeras organizações e individualidades, incluindo PSB, a lei foi revogada e acabou por atribuir, em termos técnicos, uma quota anual simbólica e por permitir que os imigrantes chineses pudessem alcançar a cidadania americana. Por estas razões, a revogação das leis anti-imigração constituíram uma viragem na História dos Estados Unidos
da América. Pela primeira vez, fora criada a ideia de que os chineses eram “assimiláveis” na sociedade americana, apesar da quota atribuída ser mínima.
A Segunda Guerra Mundial acabou, no fundo, por contribuir de forma decisiva para alterar as relações América – Ásia e para a criação de uma América multicultural.
A mudança de mentalidade foi o aspecto mais importante decorrente desta alteração da lei. Mas começava a ser insustentável manter um país com atitudes diferentes perante raças diferentes sem haver igualdade de oportunidades. A propaganda racial japonesa foi a primeira a denunciar o racismo americano, levando o grande público americano a tomar consciência do racismo existente no seu próprio país. A América reconheceu que, para além de ganhar a guerra no palco das operações militares, também tinha que ganhar a guerra de propaganda contra o Japão e provar ao mundo a sua sinceridade e boas intenções a favor da igualdade e da tolerância racial.
Antes da guerra, a comunidade sino-americana era alvo de discriminação, sobretudo devido à lei existente. A invasão da China pelo Japão, e sobretudo depois da entrada dos Estados Unidos na guerra ao lado da China, melhorou de forma considerável a imagem e reputação dos chineses americanos. Apesar de tudo, a revogação da lei não trouxe uma situação de paridade de quotas com os imigrantes de países europeus. O “American nativism” continuou a ter um papel importante na mente dos americanos e na sua falta de aceitação dos chineses, em particular, e dos estrangeiros, em geral.
Durante a década seguinte surgiram novas leis anti-imigração de asiáticos, que permitiram a assimilação de indianos, filipinos e, mais tarde, de japoneses na sociedade americana.
No entanto, a revogação destas leis não alterou o status quo existente na sociedade americana, do tratamento racialmente discriminatório dos povos asiáticos. Estes teriam de esperar mais uma década até atingirem paridade total na legislação americana sem ter, no entanto, um verdadeiro significado na prática.
As relações de maior proximidade com a China, iniciadas em 1943 no auge da guerra no Pacífico, com a revogação da lei anti-imigração, constituíram um ponto de viragem na política externa americana.
Essas relações viriam a atravessar uma fase muito agitada, quando o maior aliado dos Estados Unidos, Chiang Kai-shek, somou derrotas militares, tendo que se refugiar na ilha da Formosa (Taiwan), para fugir às forças de Mao Tse-tung, dando origem a “duas Chinas”, uma continental, comunista e ameaçadora, e outra insular, capitalista e democrática.
Desde esse momento que o relacionamento privilegiado com Taiwan criou aos Estados Unidos dificuldades no seu entendimento com a China comunista, dado esta encarar a ilha como uma província renegada, mas fazendo parte integrante da “grande China”.
Apesar dos esforços levados a cabo por sucessivas administrações, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e do início da Guerra Fria, passando pela visita histórica de Richard Nixon à China, em Fevereiro de 1972, até ao bombardeamento da embaixada chinesa em Belgrado em Maio de 1999, as relações diplomáticas com a China não têm sido fáceis.
Fonte: Estudos Americanos, Paulo Mascarenhas Franco
Nanjing University
Pearl S. Buck Memorial House
Pearl S. Buck Museum
Zhenjiang
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